Logan Roy (Brian Cox) é um magnata e detentor de um dos maiores impérios de media no mundo que, por estar cada vez mais debilitado e cansado, decide cedê-lo aos seus três filhos. O anúncio é feito em família, mas Logan arrepende-se e volta atrás na palavra. Pior: decide nomear a sua terceira mulher como a sucessora imediata para a posição de CEO, gerando uma revolta junto dos filhos.
Estes, sedentos de poder, preparam-se para, através de vários esquemas mesquinhos, tirar a a empresa das mãos do pai por considerarem que este não está mentalmente capaz tomar decisões de tamanha importância.
Assim é a sinopse possível de "Succession", a série da HBO que se estreou em 2018 e que desde então tem conquistado a crítica especializada com uma história que já vimos replicada várias vezes na ficção — mas que aqui ganha outra força através de personagens extremamente complexas e de conduta duvidosa.
É que é difícil encontrar uma que seja minimamente decente, porque elas são todas más, arrogantes, hipócritas, vingativas e estão sempre prontas a lixar o próximo se isso lhes trouxer algum benefício.
Ao longo das duas temporadas da série, inteiramente disponível na HBO Portugal, há jogos de poder protagonizados por uma família disfuncional e com graves dificuldades em se relacionar entre si. E talvez isso seja o chamariz de uma produção que acabou nomeada nas categorias principais dos Emmys e nas quais ganhou.
Criada por Jesse Armstrong, "Succession" esteve nomeada para várias categorias incluindo a de Melhor Série Dramática — e na qual foi a jogo, e batendo, gigantes como "The Crown", "Better Call Saul", "Ozark"Â e "The Mandalorian".
Mas o que é que a série tem assim de tão especial? Muitas coisas.
1. O genérico incrível que fica na cabeça
Regra geral, é o primeiro plano de câmara o responsável por agarrar o espectador e lhe dizer exatamente aquilo que deve esperar de uma determinada história. Só que em "Succession", esse processo começa com a música do genérico que, além de ficar na cabeça, evoca toda uma aura pesada e até sombria da série.
É que embora as personagens sejam ricas e poderosas — o que faz com que passem a maior parte do seu tempo em cenários luxuosos —, os seus comportamentos mancham qualquer excentricidade e beleza dos cenários.
Criada pelo compositor Nicholas Britell, o genérico chegou mesmo a usar um Emmy e foi reutilizado numa canção do rapper Pusha-T que viralizou nas redes sociais.
2. Nenhuma das personagens é decente — e isso cativa
Tal como nos grandes clássicos da era dourada da televisão, as personagens interessantes são sempre os bad guys, os tipos sem escrúpulos e os que nos fazem odiá-los — mesmo que, apesar disso, não consigamos deixar de acompanhar. A explicação é simples: em parte, sabemos que estas figuras são autênticos desastres à espera de acontecer e não é possível desviar o olhar de um acidente destes.
Qualquer personagem de "Succession" vive consumida pela inveja, a gula, a raiva ou o orgulho. Qualquer que seja o pecado, é garantido que a família Roy o vai cometer em algum ponto da história. Mas é isso que prende o espectador ao ecrã. Queremos ser apanhados de surpresa por mais um comportamento completamente reprovável e ficamos, de facto, surpreendidos quando a fasquia vai sendo elevada de episódio a episódio.
É que só na primeira temporada, o comportamento dos filhos de Roy é um dos gatilhos para que o pai venha a sofrer de um AVC. Mais tarde, vinga-se e cria um esquema mesquinho para levar o filho a acreditar que já não é capaz de funcionar enquanto empresário e que, por isso mesmo, não tem um lugar no negócio da família. A certa altura, o fascínio de acompanhar todas aquelas peripécias deixa de ser sobre quem poderá vir a chegar ao poder, mas sim qual o verdadeiro custo desse percurso.
3. Ainda que relativamente desconhecido, o elenco é de luxo
Há nomes sonantes em "Succession", nomeadamente Brian Cox e Jeremy Strong ("A Queda de Wall Street"). Mas a grande maioria do elenco é relativamente desconhecido e isso permite que o espectador consiga começar a acompanhar a história sem associar os atores a papéis passados.
E todos eles têm uma entrega completa à personagem que propuseram interpretar — assumindo os tiques e os defeitos que lhes dão substância na história e que nos fazem, enquanto espectadores, sentir uma mistura de repulsa com algum fascínio associado.
4. Não há limites na linguagem obscena
Já nos habituamos a aceitar que personagens erráticas tenham uma linguagem igualmente obscena, mas "Succession" é capaz de ser a série mais criativa dos últimos anos a encontrar formas inusitadas de insultar personagens.
Não vamos dar spoilers para não estragar a surpresa, mas vá por nós: se o que procura numa série é comportamentos questionáveis e transgressões várias, a série da HBO tem muito disso ao longo das duas temporadas.
Entre o insulto mais violento ao mais subtil, a fronteira é sempre muito ténue. O objetivo, no entanto, é sempre ponto assente: delinear dominância nas relações de poder entre as personagens.
5. É apelidada de "a nova 'Guerra dos Tronos'"
A comparação não vem ao acaso. É que "Succession" estreia-se na HBO, em 2018, numa altura em que o canal procura encontrar o seu próximo grande fenómeno depois da série de fantasia e inspirada nos livros de George R.R. Martin. E as semelhanças são várias, até porque ambas têm muita intriga política e jogos de bastidores.
Mas a semelhança principal é, claro, os jogo de poder e tudo o que é feito com esse objetivo primário em mente. E nesse jogo vale de tudo: desde traições, mentiras, chantagem e manipulação gratuita para que os poderosos se mantenham no poder e os que o tentam conquistar saiam derrotados — e com grandes mazelas físicas e psicológicas — da tentativa de golpe de estado.