Com apenas cinco episódios, "Chernobyl" é já considerada uma das minisséries mais importantes por retratar aquele foi o maior desastre nuclear da história. Além de explorar a forma como a explosão de um reator trouxe consequências drásticas para a população de Pripyat, na Ucrânia, mostra também como toda a gestão da crise foi mal feita — através de várias decisões duvidosas que retardaram o anúncio do desastre e que impediram que os trabalhos de evacuação começassem o mais depressa possível.
No entanto, a verdade é que a série não é um documentário. Apesar de se basear em factos reais, trata-se de uma produção fictícia onde há sempre espaço para dramatizar eventos ou personagens.
Mas afinal, em que é que "Chernobyl" acertou? Em primeiro lugar, na caracterização do bombeiro queimado que acaba por morrer no terceiro episódio. Mas também houve alguma liberdade criativa envolvida.
Um das personagens principais, por exemplo, nunca existiu. Assim como nunca esteve em hipótese que uma segunda explosão pudesse dizimar toda a Europa. Mostramos-lhe tudo aquilo em que "Chernobyl" acertou e errou.
Verdade: Vasily, o bombeiro totalmente queimado, existiu mesmo
É no terceiro episódio, um dos mais violentos da série, que vemos as verdadeiras consequências da exposição a quantidades elevadas de radiação. Na manhã de 26 de abril de 1986, o quarto reator da central nuclear de Chernobyl explodiu e Vasily Ignatenko foi um dos primeiros bombeiros a chegar ao local para combater o incêndio.
Antes de sair de casa, o jovem de 25 anos prometeu à mulher que a acordaria assim que chegasse a casa. Isso nunca chegaria a acontecer: os últimos 14 dias de Vasily foram passados no hospital. E tratou-se de uma morte lenta e dolorosa, onde a pele totalmente queimada deu lugar a uma mistura de pus e crosta.
Nos últimos momentos de vida, o único que restava de Vasily era o cabelo que se desprendia do couro cabeludo cada vez que a cabeça roçava na almofada.
No livro "Vozes de Chernobyl", Lyudmilla conta como esteve diariamente junto ao marido. "Se começares a chorar, expulso-te daqui", terá dito uma enfermeira que também a aconselhou a não tocar no marido.
Lyudmilla não chorou uma única vez, mas deu-lhe a mão e permaneceu ao seu lado mesmo estado grávida. O bebé viria a nascer poucos tempo depois, mas não resistiu à radiação a que tinha sido exposto e acabou por morrer.
Mito: uma segunda explosão poderia ter deixado grande parte da Europa inabitável
Depois de uma primeira explosão, foram vários os especialistas que temeram uma segunda bem mais ameaçadora. Aliás, na série, chega a ser mencionado que uma segunda explosão seria capaz de "limpar toda a população de Kiev e Minsk" e temia-se que o impacto da radiação se sentisse em grande parte da Europa.
No entanto, segundo esclareceu Jan Haverkamp, um especialista nuclear da Greenpeace, ao "Business Insider", a verdade é que havia demasiadas hipóteses num cenário como este e que "afirmar que uma segunda explosão teria esse resultado era exagerar."
Verdade: os animais da região foram mortos por terem altos níveis de radiação no corpo
Se o terceiro episódio foi o mais violento, o quarto foi talvez o mais emotivo. Em grande parte porque mostrou uma equipa responsável por abater todos os animais da região. E tudo isso aconteceu na realidade.
Apesar de ser uma mudança permanente, todos os cidadãos de Pripyat acharam que poderiam regressar a casa três dias depois da ordem de evacuação — o que levou a que vários animais de estimação tivessem ficado ao abandonado.
O governo Soviético deu ordem para que todos os animais fossem abatidos. O objetivo? Evitar que contaminassem outras zonas da região.
Mito: uma especialista nuclear da União Soviética ajudou a organizar o processo de limpeza
Uma das personagens principais chama-se Ulana Khomyuk (interpretada por Emily Watson) e é uma das cientistas envolvidas no processo de restauração e limpeza da região. No entanto, Ulana nunca existiu, mas representa todas as especialistas que estiveram envolvidas durante a crise.
Em entrevista à revista "Variety", Craig Mazin, criador da série, diz que "colocar uma personagem feminina no centro da investigação fez sentido". Especialmente porque a União Soviética contou com várias mulheres cientistas e especialistas em questões nucleares.
"A ciência e a medicina foram as áreas onde os soviéticos eram mais progressivos do que o resto do mundo. Havia muitas mulheres cientistas ou médicas", explica.
Verdade: tentou-se utilizar robôs mas acabaram a ser os humanos a limpar a área contaminada
Um dos momentos do quarto episódio da série mostra um conjunto de trabalhadores a limpar o telhado da central nuclear. Segundo o "Business Insider", foi numa conferência em 1990 que um dos oficiais responsáveis pelo operação revelou que a ideia inicial era a de utilizar robôs para a limpeza.
No entanto, as máquinas começaram a falhar e foram mesmo os vários cidadãos da União Soviética a ficarem responsáveis pela tarefa mais perigosa das suas vidas. Apesar de os EUA terem acesso a robôs avançados que poderiam ter ajudado no processo, a tensão entre os dois países impediu a Ucrânia de pedir ajuda.
Mito: o incêndio em Chernobyl gerou duas vezes mais radiação do que a bomba atómica lançada sobre Hiroshima
É durante o quarto episódio da série que é mencionado que o desastre de Chernobyl gerou, por hora, níveis de radiação duas vezes superiores aos valores que se sentiram após a explosão da bomba nuclear em Hiroshima, no Japão, em 1945.
Ainda ao "Business Insider", Jan Haverkamp explicou que é difícil comparar os níveis de radiação causados pelos dois eventos. Principalmente porque, com a bomba nuclear, o impacto que se sentiu na saúde foi consequência de uma exposição direta à radiação.
"Quando uma bomba nuclear explode, a dose de radiação presente no corpo de uma pessoa é determinada com base na distância a que ela se encontra do ponto de exposição", revela.
Em Chernobyl, o material radioativo foi "transportado para a atmosfera, acabou espalhado por várias zonas e foi ingerido por uma quantidade enorme de pessoas durante um longo período de tempo."