O que é importante está-lhe na pele. Literalmente. As mãos, os braços, o pescoço — as partes visíveis do corpo — revelam as paixões deste homem. E, de alguma forma, também uma biografia sucinta, ou não fosse ele o paladino da frase curta. Mas já vamos olhar de perto para as tatuagens que este brasileiro de 35 anos não quer, nem pode, esconder.

Antes disso, há que perceber como é que a sua poesia post-it se tornou viral nas redes sociais — Zack Magiezi tem 963 mil seguidores no Instagram e 625 mil no Facebook, na maioria mulheres. E como, há dois anos, passou a viver nos livros de papel. Como é que estes mini-textos, quase notas, umas mais líricas do que outras (aliás, já lhes chamaram pílulas poéticas) fazem um percurso de sucesso numa plataforma onde transbordam selfies, fotografias de comida, de celebridades e de tudo o que habita na vida dos seus utilizadores?

Sentado na livraria Bertrand do Amoreiras Shopping Center, em Lisboa, o escritor procura explicar o fenómeno à MAGG antes de apresentar o primeiro livro em Portugal. “Notas Sobre Ela”, uma edição da editora Cultura, tem a capa e o conteúdo iguais ao seu livro de estreia, “Estranherismos”, publicado pela Bertrand Brasil em 2016. A mesma editora lançou também  “Notas Sobre Ela” (que apenas tem o mesmo título do livro à venda no nosso País há mais de uma semana) no segundo semestre de 2017. Até junho deste ano o primeiro vendeu 40 mil exemplares e o segundo 20 mil. Com menos vendas (cerca de duas mil) está uma edição independente feita em fevereiro último de um outro título: "Textos que ficaram quando você partiu".

Esta é toda uma nova realidade para o paulistano de ascendência italiana e nordestina que no registo civil é Isaías Magiezi Júnior. Para não o confundirem com o pai, pastor baptista, de quem herdou o nome, passaram a chamar-lhe Isaac: “Como em Minas Gerais costumam suprimir a primeira ou a última letra, fiquei Saac, ou seja Zack”.  Tendo estudado Administração, Teologia, História e Letras (não acabou nenhum dos cursos), e experimentado várias profissões, desde vendedor de peixes, malas e perfumes, a coordenador administrativo-financeiro passando por segurança numa loja, confessa que nunca imaginou chegar até aqui. Agora, não quer ficar aqui. Quer ir mais longe, quer ter mais leitores do que seguidores.

Se fosse jornalista e tivesse que apresentar Zack Magiezi, o que diria?
Sou uma pessoa comum que tenta fotografar momentos, emoções e sentimentos através da escrita. Não tenho títulos nem nada para apresentar. Sou uma pessoa muito simples que encontrou na escrita uma voz.

Não se considera um escritor?
Considero sim, acho que todos os que escrevem são escritores em certa medida, porém, alguns não tornaram público o seu trabalho, guardam tudo em gavetas e outros sim.

Mas disse em várias entrevistas que não era escritor…
É. Mas agora discordo. Se o seu ofício é escrever palavras então é escritor.

É poeta?
(hesitação). Sim. Há poesia em qualquer género textual, prosa, crónica, conto… Quando a razão falha em explicar o mundo, talvez seja a poesia a consegui-lo. Eu procuro falar do que está escondido, do que está perto da alma, do que não se consegue explicar ou entender. Há poesia no que eu faço.

De repente, num meio de muita autopromoção, no meio de fotografias de um prato de comida, de celebridades e de selfies, aparece um poema. E isso é revolucionário."

Já escreveram que o que faz é poesia fast-food. Revê-se nesse conceito?
Sim, na Folha de S. Paulo. Há uma certa verdade nisso, porque é uma coisa mais rápida, mais dinâmica.

Mas pelos vistos resulta bem nas redes sociais.
Se for pensar bem, o meio digital foi invadido, de certa forma, pela poesia. Mas as redes sociais não são para a poesia. De repente, num meio de muita autopromoção, no meio de fotografias de um prato de comida, de celebridades e de selfies, aparece um poema. E isso é revolucionário. Por outro lado a expressão fast-food rebaixa o que eu e outros estamos a fazer pela alusão à qualidade, porque fast-food não é uma coisa boa, não alimenta. Eu prefiro interpretar as coisas de uma maneira mais positiva, por isso vou por esse lado de ser rápida, de ser de fácil consumo. Mas em termos de alimento, de saciedade, acho que não é verdadeira. Esta poesia pode sim saciar uma alma, pode sim atender a algum desejo, pode sim deslumbrar e causar espanto.

É isso que pretende com o que escreve? Saciar uma alma?
O que eu pretendo é ter uma voz que não seja esta voz com que eu estou falando com você, porque às vezes eu não consigo explicar as coisas que estão em mim usando essa voz e sinto que a escrita faz isso, exterioriza o que a minha voz não é capaz de fazer. A poesia serve para isso.

Agora, há aqui algo paradoxal: as redes sociais são redes superficiais (as pessoas mostram-se, tiram dez fotos e escolhem uma, a melhor) e eu estou ali para falar de algo subjetivo, que está no interior… É muito interessante e desafiador, é como se eu empurrasse um espelho para a frente da pessoa e a obrigasse a olhar-se.

A necessidade de trabalhar numa máquina de escrever

Basta ver os comentários ao que publica nas suas redes sociais para ver que as pessoas se identificam muito com o que escreve. E não estou a falar dos gostos, porque é comum um post seu ter mais de 40 mil gostos…
Como os meus textos são muito subjetivos, falo muito de coisas que eu sinto, então há muita identificação num lugar muito superficial. E eu ainda escrevo numa máquina de escrever o que é o mais paradoxal ainda.

Ainda escreve na sua Olivetti?
Sim.

Sempre?
Menos quando estou em viagem, aí escrevo no computador para não deixar de alimentar a rede. Mas geralmente ando sempre com um caderninho onde vou rabiscando ideias e no final do dia sento-me em frente à máquina e tento organizar tudo.

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Ofereceram-lhe a máquina, não foi?
Ganhei-a numa dívida. Um amigo não conseguia pagar-me o dinheiro que me devia, disse que só tinha a máquina, perguntou se eu queria e eu aceitei. Antes receber a máquina do que não receber nada. (risos)

Porque é que prefere escrever na máquina?
Porque ela me obriga a uma solidão que é muito necessária para quem escreve.

Só se pode escrever poesia se se for solitário?
Eu preciso de estar num estado de solidão. Há pessoas que conseguiriam escrever aqui, com todas essas pessoas ao redor. Eu prefiro estar sozinho, longe das pessoas e daquilo a que a gente chama “não som” mas que faz muito barulho. No computador há muitas distrações, está a escrever e de repente está no YouTube e nem sabe como foi lá parar, vai abrindo aplicações, entrando em sites. A máquina é tão tecnológica que só escreve. (risos) Então é um desafio que me motiva bastante.

E o ruído das teclas não o incomoda?
Não. É um ruído muito físico, muito interessante.

Tem as letras da palavra solitude tatuadas nos dedos das mãos. Porque é que alimenta muito esta ideia de que é um homem solitário, de que a tristeza e a melancolia são necessárias para escrever poesia?
Também é. Eu só posso falar de mim. Eu sinto que tenho algum desajuste em relação ao mundo em que eu vivo. Às vezes não me sinto inserido na rotina, nas coisas em geral e isso acaba alimentando a minha escrita, porque é uma tentativa de me ajustar ou de ser visto. Eu acho que tenho alguns complexos de invisibilidade.

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Uma pessoa que tem 960 mil seguidores no Instagram e mais de 600 mil no Facebook acha que é pouco visto?
Isso piora tudo. Porque quantos deles é que me conhecem? Quantos deles já escutaram a minha voz?

Mas quer ser visto?
Ali, no Instagram, não. Ali quero que sejam só os textos mesmo. Porque ali também é uma forma de ser visto no que talvez seja o mais precioso em mim. Eu falo de coisas mais simples, de ser visto, por exemplo, de estar inserido num grupo, eu não tenho muitos amigos…

Não?
Não. Sempre foi assim em toda a minha vivência. Em pequeno morei em várias cidades, estava sempre a mudar de local [como pastor, o pai tinha de trocar de igreja de x em x anos] e por isso não tive aquele grupo com que você cresce, ou o grupo de amigos que estudaram juntos todos os anos na escola… não tive nada disso.

Não tem irmãos?
Tenho uma irmã que é a minha grande amiga e um sobrinho com um ano, o Joaquim. E agora tenho feito alguns amigos em São Paulo que são pessoas que também escrevem, fizemos um grupo e isso tem sido muito bom. Na verdade são quatro pessoas, mas para mim já é ótimo! (risos). Apesar que amigos sempre são poucos. Mas eu tenho mesmo muito poucos amigos.

Eu comecei a escrever por causa do amor. Dizem que a gente só escreve por causa de dois temas, o amor e a morte, não é? Eu precisei de aliviar o meu próprio ser, libertar o que tinha preso."

É essa falta de amigos que o leva a dizer-se uma figura solitária?
Eu não entendo a solidão nesse sentido ruim, mas eu acho que tenho algo que não é acessível para todos. E talvez eu, indiretamente, não queira que isso se perca. Mas isso é o que está nos textos, isso é o que eu acho interessante.

Mais um paradoxo?
Sim, por exemplo, se eu tivesse de falar alguma coisa para uma pessoa, mesmo íntima, talvez eu não conseguisse. Mas na escrita eu consigo verbalizar o que queria dizer mesmo que não seja para ninguém.

O poeta palhaço

Como é que começou a escrever?
Eu comecei a escrever [em 2012] por causa do amor. Dizem que a gente só escreve por causa de dois temas, o amor e a morte, não é? Eu precisei de aliviar o meu próprio ser, libertar o que tinha preso. Tive um relacionamento que não deu certo. Foi uma morte repentina de uma relação: num dia aparentemente estava tudo bem e no outro dia tinha acabado tudo. E eu não soube lidar com aquilo. Foi muito triste. Estava meio sozinho em Belo Horizonte, porque eu tinha ido para lá por causa dessa namorada e as pessoas que eu conhecia estavam todas ligadas a ela. Foi um período muito difícil. Tinha 29 anos.

Teve o seu primeiro desgosto de amor aos 29 anos?
Não, sim… (hesitação)… talvez este tenha sido o único que foi mesmo um desgosto. Os outros foram mais… bom, eu não tive muitos amores na vida…

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Sentiu-se muito sozinho e depois?
Fiz duas coisas muito importantes. Comecei a escrever e fiz um blogue. E fiz também oficina de palhaçaria, com um circo. Não tem nada a ver comigo, mas eu ia a passar na rua, vi, entrei, participei e foi muito incrível.

Tentou superar o seu desgosto de amor fazendo-se palhaço e fazendo-se escritor?
Sim. (muitos risos)

Um poeta-palhaço?
(risos) Exatamente. É ótimo escutar isso de outra pessoa. É porque o palhaço tem uma coisa muito interessante e que talvez esteja refletida nas coisas que eu escrevo. É que o palhaço não é necessariamente cómico, ele é um ser que causa estranhamento.

Gosta muito de usar essa palavra.
Gosto de mais. Aprendi isso lá. Se agora entrasse aqui um palhaço, nós ou íamos ficar com medo ou íamos achar muito estranho. Toda a figura dele é construída em cima do estranhamento, desde as roupas largas aos sapatos, à postura. Há uma intersecção com aquilo que eu faço hoje, ele mostra aquilo que tem de frágil para que as pessoas se possam rir dele. Por exemplo, se tem uma barriguinha ele vai ser bem barrigudo. Pode incomodar a pessoa que está por trás do palhaço, mas não incomoda o palhaço. Isto liga-se ao universo da escrita, em que você mostra algo que é para as pessoas lerem e conhecerem mesmo que te incomode mostrar aquilo. E isso eu aprendi na palhaçaria e é algo que eu carrego.

Carrega como?
Através da escrita. Tentando mostrar algo meu que é muito profundo, que eu não falaria nem para o meu melhor amigo, mas que eu falo através de um texto que coloco ali naquela plataforma onde tem bastante gente às vezes interagindo com o que escrevi.

Como é que alguém que é tímido e introvertido vai contar o seu desgosto de amor num blogue?
Ah, mas o blogue não tinha leitores, então… (risos) Eu não o divulgava, era só para mim, mesmo. Tanto que agora, mais velho, eu revisitei o blogue e ri-me de muita coisa que escrevi. Era aquela coisa bem romântica, desesperada... mas na época fez sentido.

Nunca tinha escrito antes deste desamor?
Não, mas eu sempre li muito. Morei em vários sítios, alguns muito pequenos, onde a única diversão era ir para a biblioteca. A leitura mexia muito comigo, por isso foi muito natural começar a escrever porque era um universo em que eu já estava inserido.

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Em que é que trabalhava na altura?
Por incrível que pareça, eu trabalhava com números, com planilhas [folha de cálculo]. Controlava a parte administrativa e financeira de um colégio em Belo Horizonte.

E agora? Vive só da escrita?
Sim. Resolvi apostar.

Três livros publicados dá para viver ou o facto de estar nas redes sociais traz-lhe algum rendimento?
Sim, traz. Através de palestras e eventos de marcas que me convidam para ir lá escrever. Viver só dos livros é muito incerto.

A gente se tatua de muitas formas, na vida, algumas são aparentes, outras não."

Por isso é que também apostou em publicar inéditos?
Sim. Na verdade, quando eu comecei a escrever produzi muito. Parecia que tinha muita coisa presa e que a libertei. Eu sou muito desorganizado, escrevia em papéis, na parede do meu quarto…

E no corpo também.
(risos) Sim, mas no corpo é só dos escritores de que eu gosto, não tem nada meu. Não escreveria nada meu no meu corpo.

Porque é que tem Macondo tatuado no pescoço?
Porque é a cidade dos “Cem Anos de Solidão” [de Gabriel Garcia Marquez] que é um livro de que eu gosto muito. Tenho muitas tatuagens dos livros de que gosto.

Quais são os livros que tem no corpo?
Tenho o “Jogo da Amarelinha” e “Histórias de Cronopios e Famas” do Júlio Cortázar, o “Velho e o Mar” do Ernest Hemingway…

Também tem o quadro "Quarto em Arles" do Van Gogh e a frase “aimez vos uns les autres”…
Sim é a herança da teologia, é o que ficou. Meu pai não gosta muito das tatuagens, até hoje, mas aí a gente se tatua de muitas formas, na vida, algumas são aparentes, outras não. Eu pretendo continuar a tatuar-me.

Também tenho uma música do Bob Dylan, próximo ao punho: "I Am A Man of Constant Sorrow". É uma música do Soggy Bottom Boys que conheci na voz do Bob.

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Quem é o homem que está tatuado no seu braço direito?
É um marujo, coisa que eu sempre quis ser.

E este quarto, mais abaixo, é o do Van Gogh?
Sim, o Quarto em Arles. Gosto da intimidade dessa obra.

Esta é a Olivetti, no bícepe direito, acima da palavra poexistir?
Sim. [Essa tatuagem] fiz antes de o meu primeiro livro sair.

Quem é o homem que está ao lado?
Um boxeador cansado e com hematomas.

No lado esquerdo do pescoço o que está lá escrito? Beauty and? A camisa está a tapar.
Beauty and Pain e uma rosa. Gosto da ideia de uma beleza que sabe ferir.

A flor grande no braço esquerdo é um girassol? Esta flor tem algum significado para si? É que também está na foto de capa da sua página do Facebook...
Sim! Gosto do girassol e a sua jornada vital pela luz.

Fotografar uma fração de um momento feminino

Como é que entrou nas redes sociais?
Para organizar o que escrevia, sou muito desorganizado. Queria ter os meus textos todos guardados num só lugar, criei uma página anónima, chamada Estranherismo, em 2014, onde eu queria pôr tudo. Todos os meus pensamentos. E não divulguei para ninguém. Só que começou a haver um movimento, alguém viu, partilhou, as pessoas começaram a interagir com aquele conteúdo e foi crescendo, crescendo… Até que um dia o meu irmão de consideração [amigo com quem mora há muitos anos] disse: “Vai para o Instagram porque o Facebook é uma rede de que já ninguém gosta e aquela é mais legal”. Eu migrei para o Instagram (talvez em 2015, não sou bom com datas) e aí entrou em cena a máquina de escrever, pois esta é uma rede de imagens e eu não sabia fazer aquelas artes (hoje eu sei) bonitinhas para colocar, e aí eu comecei a dactilografar, a tirar fotos do papel e a publicar, e foi assim que tudo aconteceu.

Eu até brinco com o meu pai dizendo que, de certa forma me tornei um pastor porque eu escuto muita gente."

Neste “Notas sobre Ela”, adaptado ao português de Portugal, pretende entrar no universo feminino?
É uma das coisas de que eu gosto muito de fazer, embora não seja possível entender o mundo feminino. Só uma mulher pode entender outra mulher.

Então porque é que um homem está a escrever para mulheres, sobre mulheres?
Eu estou tentando fotografar uma fração de um momento do mundo feminino. Na verdade estas notas começaram porque eu me apaixonei por uma moça num ônibus. Ela era muito jovem e estava com um LP de um sambista, o Noel Rosa, e eu achei estranho porque o LP é uma coisa muito antiga e do Noel Rosa é muito mais antigo ainda. Eu achei bonito e escrevi uma nota sobre o que estava vendo ali e fiz uma brincadeira entre o antigo e o novo, a temporalidade e a intemporalidade, como a arte às vezes pode juntar tempos, pessoas de vários tempos diferentes e isso de certa forma é vencer a morte. Foi a primeira "nota sobre ela". Muitas mulheres identificaram-se com o que leram e eu achei incrível… A mulher é sempre algo muito misterioso para nós homens sem imaginação, é sempre um mistério.

Escreve ou não para mulheres?
Há muitos homens que se identificam com o “Notas sobre Ela”.

Para quem é que escreve?
Escrevo para mim. Porque eu estou sozinho, ainda.

Se fosse para si não sentiria necessidade de o divulgar e publicar.
A partir do momento em que eu divulgo um texto ele já não é assim tão meu. Um leitor sempre reescreve um texto quando o lê. Existe essa ideia de que não existem leitores, mas sim um outro escritor que lê e que reescreve o que leu com a sua própria vivência. Há uma reescrita.

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Quando diz que escreve para si quer dizer o quê?
Eu escrevo, porque, primeiro, preciso de ter esse momento meu, de catarse pessoal; segundo, porque acho desafiador escrever. Existem momentos em que está tudo bem, maravilhoso, mas há o desafio de jogar com as palavras. Eu entendo que também existe esse lado de construir uma rotina de escrita e de ser desafiado pelas palavras e desafiar as palavras e os seus significados.

Tem uma rotina?
Hoje tenho. Antigamente não tinha, era tudo muito passional, caótico. Mas, buscando uma evolução no meu trabalho, tenho de ter essa rotina pois hoje eu sou escritor, é a minha profissão. As outras pessoas vão trabalhar oito horas por dia e o escritor não é diferente, tem de sentar e trabalhar.

Qual é a sua rotina de trabalho?
Acordo cedo, às 6 horas. Leio, porque é importante ler.

O que é que está a ler agora?
Um livro do Ricardo Piglia, os diários ["Anos de Formação: os Diários de Emilio Renzi"] e “A Câmara Clara” de Roland Barthes.

Eu não achava honesto fazer algo que eu não queria escrever só para agradar."

Quais são os seus escritores de referência?
Eu leio muito os argentinos, Jorge Luís Borges é um cara com quem eu gostaria de tomar uma cerveja porque ele parecia ser muito amável, e outros de que eu gosto muito mas com quem não gostaria de tomar uma cerveja, não são amáveis. (risos) Eu gosto muito de autores aqui de Portugal como Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares mas também gosto do pessoal da velha guarda, especialmente de Fernando Pessoa. Júlio Cortázar, Gabriel Garcia Marquez, Virginia Wolf, Florbela Espanca (o seu lado dramático), Ernest Hemingway são outras referências.

Quais são as vantagens de estar nas redes sociais?
Vou enumerar:
1. Ver a interação ao redor dos textos;
2- Conseguir divulgar o meu trabalho sem intermediários;
3. Através do alcance que tenho fica mais fácil viabilizar algumas parcerias (feiras, salões do livro e eventos literários) que ajudam a complementar o meu salário;
4. Vender livros, eu sou o maior vendedor do meu trabalho.

E as desvantagens?
1. Ter de produzir bastante (certos textos devem maturar);
2. Ser influenciado por temáticas que são mais certeiras e perder a alma;
3. E ter de conviver com o ódio gratuito e gente invasiva.

O facto de ter tantos seguidores que interagem consigo nas redes sociais influencia aquilo que escreve?
Sim. E isso é prejudicial. Indiretamente, em algum momento do meu percurso eu vi que estava começando a ir por esse caminho e parei. Tenho que me policiar [para não o fazer]. Se eu fosse escrever textos com os temas que têm mais curtidas [gostos] eu já estaria muito maior [com mais sucesso]. Eu sei o que funciona [nas redes sociais].

Por exemplo?
Houve uma altura em que eu peguei em algumas mulheres que passaram na minha vida, no sentido total, a minha avó, minha mãe, etc., e escrevi uns textos com os nomes delas e alguma mania que eu tinha colecionado delas, nada muito literário mas uma pequena homenagem a essas mulheres. E eu comecei a ver que isso fazia muito sucesso porque era um texto nomeado, com um nome, e por isso as pessoas gostavam… E aí eu pensei: “Pôxa se eu fizer mais coisas destas eu vou crescer muito”. Mas eu resolvi parar.

Porquê?
Porque eu não estava com vontade de o fazer. Eu não achava honesto fazer algo que eu não queria escrever só para agradar.

Outro exemplo. O “Notas Sobre Ela”, no Brasil, conta uma história através de poemas (embora eles funcionem individualmente) de uma personagem velha que passeia pela própria vida, desde a infância. Eu acabei por decidir não escrever mais sobre ela, porque está fechado e tenho que ir em frente.

Ela existe, esta mulher?
Eu conheço mas eu nunca vi. Eu imagino. Na verdade esse livro é baseado em muitas pessoas que eu conheci.

A infância é a ausência do tempo

Já pensou em escrever contos ou romances?
Gostaria muito de escrever contos. Romances ainda é um passo hercúleo para mim.

Como é que vive com esta ideia de que um post seu é capaz de ter 40 mil gostos?
É um pouco assustador. Enquanto é só um número, você se acostuma com ele. Mas se chegassem aqui [ao lançamento do livro] 200 pessoas eu já me assustaria muito.

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Escolhe temas tradicionalmente vistos como sendo mais direcionados para as mulheres como o amor, o desamor…
São temas humanos, né? Temas da humanidade, que estão aí.

Mas escolhe estes temas porque acha que as mulheres se vão identificar com eles?
Ah não, não. Escolho estes temas porque são parte da minha vida.

Só escreve sobre coisas que sente?
Geralmente sim. Agora escrevo muito sobre o tempo.

Porquê?
Porque me aflige. Começo a pensar sobre o tempo, sobre quanto tempo eu tenho. Se eu fiz as coisas que já deveria ter feito… Penso muito no tempo. Por exemplo, o que é que é a infância? A infância é a ausência do tempo. Uma criança não sabe definir o que é o tempo. Quando você se torna adulto ou velho é muito forte a ideia da finitude. Não posso dizer que não tenho medo disso, por isso escrevo.

As pessoas seguem-no porque estão sozinhas, tristes, desiludidas com os seus amores, inquietas com os seus desamores?
Em certa medida sim. Essa coisa do tempo líquido, das relações líquidas, segundo Bauman [Zygmunt Bauman, conhecido sociólogo polaco], é muito real. Penso que apesar de estarem numa rede social as pessoas estão sempre percebendo o quão artificial é este ambiente, onde todos são extremamente vitoriosos, felizes e plenos. Algumas pessoas acabam comparando a sua vida com as vidas apresentadas ali e ficam angustiadas. Os meus textos fazem uma certa oposição a essa ideia e algumas pessoas sentem algo real num ambiente que pode ser artificial. Existe muita gente em silêncio, com a aparência de estar feliz, com uma máscara e na realidade não estão.

Eu acho que acima de tudo um texto tem de ser traumático."

As pessoas procuram-no, escrevem-lhe mensagens privadas. Há alguma coisa de auto-ajuda naquilo que escreve? Quer ajudar as pessoas?
A auto-ajuda é muito desvalorizada. Eu já fui ajudado por textos literários. Por exemplo “O Velho e o Mar” ensinou-me muito a entender o meu avô. Se alguém me diz “Obrigada por esse texto de auto-ajuda”, eu não critico, eu respondo “Que bom que te ajudou”. Mas eu acho que acima de tudo, um texto tem de ser traumático.

Como assim?
No sentido de que um trauma não é algo essencialmente ruim mas que é uma experiência que não te deixa igual depois de passares por ela. Eu leio aquele texto e nunca mais sou o mesmo. Os melhores textos para mim são traumáticos. É onde eu espero que os meus textos cheguem algum dia. Estou caminhando para isso.

Ou seja, os textos mudam as pessoas.
Não necessariamente para melhor.

Isso é uma reminiscência da sua costela religiosa? O querer mudar as pessoas?
Pode ser uma herança inconsciente. Eu até brinco com o meu pai dizendo que, de certa forma me tornei um pastor porque eu escuto muita gente.

Escuta só ou dá conselhos?
Só escuto, sempre fui um bom ouvinte. A pessoa precisa de desabafar e eu escuto. Na verdade estas conversas também me são úteis, porque me poderão um dia servir de inspiração.

Alguns textos seus são conselhos.
São. Mas talvez sejam para mim mesmo. Quando se escreve sobre virtudes não é porque as tenha mas talvez porque você queira estar próximo delas. Essa coisa de amar, não adiar muito as coisas, não fazer muitos planos, são coisas que eu não faço...

Tem textos que surpreendem mas tem outros que são muito clichés. Isso não é um problema?
Não. Um cliché só é um cliché porque foi muito usado, não necessariamente porque ele é ruim. O Woody Allen faz clichés. E as histórias dele são boas. Acredito também que muitas coisas resultam de uma questão de maturidade na escrita. Há textos que eu escrevi e que hoje não escreveria.

Então porque é que os publica?
Porque pertenceram a um tempo. Não estou negando nenhum deles, todos fizeram parte dessa caminhada.

Qual foi a pior crítica que já lhe fizeram?
A crítica de um professor meu, de Literatura Comparada, que eu respeito muito, que me disse que me amava mas detestava o que eu estava fazendo na internet, que achava que eu poderia fazer mais. Foi muito duro, muito doloroso para mim porque era uma pessoa muito próxima de quem eu gostava muito. Existe muita resistência por parte dos académicos a estas publicações nas redes sociais. Este é apenas um meio novo.

A literatura ou a poesia podem passar pelas redes sociais?
Não sei se vai ser bom ou ruim na construção da literatura para a comunidade, mas penso que é uma fase. Assim como no Brasil houve a fase da literatura de mimeógrafo [a chamada geração mimeógrafo, que incluiu os poetas marginais, surgiu nos anos 70 no país para contornar a censura imposta pela ditadura militar e consistia na produção de textos que eram impressos em larga escala em stêncil, através de um mimeógrafo e depois vendidos a baixos preços nos cafés, nas universidades, nas ruas, nas praças, fora dos tradicionais circuitos editoriais. ], esta é uma outra fase. A academia não pode ficar fechada. Alguns já são mais abertos, já estão a olhar a sério para isto e para outros escritores que são muito maiores do que eu e fazem isto como a Rupi [Rupi Kaur, da India, tem dois livros traduzidos e publicados em Portugal pela Lua de Papel, “Leite e Mel” e o “Sol e as Flores”].

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Se isto é um fase, não tem medo que passe?
Tenho muito medo. (risos) Já vi muitas redes sociais começarem e terminarem. E sempre penso nisso. A minha ideia é me consolidar como escritor mesmo.

Isto seria só o começo?
Talvez seja a minha porta de entrada.

E qual foi o melhor elogio que já teve?
Que a pessoa foi tocada pelo meu texto.

Quando é que fica contente com aquilo que faz? Quando escreve ou quando tem feedback do que publicou?
É quando eu consigo ver as pessoas frente-a-frente. Estas pessoas que estão chegando aqui [à Bertrand, para o lançamento do livro] vieram por causa dos textos. Digo que é um sucesso porque você tira uma pessoa do mundo virtual para a trazer até aqui. Tirar a pessoa do virtual e trazê-la para o real, para uma livraria que é um ambiente que eu amo muito, pois sempre fui leitor e sou apaixonado pelos livros, para mim é como se fosse uma missão cumprida. Como quando ouço pessoas a dizer: “Eu não lia nada e aí comecei a ler os seus textos e agora estou lendo outros poetas que às vezes você indica, como Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade, Matilde Campilho”. E aí eu respondo: “Agora você já está com os bons, não precisa nem voltar”. Gosto de saber que o que eu escrevo é uma porta de entrada para a leitura e eu acho que é isso que faz perpetuar.

Já lhe chamaram o poeta da multidão invisível? Revê-se nisto?
Dentro de uma rede social até quando são invisíveis? Eu posso ser qualquer pessoa numa rede social.

Escrever um livro também é para uma multidão invisível…
É. A multidão é sempre multidão, não tem nome.

Na palma da mão, junto à chamada linha da vida, tatuou a palavra poesia.
Sim. Mas está num sítio difícil, a palma da mão. Tem tendência a desaparecer.