Afável e descontraído no seu sotaque nortenho (é de Guimarães), o autor que saltou das redes sociais para o sucesso das vendas em 2014, só perde o sorriso nesta conversa quando é confrontado com alguns “mitos” que giram em torno do seu trabalho. Mas, na verdade, está-se “nas tintas” para os críticos.
Com meio milhão de livros vendidos, sendo, segundo a sua editora, a Desrotina (chancela da Cultura Editora), um dos escritores mais vendidos em Itália e no Brasil, com os livros traduzidos em várias línguas e a ser vendidos em cerca de 20 países, Pedro Chagas Freitas está também no mercado anglosaxónico. “Prometo Falhar” está publicado nos Estados Unidos e no Reino Unido. Aqui, a crítica de que o que Pedro Chagas Freitas escreve não passa de uma coleção de clichés perde sentido. “A editora inglesa disse que o livro era demasiado literário” contou João Gonçalves, o seu editor, no final desta entrevista.
O seu título de maior sucesso é o “Prometo Falhar”, com 500 mil exemplares vendidos, sendo que 200 mil o foram em Itália, e no entanto já escreveu 150 livros (deve ser o único autor português que aos 38 anos já escreveu tanto).
Não sei se são 150, são muitos os que já tenho para lá em casa.
Em 2015 eram 150.
Agora são bastantes mais, continuo a escrever todos os dias. Escrevo mais do que o que publico.
Qual é o seu livro preferido dos que escreveu?
Depende do dia. Há dias em que acordo apaixonado por um e no dia seguinte já não gosto. Não consigo escolher um. Uma coisa é clara. Tudo o que está lá, era o que naquele momento me era pedido por aquela personagem, foi o que eu senti, seja o [livro] mais triste, o mais alegre, o mais humorista, o mais dramático. Não faz sentido agora, dez anos depois de ter escrito o “Mata-me”, por exemplo, dizer “ah devia ter escrito desta ou daquela maneira”, naquela altura, aquilo fez sentido.
Há escritores que não se reveem no que escreveram quando tinham 20 anos, por exemplo.
Eu se pudesse apagava tudo e começava de novo, todos. Sinto sempre que falta qualquer coisa, que poderia ter feito mais, melhor, é por isso que escrevo outros, senão não escrevia mais nenhum.
Mesmo assim está disposto a publicá-los como estão…
Sim, até porque há alguns textos que nós achamos que são pouco interessantes [e depois há alguém que diz] “eh pá aquele texto que o Pedro escreveu mudou a minha vida, fez-me pensar, foi um texto fantástico” e eu a pensar para mim "eh pá eu estive quase a apagar esse texto, não tinha qualquer interesse especial, e no entanto para esta pessoa este texto foi o que fez a diferença”. Isto já me aconteceu muitas vezes. Nós nunca sabemos o que é que o outro lado vai tirar do nosso livro. E isso é o fascínio disto.
Escrevo sempre o que me apetece
Foi o que aconteceu com o “Prometo Falhar” que pensavam que não ia resultar?
Sim, porque não há história, não há memória de um livro deste género — que não tem princípio meio e fim clássico, é um livro feito de flashs, de pequenos momentos —, ter sucesso de vendas.
Mas foi o que teve mais sucesso.
Em termos de vendas.
Mede o sucesso de outra maneira?
Há muitas maneiras, essa é uma delas. Mas sim, o número é objetivo, está lá.
Por isso é que repetiu a fórmula?
A minha ideia não era criar a linha “Prometo”, mas a partir do momento em que tinha pequenos textos que são criados muitas vezes com sequência de personagens, em que pego nelas e as ponho em diversos locais, resolvemos criar uma coerência. E ligar estes catálogos de pessoas e de histórias de alguma forma e foi aí que surgiu a ideia de criarmos esta linha.
O "Prometo Amar" não tem um fio condutor narrativo.
A ideia é precisamente essa. No Brasil é visto como um livro de crónicas, em Itália como um romance. Isso mostra que o leitor ao ler o livro, neste caso a Dulce, vai tirar qualquer coisa que o Pedro, o Manuel, o José não vão tirar.
É esse o objetivo? Fazer um livro em que cada pessoa construa o seu próprio livro?
Com os “Prometo” é. É um puzzle em que a própria pessoa vai definir que imagem vai criar. Como se tivéssemos milhões de peças que depois de as juntar cada uma cria uma imagem diferente com aquelas mesmas peças. Mas tenho outros livros com princípio, meio e fim.
Isso pode ser entendido como um catálogo de textos que escreveu quando e como lhe apeteceu e depois resolveu juntar tudo.
Mas é um catálogo de textos que escrevi quanto me apeteceu. O que eu escrevo é sempre o que me apetece, nunca escrevi nada porque alguém me disse “eh pá escreve sobre isto ou aquilo”. Se [esses textos] estão ligados ou não, depende do leitor, até pode ler de forma fragmentada. Pergunto sempre aos meus leitores quando estou nas sessões: “Como é que leu o livro? Do princípio ao fim? Conseguiu encontrar uma coerência? Uma ligação? E elas dizem que sim, até há pessoas que ligam livros, que uma das personagens do “Prometo Falhar” é uma das personagens do “A Repartição”(2017) …
E é?
Não, nunca me tinha passado pela cabeça. Mas de facto, na minha cabeça se calhar aquilo foi construído assim, aquela personagem que fala na primeira pessoa no “Prometo Falhar” é uma das personagens da “Repartição".
A sua ligação é feita a posteriori e não a priori? Ou seja, não pensa antes nas personagens e no percurso que elas vão ter, não é nada disso, escreve o que lhe apetece e depois olha para aquilo e...
Faço o meu puzzle. E às vezes construo, quando falta uma peça ou outra eu vou lá colocá-la.
Mas às vezes escreve sem personagens, há aqui partes em que elas não existem, como os diários.
Sim, decretos e listas e o o diário humano, por exemplo, que pode ser qualquer um dos humanos. A minha ideia é: criar uma teia, no fundo, e essa teia pode ou não ser construída de uma forma coerente pelas pessoas. Eu não quero decretar, eu não quero dizer leiam assim, por isso é que isso não diz romance, não diz nada. Eu não quero definir como é que as pessoas podem ler os meus livros. Podem ler ao contrário, começar no último texto e ler depois o primeiro. O que me fascina é que cada leitor encontre o seu caminho.
Naquele caos?
Pode achar que é um caos, outros vão achar que sim ou que não. Houve uma leitora em Itália que me fez uma ligação mais bem feita do que a que eu fiz do “Prometo Falhar”.
Esta também é a maneira mais fácil de não ter que se definir.
No caso dos “Prometo” a ideia é essa, porque eu nos outros tenho tudo “normal”, princípio meio e fim, tem personagens, está tudo organizadinho, portanto quem quiser ler um livro meu com princípio meio e fim normal também os tem.
Escrever não passa de pensar
Mas são estes livros do “Prometo” os que até agora tiveram sucesso de vendas, não os outros.
Sim, sim sim.
Por isso, esta fórmula funciona. Escreve por isso, ou porque acredita nela como escritor?
Eu escrevo porque uma das coisas que mais gozo me dão fazer em termos de escrita é criar flashs. Desde que comecei a escrever que me viciei em pequenos textos, em pequenas histórias, em pequenas pedaços de olhar e a ideia dos “Prometo” permite-me ter essa abordagem, conseguir uma linha para algo que à partida estaria desconexo. Aqui estou a escrever um texto, ali vou escrever outro completamente diferente…
Portanto não é um escritor que sofre, ao escrever? Há escritores que dizem que o processo é dorido.
Não entro nesse coro.
Escreve porquê?
Porque tenho essa necessidade. Desde sempre. Sempre escrevi. Não sei o que vou fazer na minha vida, profissionalmente, já fiz muitas coisas, mas vou escrever sempre. Depois se é lido por cinco ou por cinco milhões já não é algo que me preocupe.
Mas escreve para ser lido, certo?
Eu tenho necessidade de escrever, e depois tenho necessidade de ser lido, evidentemente.
A necessidade de escrever nasceu quando?
Desde que comecei a juntar as letras, comecei a ter textos.
Aos seis, sete, anos?
Sim. Eu com oito anos meti na cabeça que ia escrever um livro. Pensei que era fácil. Escrevi a história direitinho mas tinha um problema, tinha uma pagina e meia só. Então percebi que a coisa não era assim tão fácil.
De onde é que lhe vem essa necessidade?
Em minha casa sempre se estimulou o gosto pelas artes. A literatura foi uma dessas artes. No fundo os meus pais sempre me quiseram passar a importância de pensar pela minha cabeça. Espero que tenham conseguido.
Algum professor o influenciou?
Para a escrita, não. Mas alguns ajudaram-me a ter a capacidade de pensar pela minha cabeça. E escrever é pensar. Escrever não passa disso. E eu sempre fui e sou viciado em pensar pela minha cabeça, nunca fui de seguir o que os outros me diziam. E escrever permite-me isso, dá-me a liberdade de pensar pela minha cabeça, imaginar as minhas histórias e criar as minhas loucuras.
Quando decidiu que queria ser escritor?
Eu não decidi que queria ser escritor, ainda hoje não sou.
Porque é que insiste em dizer que não é escritor?
Mas não sou.
Então é o quê? "Um gajo que escreve cenas” como põe nas badanas dos seus livros e gosta de dizer, não é definição.
É a minha definição, não vejo outra.
Porque é que o incomoda a palavra escritor?
Não me incomoda nada, só acho que não é verdadeiro, não é isso que eu sou…
Então é o quê?
Sou uma pessoa que escreve.
E o que é um escritor?
É aquela pessoa iluminada, que escreve coisas fantásticas, que depois vão ficar na história.
As suas coisas não são iluminadas? Nem fantásticas?
Não.
Então como é que explica que vendam tanto?
A questão das vendas é apenas uma das partes do trabalho. O que me interessa, antes de mais, é escrever. E depois, quero ser lido. O meu trabalho é precisamente esse, inventar, coisas. O que me dá gozo é isso. Inventar coisas que depois as pessoas vão ler e ter a reação dos outros é uma coisa interessante porque nos permite ver como é que uma coisa que para nós tem um sentido pode ter outro completamente diferente para outra pessoa.
Não tenho dom nenhum, treinei muito, escrevi muito
Isso eu já percebi, é uma linha chave do seu pensamento. O livro ser-lhe devolvido pelos leitores e seguir vários percursos diferentes. Mas esta ideia de não se assumir como escritor parece um bocadinho blasé.
É o contrário do blasé! Não. Nem é falsa modéstia, não é nada disso.
Mas tem medo do peso da palavra escritor? Medo que lhe exijam mais do que aquilo que faz se se intitulasse escritor?
Não é uma questão de mim para os outros, é de mim para mim. Vejo-me como alguém que gosta de inventar coisas e histórias também e escrevo-as… A definição de escritor é muito relativa, o que é que é um escritor?
Essa foi a pergunta que eu lhe fiz.
Se um escritor é alguém que escreve livros, eu sou um escritor, escrevo livros. Mas aquela definição clássica do escritor como uma figura cinzentona, um misantropo, fechado no seu canto, essa ideia clássica é o contrário do que eu sou, eu não sou misantropo, gosto de estar no mundo, de estar com pessoas, de falar, de me divertir, de dançar, de cantar…
Essa é uma definição de escritor, que aliás, não sei onde foi buscar.
É a definição clássica.
Não há essa definição clássica, quando muito pode haver essa percepção por parte de algumas pessoas. Olhemos para o Ernest Hemingway, por exemplo, o primeiro nome que me veio à cabeça. É misantropo?
Mas é um iluminado, tinha qualquer coisa, tinha um dom qualquer… e eu não me vejo como iluminado, sou uma pessoa exactamente igual às outras.
Sem nenhum dom?
Não tenho dom nenhum, treinei muito, escrevi muito.
Nem o dom de escrever livros que vendem meio milhão de exemplares?
Eu tenho a capacidade de escrever e isso depende de mim, isso eu faço. E qualquer um que saiba juntar letras, consegue escrever livros nesse sentido, consegue contar histórias.
Se fosse assim não eram precisas as suas aulas e workshops de escrita criativa, é porque tem alguma coisa para ensinar.
A questão não é ensinar, a questão é treinar. Se eu tiver um dom, e não o treinar, ele não serve para nada.
Então afinal todos temos o dom de escrever e se frequentarmos os seus workshops passamos a saber escrever?
Não, não, espero que já saibam antes. O workshop é como ir ao treino, é uma questão de treino. O jogador antes de ir ao treino também sabe jogar futebol, o músico sabe as notas, porque é que se treina? Porque treinando se consegue ir mais longe.
Não se quer assumir como escritor no modelo clássico que tem na cabeça, e no entanto chama obras a cada um dos seus livros. Há aqui pesos diferentes não é?
Não percebo a pergunta.
Quando nos referimos à obra de um escritor, referimo-nos aos vários livros dele, ao conjunto do seu trabalho. Ao se referir a cada livro seu como uma obra, dá-lhe todo um peso que não tem muito a ver com quem não se intitula escritor…
Mas uma obra é sempre. Se pintar a minha casa estou a fazer uma obra. Eu digo que é uma obra porque eu tive de trabalhar para a fazer, sempre que eu trabalho o resultado é uma obra, seja um quadro, uma música.
Incomoda-o que lhe chamam escritor, mas...
Não me incomoda nada.
Não gosta.
Não gosto nem desgosto, chamam-me muitas vezes escritor. Eu é que se tiver que me definir, não é isso que vou dizer.
Quando foi barman, jogador de futebol, porteiro de uma discoteca, jornalista, operário fabril, não dizia sou um tipo que dá uns toques numa bola, faço uns cocktails, faço sapatos…
Se calhar dizia, jogar à bola não é o mesmo que ser jogador de futebol. Eu dizia que era um tipo que fazia muitas coisas, numa fábrica de calçado faz-se muita coisa diferente, meti cordões nos sapatos, limpei as solas…
Não gosta de dizer que é um escritor mas não se importa de dizer que é uma marca?
Marca no sentido de que sou uma figura que as pessoas que me conhecem, reconhecem-me. Isto é, quando penso numa marca, numa pessoa, uma figura que eu conheço, é uma marca.
Uma marca que construiu?
Não construí nada. Essa ideia está enraizada e não percebo de onde veio. O que eu fiz foi muito simples. Não fiz nada que outras pessoas não tenham feito, não fiz nada de especial. Simplesmente, quando chegaram os blogues e as redes sociais, eu, em vez de manter os meus textos fechados a sete chaves dentro do livro, mostrei-os às pessoas. Comecei a pôr pedaços dos meus livros no meu blogue e depois no Facebook. É o que faz um cineasta, um músico… Fiz isso com o intuito de ser lido, não é nada de extraordinário, não vejo que tenha criado uma marca de uma forma diferente das que são criadas de todas as figuras públicas, das artes, da ciência, de qualquer área.
Ou seja, pensa em marca como notoriedade pública apenas e não com o seu pendor comercial.
Quando digo marca é isso, quando uma pessoa vê uma marca ou o nome de uma pessoa e lhe reconhece determinadas características. É só isso que eu digo enquanto marca. Depois se vende muito ou pouco é outra coisa, há marcas que não vendem e nem por isso deixam de ser marcas.
Eu fui pescando os meus leitores
O Pedro quer ser “vendido”, digamos assim, certo?
Eu quero ser muito lido e ser “muito vendido”, sem dúvida nenhuma.
Com o mundo online, são duas coisas diferentes, pois para ser lido...
Completamente diferentes. Eu para ser lido não precisava de ter livros, sequer. Neste momento se não lançasse mais nenhum livro já era lido...
…pelo menos por mais de um milhão de pessoas, ou mais precisamente por 1,329. 939, o número de seus seguidores no Facebook (onde 1.343.822 pessoas dizem gostar de si) e sem contar com o Instagram. Ou seja com mais de um milhão e 400 mil pessoas a lerem-no nas redes sociais, não precisava dos livros para ser lido, mas precisa deles para “ser vendido”, para viver disto.
O formato do livro sempre me fascinou, sempre que puder ter os meus textos em formato de livro, prefiro. A magia do livro, o objecto livro tem tem uma força que um site não tem. Eu não quero viver disto. Nunca quis viver dos livros que vendia, aliás até tinha prejuízo, que era eu que os pagava.
Agora não. Está rico?
(risos). Gostava muito. Não, não se fica rico assim. Se alguém está a pensar em ficar rico a escrever livros, não é por aí.
Mesmo sendo um dos autores que mais vende em Portugal, Itália e Brasil, segundo a sua editora.
Estamos aqui a focar-nos nos livros que vendem muito mas eu também tenho livros que venderam pouco. E eu vou sempre escrever livros que podem vender muito ou podem vender pouco.
É muitas vezes apresentado como um case study, um fenómeno no mundo dos livros.
(risos) Essa abordagem que fazem de mim é sempre igual, a ideia de que eu fiz qualquer coisa em termos de marketing, eu não fiz nada de especial. Sei que custa às pessoas perceberem como é que uma criatura de Guimarães que ninguém conhecia, aparece assim. Isso faz-lhes confusão. Mas o que eu fiz qualquer um poderia ter feito se se tivesse dado ao trabalho de o fazer, é muito mais fácil poder estar na praia a apanhar sol mas eu não, estava a escrever em primeira instância e depois estava a alimentar o blogue e depois a alimentar o FB e todos os dias eu fui assim pescando os meus leitores. Se é um case study de trabalho, de capacidade de trabalho, isso sim, sem dúvida nenhuma. Não é sorte, dizem teve sorte, sorte o caraças!, não tive sorte nenhuma. Se tivesse sorte tinha lançado o primeiro livro e no dia seguinte tinha vendido um milhão de livros, não tive sorte nenhuma. Não tive sorte, não fiz nada de marketing especial, fiz o que toda a gente faz, só que dei-me ao trabalho de o fazer. Já vi pessoas que tiveram uma ideia fantástica, colocaram-na em prática um, dois, três dias, e desistiram. Mas eu fiz aquilo durante 365 dias por ano durante nove anos até chegar ao “Prometo Falhar”.
Apostou no online, primeiro nos blogues e depois nas redes sociais e...
Eu não apostei, a mudança [no mundo do online] obrigou-me a fazer isso. Eu já tinha livros e percebi que se queria ter leitores tinha que ir à procura deles. Criei o blogue (e nem fui o primeiro). Só me limitei a ser capaz de alimentar o blog todos os dias e depois o FB todos os dias, com textos, mais nada.
Assim, criou uma comunidade vastíssima de leitores, satisfez a sua necessidade de ser lido. Depois há uma editora que se interessa por si, a Chiado. Como é que passa do online para o papel?
Quando criei o blogue já tinha o livro lançado, crio-o na resposta à quase ausência de leitores do primeiro livro, o “Mata-me”.
Tinha 4 pessoas na apresentação do "Mata-me", em 2005, e duas delas eram os seus pais.
Sim. E agora tenho as salas cheias e duas das pessoas continuam a ser os meus pais. Criei o blogue, alimentei-o e enquanto isso fui publicando sempre outros livros, por diversas editoras.
As editoras interessam-se por si a partir do Facebook?
Aí ainda nenhuma editora se interessa por mim, a Chiado fui eu que a fui procurar e lancei o “Eu Sou Deus", e depois em 2014 a Marcador contacta-me e aí sim surgiu a explosão [de vendas], com um trabalho de divulgação e distribuição fantástico.
Nasceram escritores por me lerem
Na sua opinião, a que é que se deve o seu sucesso de vendas?
Há muitos sucessos. O Lou Reed dizia que media o sucesso de um concerto pelo número de bandas que nasciam durante esse concerto. E aí eu sinto que sou muito, muito, muito bem sucedido, a quantidade de pessoas que todos os dias me dizem “comecei a escrever desde que li um livro teu” é fantástico.
Que escritores é que nasceram de ler os seus livros?
Muitos, muitos. Se calhar não os conhece.
Algum publicou algum livro?
Muitos. Muitos.
Diga-me o nome de alguns.
Maria João Resende, Celina Lopes… Não me interessa se eles publicam ou não, essa é outra questão. Interessa-me perceber que as pessoas ao lerem alguma coisa que eu escrevo sentem também necessidade de escrever, isso é fantástico.
Mas não basta escrever, como se viu pelo seu caso.
Como autor, interessa-me que elas sintam vontade de escrever também, depois o que fazem com isso já é algo que me ultrapassa.
E outro tipo de sucesso?
Esse e o das vendas, são mensuráveis. O número de pessoas que todos os dias me contacta a dizer que vai escrever e as vendas. O meu primeiro e grande sucesso é conseguir escrever. Ainda agora estou de volta de uma ideia e estou-me a sentir nervoso e ansioso porque quero colocá-la em prática e não sei se sou capaz. Se calhar é o sucesso mais difícil mas depende só de mim. Os outros, as pessoas gostarem ou não. já não depende de mim.
Repito: na sua opinião a que se deve este seu sucesso?
[Resulta] primeiro do meu trabalho diário, todos os dias a pescar leitores desde 2005, (parece aquele anúncio da Gallo todos os dias a cantar desde [1909]), estive a semear leitores desde 2005, esse é um dos trabalhos. Depois é o que faltava: já tinha 100 mil pessoas a lerem-me, faltava as elas irem às livrarias e saberem que os livros estavam lá e faltava um trabalho de divulgação fora do online e esse trabalho surgiu em 2014 com a Marcador. O número de leitores que eu já tinha online e o trabalho de divulgação e de distribuição, asseguraram o sucesso.
Há aí mais qualquer coisa, não?
(Risos) Há-de haver, há-de haver, eu é que não sei.
Porque, repare, em 2005 começou a pescar leitores. Publicou em 2006 “O Evangelho da Alucinação”; em 2007 “Já Alguma Vez Usaste o Sexo sem Necessitares de Usar o Corpo” e “A Guerra da Secessão”; em 2008 “Os dias na Noite”; em 2010 publicou dez livros; em 2012 e em 2014 "In Sexus Veritas". E só em 2014 é que..
Porque aí tive uma editora que trabalhou, o que faz a diferença aqui é a editora
Mas a editora já existia. Com a Marcador, volta a publicar em 2016 o “In Sexus Veritas”, o “Eu Sou Deus”, ou “Ou é Tudo ou Não Vale Nada”, por exemplo, e nenhum deles vendeu como o “Prometo Falhar”. Ou seja, o sucesso não tem também a ver com o género do livro que passou a escrever na linha “Prometo”?
Não, não tem a ver com o livro. Naquele momento as pessoas que me seguiam há algum tempo estavam à procura dos meus livros, o "Eu Sou Deus" e etc. e não os encontravam.
Mas não foram esses que venderam. E se era assim porque não os reeditava apenas, já que a procura estava assegurada?
Se eu tinha um novo porque é que ia reeditar? Tinha acabado de escrever o “Prometo Falhar “e foi por isso que decidimos publicá-lo.
Então atribui a razão de ser do sucesso à existência de leitores e ao trabalho de divulgação e distribuição da editora. E o próprio mérito do livro?
Está no facto de eu ter leitores. O que me traz os leitores é o que eu escrevo.
Não terá antes a ver com a sua mudança de registo? Há aqui um ponto de viragem. O “Mata-me” e outros não têm nada a ver com os livros da série "Prometo".
Têm, têm. Esse aliás é outro mito que anda por aí. Eu vou tentar desmontá-lo. O prefácio do “Eu Sou Deus”, por exemplo, que é bastante anterior ao “Prometo Falhar” diz “Este é um livro de amor". Portanto a ideia de que eu antes do “Prometo Falhar” não escrevia algo sobre amor, não sei de onde surgiu.
Não é o tema. É o tom, o registo, o género, que é diferente.
E ainda bem. Se ler “A Repartição”, que tem poucos meses, também o tom é completamente diferente. E foi escrito agora.
E não vendeu como venderam os outros (é de Outubro e vendeu 3000 exemplares)…
Exatamente por isso é que eu digo que escrevo o que me apetece e se depois vai vender muito ou pouco já não é algo que me preocupa. Se eu estivesse só preocupado em vender, eu não tinha lançado “A Repartição” nem tinha escrito nenhum dos outros. Tinha escrito todos iguais porque sabia que aquela receita funcionava. Sendo que o “Prometo Falhar” não teve receita nenhuma.
O "Mata-me" é o meu livro mais ternurento
A verdade é que o tom dos seus textos publicados na sua página do Facebook é muito cutchi-cutchi, muito delicodoce, muita na linha dos “Prometo”. E o “Mata-me”, o “Pele do Medo”, o “Envelhenescer”, o “Eu Sou Deus” ou o “In Sexus Veritas” têm frases nada delicodoces, pelo contrário. Por exemplo, no “Mata-me” o narrador diz: “Não seguro o que o meu corpo produz. Não me seguro. Estou coberto de merda”. Na “Pele do Medo” há mulheres que tomam banho em urina, “um velho e uma gaja que são violados por dois polícias”. No "In Sexus Veritas”
Mas onde é que foi buscar isso, onde é que foi buscar isso?
Aos seus livros.
Leu os livros?
Li excertos e uma crítica. O “In Sexus Veritas” tem frases como “Nenhum pobre consegue ser púdico. É mais ordinária uma mão estendida que um bobó”. No “Eu Sou Deus”, podemos ler “Quero ser o chão que pisas, a cama em que te deitas, o papel higiénico que te limpa o rabinho”. Não vi nenhuma destas frases hoje na sua página do Facebook. Mesmo sabendo que são ditas por personagens de ficção.
Leu os livros?
Li o “Prometo Amar”. Em alguns dos outros passei-lhes os olhos.
Ah. Eu, se passar os olhos em qualquer livro, vou encontrar isso. Nesses mesmos livros onde tem esses fragmentos, que podem ser mais...
Escatológicos...
...mais escatológicos, mais duros, mais violentos, mais agressivos, se eu quiser encontro [passagens] mais delicadas, mais doces, mais bonitas.
No seu Facebook, ao alimentar a sua comunidade de leitores, nunca partilha este tipo de passagens, só as muito bonitinhas e facilmente citáveis…
No Facebook partilho pedaços das minhas obras mais recentes, se for ao meu Facebook de 2013 vai encontrar lá isso, e pior ainda.
Não encontrei.
Está desatenta, já coloquei pior do que essas que citou. Eu tenho uma obra que é “A Bíblia dos Culpados” que tem coisas muito piores do que essas e recentemente esteve no Facebook e no Instagram. Vou dizer outra vez: o que me interessa é que as minhas obras sejam aquilo que me interessa dizer naquele momento. Depois [se] tem partes mais negras, mais cor-de-rosa, mais emocionais, mais duras, mais racionais... Mas eu estou-me nas tintas, literalmente, para uma abordagem que consiste em pegar em fragmentos e tirá-los do resto. Posso pegar em qualquer livro, tirar um fragmento e dizer “isto é uma porcaria, isto é péssimo, isto é ridículo”. É fácil, qualquer livro permite isso. Interessa-me escrever uma obra e essa obra ter capacidade para viver por si. E ela vive por si. Eu consigo ridicularizar qualquer livro, qualquer um, pode ser o melhor livro do mundo. Pego em duas ou três frases, tiro-as do contexto e aquilo é ridículo.
Eu não estou a ridicularizar os seus livros. Mas a dizer que no Facebook, o sítio onde pesca os seus leitores, não publica as passagens mais escatológicas ou violentas dos seus livros.
O que eu estou a dizer é que essa abordagem é superficial. Pegar em excertos é superficial.
Repito. Não estou a tentar fazer qualquer abordagem aos seus livros e a usar excertos para isso. Apenas a tentar perceber porque é que não publica estas partes menos agradáveis no seu Facebook…
Se ler o “Mata-me”, apesar de ser um livro extremamente violento, muito violento mesmo, [verá que] é um livro cheio de ternura. Acho que é o meu livro mais ternurento de todos.
Então porque é que...
E a mim o que me custa é isso, é essa abordagem em que há um velhote que não consegue segurar o que produz e isto é uma coisa triste, claro que é. Mas nós nas coisas tristes encontramos ternura, encontramos amor. E portanto todos os meus livros são livros de amor nesse sentido. Ora se eu pegar em pedaços de qualquer livro é ridículo…
O que eu estou a tentar perceber é: primeiro, porque é que estes livros mais duros como o “Mata-me” não foram um sucesso.
Porque não estava em lado nenhum…
E, segundo, perceber porque é que...
E eu estou a dizer que é possível pegar em pedaços de qualquer livro e ridicularizar [tal como é possível] pegar em pedaços de entrevistas e ridicularizar.
De acordo. Mas insisto, uma das razões do seu sucesso é este de dizer aquilo em que as pessoas se revêem de uma maneira suave?
Não tem suavidade. Mas mesmo este livro...
Sim, vamos pegar neste novo livro em que...
…onde há pedaços que não são nada suaves…
Exato. Era isso que eu lhe queria perguntar. Eu li as 306 páginas deste livro. E tem mini-contos muito duros (nenhum com a linguagem dos que eu citei), como o do bébé que está a mamar na mãe quando esta morre atingida por um raio ou a menina com cancro que usa uma peruca cor-de-rosa, o seu último capítulo. E, no entanto, nos vários posts que fez sobre este livro nada deixa transparecer que há histórias terríveis…
Não tive tempo ainda de colocar. Mas coloquei esse do raio.
Olhe que eu pesquisei e não encontrei…Mas adiante. O que eu quero dizer é que as partes mais negras são agora escritas de uma maneira mais suave.
É que eu sou outra pessoa também.
Ah, então mudou.
Mas eu estou a dizer isto desde o começo desta entrevista. Naquele momento o “Mata-me” fez sentido. Não vou dizer eu não devia ter escrito porque naquele momento era aquele livro que eu tinha que escrever. Se naquela altura eu quisesse escrever este não ia conseguir porque eu era outra pessoa.
Qualquer que for o autor de romances tem mais leitoras do que leitores
Disse numa entrevista que não mudou entre o “Mata-me” e o "Prometo Falhar". Mas também já disse o contrário. Em que ficamos?
Se calhar sou uma pessoa incoerente e [isso] também é humano. Não vejo mal nenhum nisso. As pessoas têm a mania de ser coerentes mas eu acho que a coerência é tudo menos humana. Eu hoje posso amar este mar e amanhã dizer que este mar é horrível.
Mudou ou não o seu registo de escrita, por achar que este vende mais( o que é humano também) e porque eventualmente tem mais a ver com o público feminino?
Não tem nada a ver com o público feminino. Lá está, é [outra vez] aquilo das receitas, “eu vou escrever isto sobre amor porque o público feminino vai gostar”. O tal livro da “Bíblia dos Culpados” que não é livro ainda, tenho uma página no Facebook que é a “Bíblia dos Culpados, 666” é humor negro, é terrível mesmo, é sádico.
666, o número do diabo, é aquele seu projeto de escrever 666 capítulos com 6 palavras?
Sim, é uma obra dos diabos, nesse sentido. Eu, ali, ponho pedaços horríveis que se eu fosse por esse caminho que está a dizer de público feminino [não poria]. E 80 por cento dos seguidores daquela página são mulheres. Temos a mania de criar etiquetas, “eh pá vou escrever sobre amor porque as mulheres vão gostar”, e não é isso.
Escreve para mulheres?
Eu escrevo para mim, em primeira instância. Escrevo o que me apetece. Depois se vai ser lido por mulheres ou homens já me foge da mão. Quando estou a escrever não penso “ah eu vou escrever isto porque as mulheres de 50 anos vão ler”, nem me passa tal coisa pela cabeça.
Mas é indiscutível que o seu público é muito feminino.
O meu e o da esmagadora maioria dos autores de romances. Qualquer que for o autor de romances tem mais leitoras do que leitores.
Então, resumindo, está-me a dizer que mesmo que escreva um romance mais negro, vai ter o mesmo sucesso que os “Prometo”?
Não, eu disse o contrário. Eu estou a dizer que vou escrever sempre o que me apetece e depois logo se vê se vai ter 5 leitores ou 5 milhões. O que preside ao meu processo de escrita nunca é isso porque senão escrevia sempre a mesma coisa.
Este “Prometo Amar” é a mesma lógica do “Prometo Falhar”, seu best-seller. Está a seguir uma linha.
Estou a seguir uma linha. Com os “Prometo” quero criar um puzzle de pessoas, situações, sensações, abordagens emocionais e racionais, o que quer que seja.
E faz isso apenas porque quer e não porque vende?
Não é porque vende. Não faço ideia se o “Prometo Amar” vai vender mais do que se for outro livro lançado na mesma altura. Eu hei-de fazer sempre este trabalho, é um trabalho que me dá gozo.
É o escritor do amor?
Não consigo responder. Sou escritor do que me apetece. Isso já não sou eu quem define. Eu sei que se passearmos pelas redes sociais, [vamos encontrar] o meu nome nisso [trechos sobre o amor]. A maioria dos textos que partilham é disso. Mas não é algo que eu possa controlar. E se eu ler só esses pedacinhos que passam no Facebook vou ficar a pensar este “gajo escreve isto”.
No “Prometo Amar” parece que está à procura de frases facilmente citáveis.
Outro mito (hoje é o dia [deles]), este de que eu escrevo frases citáveis para as pessoas as partilharem e porem no FB. Em 2006, com o “Evangelho da Alucinação”, eu não tinha redes sociais, e já tinha no meu blogue estas frases. Aliás o Paulo Polzonoff Júnior que faz o prefácio, já dizia lá isso, que o grande fascínio deste livro é o poder de síntese. Eu sou fascinado pelo poder de síntese, por poder dizer o que eu quero em poucas palavras. Não as estou a escrever para elas serem citáveis, depois se são ou não, já me ultrapassa, não sou eu que vou definir.
Eu não tenho que estar aqui a defender-me. Já estou aqui a perder tempo de mais
Conhece certamente as críticas que lhe fazem e que não têm nada a ver com o poder de síntese.
Não, só [sei] o que alguém de vez em quando aparece a dizer “incrível, olha que disseram isto ou aquilo.” Eu não perco um segundo da minha vida a ler o que quer que seja que digam sobre mim.
Mas sabem o que dizem não sabe?
Não sei, não sei.
Que faz catálogos de clichés, coleções de frases facilmente citáveis, etc., isto não o incomoda?
Não, o que me incomoda é a preguiça das pessoas. Primeiro não leram, e mesmo que não leiam dizer que é um catálogo de clichés uma obra como o “In Sexus Veritas”, “A Repartição”, “A Pele do Medo” ou o “Mata-me” é que é um cliché. Outra é dizerem que eu só escrevo lamechices. Quais lamechices? O “Mata-me”, o “In Seus Veritas”, “A Repartição” são tudo menos lamechices.
A verdade, insisto, é que não são esses os livros que vendem, são os outros.
O problema é que as pessoas que dizem isto não são as pessoas que lêem os livros. As que leram “Prometo Amar”, “Prometo Falhar”, “Prometo Perder”, nunca disseram que era um livro cor-de-rosa ou de clichés. Não é. É um livro de fragmentos, como o Mário Augusto dizia agora, é um livro de curtas-metragens, que podem juntar-se e criar uma longa metragem.
Então diga-me se isto não são clichés. Estão no “Prometo Amar”: “O importante da vida é estar vivo”, “Procura o que queres encontrar”, “Não queiras viver os sonhos dos outros”…
Vê? Já está a ir buscar fragmentos. Experimente ler o texto todo e essa força que está aí já não é a mesma. Pode ser uma personagem a dizer isso. Se puser uma personagem a dizer “ai que calor que está” vai escrever o Pedro Chagas Freitas diz “ai que calor que está. Isto é um cliché”. Dentro daquele contexto daquela personagem já não é um cliché dizer aquilo, naquele momento vale aquela palavra. Por isso é que é leviano (eu não consigo fazer isso) pegar num livro e riscar quatro ou cinco frases e citá-las. Isso é um absurdo, o livro é um todo, ele não é uma frase. Da mesma maneira que é injusto dizer que o livro é bom por causa de uma frase, também é injusto dizer que ele é mau por causa de uma frase, ou dez ou trinta.
São mais.
Mas se encontrar 100 também é injusto. O que conta é o todo. Eu não tenho que estar aqui a defender-me. Já estou aqui a perder tempo de mais com coisas que para mim não são relevantes.
Espero bem que a crítica literária continue a ignorar-me
É um dos autores portugueses que mais vende. No entanto, a crítica literária ignora-o.
E espero bem que continue a ignorar-me.
Porquê?
Porque é sinal de que estou a fazer bem as coisas.
Porque os críticos só não falam daquilo que é bom?
Não, o que eu estou a dizer é que enquanto fizer o que me apetece não me interessa, é-me indiferente a pessoa A ou B ou C gostar ou não. A partir do momento em que tenho a liberdade de escrever o que eu quero, eu estou bem. Depois logo se vê se a crítica vai gostar, se os leitores vão gostar.
A crítica não o incomoda?
Preferia que toda a gente gostasse, evidentemente, sou humano. Não sou robô. Mas isso não existe. A partir do momento em que estou exposto, em que tenho tanta visibilidade e os meus livros chegam a muitas pessoas, é evidente que muitas pessoas não vão gostar, faz parte.
Há um ou dois momentos no livro em que parece criticar a crítica. Uma das suas personagens diz “O herói faz, o palerma critica. Se nunca foste criticado nunca foste amado” e “Sou um crítico profissional, nunca criei nada”.
Isso é uma personagem a falar.
Mas os escritores também falam através das suas personagens.
Isso é outro equívoco. Confunde-se o autor com o narrador. Se tiver uma personagem a dizer que “matar é fantástico” também não vai dizer que o Pedro mata pessoas, não é?
Mas qual é o problema de criticar os críticos? Parece que tem medo de melindrar quem quer que seja.
Eu quero estar na minha vida, no meu cantinho muito descansadinho com o meu Benjamim, o resto é absolutamente secundário.
Não o incomoda não ter ganho um prémio literário?
Ganhei um. A bolsa dos jovens criadores em 2006. Eu não escrevo para ganhar prémios literários, para ter aclamação da crítica, eu escrevo o que me apetece e quero ter leitores, se tiver leitores estou feliz. Estou-me nas tintas para prémios literários, não me interessam.
É licenciado em linguística, é um leitor atento. E o que é que acha, o que faz é literatura, ou não?
Isso dava para um debate, tínhamos que chamar 400 pessoas.
Quero apenas a sua opinião.
O que eu faço mexe com as pessoas, isso é indiscutível. Se literatura é a capacidade de com as letras mexer com as pessoas, então o que eu faço é literatura. É tão simples quanto isto. O que é que é a literatura? Tenho páginas do Instagram que para mim são literatura como as de Zack Magiezi, autor brasileiro, ou a de “Um cartão”, por exemplo, também do Brasil. Para mim aquilo é literatura, mesmo que este último não tenha livros lançados, para mim é literatura, eles mexem com as pessoas, têm milhões e milhões de pessoas mexidas com o que eles escrevem. Temos de reinventar a literatura e perceber que o que era literatura vai continuar a sê-lo mas que há outras formas de literatura que não deixam de ser relevantes e o online permite-nos isso. Aqueles [posts do] Instagram são literatura, estão ao nível de uma obra de arte. E que o que eu faço mexe com as pessoas nem sequer é debatível…
Que livro é que tem na mesinha de cabeceira?
O último do Herberto Helder e a “Armadilha” do Rui Nunes.
Quais são as suas referências literárias?
Herberto Helder, Rui Nunes, José Saramago, Albert Camus…
Estou-me a borrifar para os críticos
Disse numa entrevista que se sentia como o La Palisse, que se limita a perceber o óbvio.
Eu disse isso? Ah, que palerma. Não me lembro de ter dito isso, foi onde?
No jornal "i", em 2015. Não tem receio de ser visto como sendo só isso? Um enunciador de óbvios?
Deve ter sido num contexto qualquer que fazia sentido. Mas em alguns casos, nós temos que ser todos La Palisse. Muitas vezes desprezamos o óbvio, mas é importante olhar para o óbvio, também.
Na mesma entrevista concorda com uma personagem de “1984” de George Orwell que diz que “o grande livro é aquele que nos diz aquilo que já sabemos”. É isso que faz? Parece estar a dar razão aos críticos.
Isso é a prova de que me estou completamente borrifando para eles. Quem ler a história, não é pedaços, de outros livros meus como “A Repartição”, “In Sexus Veritas”, por exemplo, vai encontrar tudo menos o óbvio. E no “Prometo Amar” há personagens, abordagens, acontecimentos e situações que são tudo menos óbvias.
O problema de quem o critica é que não leu os seus livros?
Não estou preocupado, só estou a tentar dizer que quando estou a escrever, o que está na minha cabeça não é o que as pessoas vão pensar, senão não escrevia nada.
Porque é que acha que a crítica o ignora?
Não faço ideia. Pergunte-lhes a eles. O que lhe digo é que não me incomoda que não percam tempo comigo, porque se não perderem tempo comigo estão a perder o mesmo tempo que eu perco com eles. Estou-me nas tintas para isso, para o que escrevem sobre mim. O que eu quero saber é: primeiro, sou capaz de escrever o que me apetece? Sou. Isto satisfaz-me? Satisfaz. Estou feliz? Estou.
Sabe que há na rádio Cidade FM uma rubrica a gozar consigo: “Pedro Chagas Freitas ou uma pita do Instagram”?
É? Não sabia…
Há uma frase para se adivinhar se quem o disse foi o Pedro ou uma miúda no Instagram.
(risos) É uma ideia interessante. Se quiserem envio uns textos para eles.
Disse-me que as pessoas lhe pediam conselhos. Há um lado de auto-ajuda nos seus livros?
Se há, é sem querer.
Não sente o peso da responsabilidade? Não é psicólogo nem terapeuta e dá conselhos às pessoas?
Não sou psicólogo, não sei nada do que é que é melhor ou pior para as pessoas, não quero ordenar nada. As pessoas por vezes procuram-me à procura de conselhos, mas a resposta é sempre a mesma, não me sinto habilitado a ajudar. O que eu escrevo é ficção. Só ficção.
As suas personagens dão muitos conselhos, é um traço muito marcante deste “Prometo”, e por vezes nem são as suas personagens, o narrador interpela muito o leitor, manda-o mexer-se, ir à sua vida…
Qualquer personagem de um filme dá conselhos. Sou o anti-conselheiro, anti-guru, anti-mestre de auto-ajuda, não me sinto capaz de ajudar ninguém a encontrar o seu caminho.
Responde a quem lhe escreve?
Sim, respondo a toda a gente que me contacta por Facebook, email e Instagram. É uma questão de respeito por quem me lê e é muito importante perceber quem é que tenho daquele lado, quem é que me lê. E é também para eu mostrar às pessoas que eu me preocupo com elas.
É um obcecado pelo amor?
Eu gosto muito de olhar para o que me faz feliz. Se o que me faz feliz é isso, eu olho para lá. Só isso. Nós temos esta necessidade, eu tenho pelo menos, de entender o que é que me move e é por isso que escrevo também. O que é que me faz estar aqui? O que é que me fez acordar às seis da manhã e estar aqui agora? Custou-me. Mas estou aqui porque estou apaixonado pelo que faço. Estou longe do meu filho e da minha mulher e custa-me mas ao mesmo tempo estou apaixonado. Eu quero perceber o que faz as pessoas apaixonarem-se e o que faz também as pessoas não se apaixonarem.
Esta ideia do amor não se esgota?
Acha que o amor se esgota? Eu acho que não. Muito mal estaríamos nós. Estamos a escrever sobre o amor desde sempre. Todos os livros são livros de amor. Todos. Não há nenhum livro que não seja um livro de amor. Há muitas abordagens diferentes para o amor, até posso escrever o livro todo sem usar a palavra amor.
Já que gosta tanto de definir o amor, se eu lhe pedir agora uma definição de amor é capaz de ma dar?
(olha para uma janela de onde se vê o mar) Imediatamente, olhando para ali, digo, amor é o mar a perder de vista, às vezes é, não sabemos aonde ele vai dar e nós vamos nadando.
Isto é a prova de que não precisa de um ecrã de computador ou de uma página em branco para pensar.
Escrever é pensar. Eu estava a olhar para ali, é o que me surge. Temos aqui uma janela, escrever é encontrar a janela da imagem que nós queremos ver, também.
Qual foi o melhor elogio que já lhe fizeram?
Sempre que me dizem que sou boa pessoa, pá. Tão simples como isso. Pode pensar “ah este gajo está a armar-se”, mas não. É mesmo verdadeiro. O melhor elogio que se possa fazer a alguém, é dizer-lhe “és boa gente”. Ontem num comentário no Facebook, uma pessoa disse sinto que o Pedro é boa pessoa. E isso para mim é importante, é o que me interessa.
*Entrevista feita aquando do lançamento do livro "Prometo Amar" e atualizada em 25 de outbro de 2022.