Define-se como "otimista e entusiasta por natureza" e a verdade é que a energia de Ana Rita Clara parece ser inesgotável. Com uma carreira de duas décadas em televisão — que começou ainda adolescente, primeiro na RTP, depois na extinta NTV —, a apresentadora de 43 anos abraçou, em junho de 2021, um novo desafio: ser responsável por um canal.
Ana Rita Clara é, desde então, senior advisor da TVI Ficção, canal de cabo do grupo Media Capital onde também apresenta os formatos "Bastidores" e "À Conversa Com". Em entrevista à MAGG, a apresentadora, natural de São João da Madeira, fala sobre esta mudança profissional, depois de uma década como rosto da SIC Mulher.
Recorda também a passagem pelo curso de Sociologia, que moldou a sua forma de estar na vida e no trabalho e explica qual a sua relação com o mediatismo. Mãe de Caetano, de 6 anos, fruto do casamento, entretanto terminado, com o dentista Hugo Madeira, descreve o filho como o amor da sua vida. Mas não fecha portas ao "amor romântico".
Qual era a sua disciplina favorita em Sociologia?
Tinha várias. Teoria Sociológica inspirou-me profundamente não só pela questão ideológica mas sobretudo pelo professor, que dizia uma frase que me acompanha até hoje: “vocês estão aqui não é para colarem a matéria que memorizaram, vocês estão aqui para pensar”. Foi aí que soube que tinha feito a opção certa. Não falemos de Estatística, que foi um caso de amor-ódio, que tinha de resolver mais para o final (risos). Trago muito da Sociologia naquilo que eu sou e na forma como analiso as coisas.
O que é que queria ser quando entrou na faculdade?
Estava entre dois caminhos. Na altura já trabalhava, já tinha experimentado televisão. Com 17 anos já estava a voar para Macau, a dez dias de o território deixar de ser português. Vivi coisas muito fortes e, aos 14, 15 anos, nunca fui a adolescente normal. A minha normalidade era outra. Quando termino a faculdade, tinha uma vontade enorme de ir para o mercado de trabalho, porque já tinha feito o meu tempo na Universidade do Minho. Já tinha regressado à televisão. Na faculdade estava no teatro, na Associação Académica, escrevia para o jornal de Sociologia. Entre tantas outras coisas, era evidente que tinha de voar rapidamente. Aos 23 anos pensei que já sentia falta da televisão. O que tinha experimentado tinha sido suficiente para perceber que havia ali algo a repescar. É quando recebo o convite da NTV [atual Porto Canal], que me faz tomar uma série de decisões na minha vida.
Quando é que decide mudar-se para Lisboa?
Quando surge o convite [da SIC para o programa "Inimigo Público"]. Senti logo que era uma transformação na minha vida. Mas como tinha um grande apreço pela NTV, tinha o meu coração um pouco dividido. Ainda tentei que fosse possível estar no Porto e em Lisboa ao mesmo tempo, mas não era possível. Nunca tive nenhum receio de me mudar para Lisboa. Somos um País muito pequeno. Considerar distâncias no nosso País, só quem infelizmente não tenha ido a outros países.
A sua carreira televisiva tem duas décadas. Como é que vê a evolução do entretenimento na televisão portuguesa?
Acho que tem ciclos, que são dependentes do que se está a viver na sociedade e do que os públicos vão exigindo. Tem inevitavelmente que ver com o momento social que as pessoas também estão a viver. Depois há tendências de mercado, formatos que se coadunam com os momentos que estamos a viver. Não é à toa que sempre existiram reality shows, talvez isso tenha que ver com uma necessidade de reconexão das pessoas. Na TVI Ficção, por exemplo, mantém-se ainda hoje o fenómeno “Morangos com Açúcar”. O que tem qualidade, tem. Esta evolução prende-se também com a tecnologia, que pode abrir caminhos para outros públicos.
"A SIC Mulher sempre foi, pelo menos na altura em que lá estive, um canal com muito potencial"
Foi durante muitos anos o rosto da SIC Mulher, canal que está atualmente quase vazio de conteúdo próprio. Dá-lhe pena ver um canal no qual era suposto haver programação para mulheres estar assim, esvaziado?
(pausa) Os canais temáticos são sempre difíceis e desafiadores de serem trabalhados. Exigem muito das pessoas. Em relação à SIC Mulher, do que posso efetivamente comentar, uma vez que já estou noutro grupo, e naturalmente contente com todo o sucesso que a TVI Ficção está a ter… posso apenas pensar que os canais têm que ter sempre uma dedicação e quem os abrace com muito carinho. Apenas posso desejar que a SIC Mulher continue o seu caminho.
Não me dá pena, acho que tem que ver com ciclos, com momentos. Só posso comentar o momento em que eu estive. Durante 10 anos, vesti a camisola desse canal e penso que as pessoas sentiam isso. A SIC Mulher sempre foi, pelo menos na altura em que lá estive, um canal com muito potencial. Foram 10 anos, aprendi muito, tive o meu espaço, o que é raro na atualidade televisiva mas estou concentrada na TVI Ficção.
O seu ciclo na SIC terminou porque a Ana Rita quis, porque a SIC quis ou por entendimento mútuo?
Existiu sempre um entendimento mútuo porque houve várias situações ao mesmo tempo. O “Faz Sentido” estava a entrar em “refresh”, que era uma coisa que nós fazíamos sempre. Por outro lado, entrámos em pandemia. Os programas em estúdio deixaram de existir e, portanto, foi natural para mim, na minha autorreflexão, que queria criar outros projetos. E foi quando comecei a pensar no “Humanos”. Tornou-se muito claro que o “Humanos” teria de fazer um voo bastante diferente. A partir daí houve um interesse por parte da Media Capital em querer este formato, um desafio muito grande para qualquer organização. É nesse momento que tu vês também quem fala a tua linguagem e quem é que está preparado para apostar nas tuas ideias.
O cargo que tem atualmente, senior advisor da TVI Ficção, é outra forma de trabalhar em televisão. Como foi o processo de aprender uma nova função?
É um desafio constante. Sempre quis evoluir na minha carreira para ter outros cargos. Sempre estive muito dentro dos projetos, sempre fiz parte da equipa de produção. Quando comecei, fazia produção e apresentação ao mesmo tempo. Sempre fui fascinada por toda a máquina da televisão. Não só estar em frente às câmaras, o que para mim é algo natural, como estarmos aqui a conversar. O que eu sempre senti foi que ia chegar o dia em que essas oportunidades iam chegar. Eu já o fazia na minha empresa, sempre articulando com as equipas com quem trabalho fora da televisão. Já ia, aos poucos, tendo essa capacidade de gestão e de liderança. Mas quando surge o convite é quando sentes que viram em ti, que sentiram que poderias ir um pouco mais longe ou pelo menos estar num cargo um bocadinho diferente. Como gestora é uma aprendizagem constante. Só posso agradecer a todos os que tenho comigo porque são meus mentores diários. Tenho aprendido muito. Faz parte do meu ADN, esta evolução.
Por outro lado, tenho a alegria de poder continuar a apresentar formatos, e a cereja no topo do bolo é poder fazer explodir a minha criatividade. Que vai explodindo aos poucos porque o mercado é pequeno e os orçamentos não acompanham as ideias mas, naquilo que eu posso, é um proliferar constante de ideias e tenho a felicidade de muitas delas concretizarem-se — nomeadamente a operação “D’zrt, o Reencontro” fui eu que idealizei, toda a estratégia temática dos “Morangos com Açúcar”... Ter a felicidade de poder criar, lançar, fazer, produzir e ver no ar é algo que me fascina. Durante muitos anos era bater à porta e não ter a resposta que desejava, de tantos formatos que queria que acontecessem.
Isso aconteceu muitas vezes?
Várias vezes. Esta minha fonte criativa não é de agora (risos). Agora, como gestora, percebo o que é estar deste lado, e o que é termos alguém com vontade de criar. Acho que tenho feito um percurso de aprendizagem como gestora, mas tenho muito mais para aprender. Estou rodeada de profissionais que têm muita experiência, que me vão permitindo também crescer.
É muito raro ouvir alguém que ocupa um cargo de chefia, seja na televisão, seja onde for, dizer "eu aprendo com as pessoas que aqui estão, são meus mentores". É quase sempre um discurso "eu faço, eu aconteço". Para si é importante o que os outros têm para lhe ensinar?
O que acabou de dizer sobre pessoas que estão em lugares de chefia e têm esse tipo de posição narcísica ou egocêntrica não tem cabimento nenhum. Se estás a liderar pessoas é óbvio, mas as maiores decisões, tomo-as sozinha. Quando crio conteúdos, faço-o sozinha. Mas depois é preciso uma equipa que os faça. Não vivemos numa ilha, o líder tem que ter uma equipa que faça acontecer, senão estaríamos a falar para o nosso umbigo e a televisão é feita de público, de pessoas. Só posso, fazendo um balanço deste primeiro ano que passou a voar, referenciar a orientação que tenho em momentos-chave, porque as dúvidas acontecem. Tenho toda aquela voracidade de querer os projetos para ontem, e essa paciência que tem de vir com um cargo de gestão, é algo que é trabalhado.
É quase madrinha do reencontro dos D’ZRT, por causa do especial que aconteceu na TVI Ficção em 2021. Já sabia que os concertos iam acontecer?
Não, não! "O Reencontro" seguiu um posicionamento que eu queria que esta love brand, que é a TVI Ficção, tivesse. Eu sou uma gestora que, tranquilamente, coloca as suas ideias em funcionamento (risos). O reencontro dos D’ZRT surgiu de querer fechar o ano de 2021 de forma diferente, criarmos alguma emoção. Criei o reencontro, foi logo muito bem aceite. Quando falei com eles na altura, tornei-me um pouco madrinha desta situação. Sei que já andavam a falar há algum tempo, mas ali eu sinto que foi uma oportunidade para realmente estarem juntos, se sentirem de novo, de sentirem o amor dos fãs e avançarem.
Em 2023, celebram-se os 30 anos da TVI. Sendo a ficção um dos pilares da estação, o que é que vem por aí?
Já estamos a fechar toda a estratégia. Um dos campos será o da inovação e da criatividade, que se aliará à ficção, sem nunca esquecer que continuamos a ser um lugar onde as pessoas podem continuar a acompanhar os grandes sucessos que gostam sempre de rever.
"É preocupante, nos dias de hoje, as pessoas serem influenciadas por coisas que veem nas redes sociais"
O que era, para si, há 20 anos, ser figura pública e o que é agora?
Está a falar com uma pessoa que nunca olhou para si dessa forma.
Mas é.
Nunca olhei para mim dessa maneira e, por acaso, são duas palavras com as quais não simpatizo muito.
Famoso, celebridade…
Todas são redutoras daquilo que é um trabalho de verdade, de muitas horas de dedicação, de pesquisa, de entrega. Depois, tem que ver com a forma como se vê as coisas. Eu nunca quis fazer televisão para aparecer. Nunca entrei para televisão porque conhecia alguém. A minha família não tem nada que ver com esta área, as minhas amigas de infância também não. Sempre trabalhei em televisão, em comunicação, porque tenho um propósito, e o meu propósito é fazer programas que tocam as pessoas. Entreter, informar, criar conteúdos, poder influenciar positivamente as pessoas.
Em 2019, quando ganhei o prémio Best Influencer [prémios E!] fiquei muito feliz, mas disse no discurso, na altura, que fico feliz se a minha parte digital, aquilo que eu estou a passar, influenciar de forma benéfica quem me acompanha. Esse é um dos meus maiores receios. É preocupante, nos dias de hoje, as pessoas serem influenciadas por coisas que veem nas redes sociais. As dietas que fazem, os estereótipos que criam na cabeça, o posicionamento que ocupam, o não lutarem por um trabalho por mérito e acharem que aparecerem num programa de televisão lhes dá fama, continuarem a acreditar que é do dia para a noite, sem existir consistência. Eu sou do trabalho, do dia a dia com mérito, sou do propósito. Ao longo destes anos não fiz só televisão. Tenho a minha empresa, tenho o digital, criei uma organização de impacto social, a Change It, que, em 2023, vai ter muitas novidades, lancei uma loja online.
Percebo que, ao longo de todos estes anos, há muita diferença mas, para mim, sempre foi igual. É como eu fazer a minha vida normalmente sem sequer pensar se apareço na televisão. O meu filho e os meus amigos talvez reparem mais, se as pessoas veem ter comigo e pedem uma simpatia de uma selfie, de um autógrafo, eu tenho de explicar ao meu filho porque é que o fazem. É claro que vamos evoluindo e vamos criando as nossas ‘capas’. Em Sociologia chamam-se máscaras sociais. Como eu nunca me encarei dessa maneira, isso deu-me uma certa leveza para estar onde eu quisesse, a fazer o que tenho de fazer. Não gosto dessas rédeas nem dessas limitações em nada.
Em relação à exposição da sua vida pessoal: se fosse hoje, não exporia determinadas coisas, como o seu casamento, a relação com o pai do seu filho?
Foi uma decisão do momento. Foi uma relação de muito tempo, muito apaixonada, com muito amor, com uma pessoa que fazia parte da minha vida, logo era natural essa partilha. Eu estava noiva há mais de um ano quando foi público. Sempre fui muito discreta e reservada. E, depois, o casamento, que foi um dia tão feliz e bonito da minha vida, e o nascimento do meu filhote. O Caetano já me pede para aparecer nas fotografias (risos).
Sempre foi muito cuidadosa com a exposição do seu filho.
Sim, sim. Acho que tudo tem o seu tempo. Daqui a dois ou três anos poderei mudar de ideias, até porque ele é lindo de morrer! E o meu próprio filho me pede isso. Não me arrependo de nada nesse sentido, porque sempre fui muito cuidadosa com o que partilhei e acho que as pessoas percebem perfeitamente como é que lido com isso. Acho que quando vives um amor, quando estás apaixonado e sentes que é o momento para isso, é diferente. Há uma frase que diz: “keep it private ‘till it’s definitive” ["mantém em privado até ser definitivo"]. Mas a vida é bastante finita e, às vezes, temos de viver os momentos e fazer escolhas.
Agora, exporia uma relação?
Sou uma mulher intensa, apaixonada pela vida. Quando o amor romântico chegar e for o momento de partilhar com as pessoas, fá-lo-ei, não tenho nenhum problema com isso.
É engraçado referir “o amor romântico”, porque há tantas formas de amor…
Com certeza. O meu filho é o amor da minha vida. É outro tipo de amor, ultrapassa tudo.
Como é que gere a sua imagem, a questão do envelhecimento?
Giro muito bem porque sempre me senti bem na minha pele. Cuidar de mim, praticar desporto todos os dias, um lifestyle que é saudável, conectado comigo própria, tratar-me no sentido de me amar e respeitar… se não tivermos isso no nosso ADN, temos de o criar. Essa autovalorização é o primeiro passo para nos sentimos bem na nossa pele. E eu felizmente, desde miúda, tenho tido isso na minha vida. Foi-me passado pela minha mãe e pelas minhas avós. Tenho também uma genética boa mas a cultura desportiva, de autovalorização, isso faz com que tenha uma espinha dorsal que não verga facilmente que acredito que extrapola a fisicalidade e a imagem exterior. Sabemos que o corpo se vai transformando. Eu lido muito bem com isso porque também trabalho para isso, porque me sinto bem na minha pele. O envelhecimento faz parte da minha vida, mas o envelhecimento das emoções é que é uma coisa muito mais triste. Gerir o envelhecimento emocional é que é o mais desafiante.
O que é que faz quando está stressada? Porque parece estar sempre tão calma…
(risos) Ainda bem que pareço! Valha-me o desporto e, agora, o fit boxing, que é muito bom. Recomendo. Massagens, conexão com a natureza, ver o mar e estar com o meu filho. Com o meu filho, o botão desliga. É uma acalmia instantânea e isso faz com que qualquer stresse que eu tenha fique do outro lado da porta. Também medito bastante e tenho os meus próprios rituais mentais que é necessário ter. É um processo que faz parte de uma jornada de evolução. Há processos mentais que se podem domesticar e eu sempre olhei o copo sempre cheio. Sou uma otimista e entusiasta por natureza.