Em 2021, Mariana Pacheco atinge a maioridade profissional. A atriz e cantora estreou-se em 2003, na novela da SIC "O Jogo" e, 18 anos depois, dá vida à problemática Cátia na trama "Amor Amor".
Com 29 anos recém-completados, a atriz (que também é cantora) reflete sobre o seu percurso profissional, fala sobre o impacto da sua personagem nas opiniões entusiasmadas dos telespectadores e conta como foi reencontrar Paulo Rocha na ficção. Mariana e Paulo dão vida aos cunhados Cátia e Bruno que, em "Amor Amor", vivem uma relação proibida.
No meio disto tudo, Mariana esteve também, até ao final de março, na antena da SIC aos sábados à tarde, no talk-show "Regresso ao Futuro", cuja primeira temporada terminou no final do mês de março.
Fez recentemente 29 anos. É pessoa de fazer balanços nestas datas?
Por acaso, não sou muito. Faço mais no fim do ano. Mas também estamos a viver tempos tão conturbados que é difícil fazer balanços como se estivesse tudo normal.
Houve algum desejo que fez no final de 2020 para este ano?
Não sei... Quero continuar a trabalhar, obviamente. Já conquistei algumas coisas que, se conseguir manter, já me fazem muito feliz. Uma das coisas que gostaria de voltar a fazer é teatro musical, voltar aos palcos, público… Mas de resto, sou feliz! Não tenho grandes objetivos que não tenha conseguido alcançar. De resto, é manter.
Faz 18 anos de carreira em 2021, o que significa que passou mais de metade da sua vida a representar.
Olhe que bom! Isso é que são boas notícias. Até a minha carreira já é maior de idade.
Sente que tem cumprido tudo a que se propôs? Porque começou realmente muito jovem.
Acho que, se olhar para trás, para os sonhos de menina que tinha quando era mais novinha, acho que passei bem das minhas expectativas. Não sei se esperava que as coisas chegassem tão longe. Provavelmente ainda não alcancei o que gostaria na música, isso ainda está a caminhar, mas na parte de representação não imaginava que chegasse tão longe, que tivesse oportunidades tão boas e que as tivesse conseguido agarrar.
Depois há aqui também o fator sorte. Eu acredito também muito nisso, o estar no sítio certo à hora certa. Claro que trabalhar são os outros 50%, algum talento também é preciso (risos). Mas é preciso que as estrelinhas estejam alinhadas. Sou peixes, também sou sonhadora e esotérica nesse aspecto, e acho que é preciso estar tudo destinado a acontecer. O resto também depende de nós. Nós fazemos um bocadinho do nosso destino e do caminho que queremos traçar.
Fale-me das reações que tem tido à Cátia, a sua personagem em “Amor Amor”.
Tenho tido reações muito diferentes umas das outras, conforme os episódios vão passando. Ela é uma caixinha de surpresas, uma mistura de personalidades, de atitudes. Acho que ninguém percebe muito bem (nem eu, se calhar), mas tenho tido reações muito engraçadas.
No início ninguém gostava de mim, porque estava sempre do contra. Depois havia também quem dissesse ‘é assim mesmo, Cátia, sem papas na língua!’. Havia reações muito diferentes e, depois, claro, houve muita gente que ficou contra mim quando aconteceu aquilo com o Bruno [personagem interpretada por Paulo Rocha]. Por acaso é engraçado porque tenho pessoas que dizem que gostam mais de me ver em papéis de vilã ou mais desafiantes no sentido moral, e outras que dizem que não gostaram da Catarina ["Coração d'Ouro", 2015], nem da Rubi [vilã da quarta temporada de “Golpe de Sorte", 2021]. Há uma série de opiniões muito diferentes, mas acredito que as pessoas, quando se entregam a uma história e quando sentem uma revolta qualquer por uma personagem, percebem perfeitamente que a coisa não passa para a realidade.
Sendo cantora, como é que viu o facto de colegas seus, que nunca cantaram, começarem a fazê-lo nesta novela?
(risos) Senti muito orgulho! Temos aqui um leque de atores, que nunca se veriam no mundo da música, a darem aqui provas de que estão à altura. No início achei que muitos iriam ter alguém a fazer a parte cantada por eles. E uma coisa que senti muito em quase todos os que não cantam é uma coragem em trabalhar, em ter aulas de canto, em desafiarem-se, em superaram-se, principalmente pessoas que já fizeram tanta coisa, como a Joana Santos, o Ricardo Pereira, que já chegaram a um certo sítio e não precisariam de se expor tanto a uma coisa tão vulnerável como é a música.
É impossível fingir que se canta bem. Mas é possível trabalhar muito e entregar-se de tal maneira à personagem que passa bem. É muito divertido termos este tema tão popular e tão leve nesta novela. Estamos todos muito divertidos a viver esta história e estas músicas que tudo parece fácil. Há muito trabalho por trás mas, ao mesmo tempo, é fácil quando se gosta muito.
Tinha alguma ideia pré-concebida do mundo da música ligeira que tenha caído por terra quando começou a fazer esta novela?
Não. Não sei se estamos a explorar de forma totalmente honesta — porque isto é ficção — aquilo que se passa nos bastidores. Eu não sei se nos bastidores dos palcos da música popular as pessoas andam a roubar letras de músicas umas às outras e a matarem outras (risos). Não acho que seja essa a realidade. Mas acho que isso acontece em todos os universos. Não é uma área que eu tenha explorado muito porque nunca a vivi. Continuo a acreditar que é uma inspiração, mas que não tem um fundo de verdade porque foi inventada por nós.
Há toda uma geração que a associa a si e ao Paulo Rocha à terceira temporada da série juvenil "Morangos com Açúcar", onde interpretavam filha e pai. Como foi voltar a trabalhar com ele nestas circunstâncias?
O mais engraçado é que, desde os 'Morangos' que nunca mais me cruzei com o Paulo. Quando eu vi o tipo de história que nós íamos ter nesta novela, e sem que tenha acontecido nada no intermédio, qualquer coisa para fazer uma transição mais fácil (risos). Nada disso aconteceu.
No início, confesso que me fez alguma confusão ter de olhar para ele de uma forma mais romantizada do que olhar para ele como antes, pronto, era o meu pai. Mas facilmente ultrapassámos isso. Estamos muito diferentes, já passaram muitos anos. É natural que as pessoas se agarrem muito a isso, porque foi uma história muito marcante, numa época em que toda a gente vivia muito os "Morangos com Açúcar". Eu própria, antes de entrar, era dessas obcecadas que saía da escola a correr para ir ver os Morangos.
Hoje em dia, pessoas da minha geração especialmente, que veem "Amor Amor", era a malta que via os "Morangos com Açúcar". Por isso é impossível dissociar uma imagem da outra. Não sei se foi de propósito. Acredito que não tenha sido mas, ainda assim, é uma coincidência muito engraçada porque só torna tudo ainda mais incestuoso. Só facto de ele ser meu cunhado já é um bocadinho incestuoso. No fundo, também ajudou a que a coisa se tornasse ainda mais constrangedora e estranha.
Como é que ultrapassaram isso? Conversaram e pronto?
Não foi preciso propriamente conversar sobre isso. A determinada altura estamos a viver as personagens e isso tem de sair da cabeça. Depois, conforme vamos gravando e vamos estando juntos todos os dias, a viver estas personagens, tudo o que foi há mais de dez anos já lá está. Foi fácil.
"A malta acha que o confinamento fez com que nascessem mil álbuns mas acho que metade dos artistas ficou em casa a olhar para as paredes porque não tinham inspiração para nada."
Como surgiu a oportunidade de ser quase uma anfitriã musical do programa "Regresso ao Futuro"?
Foi um convite que surgiu para fazer a estreia do programa. Eles lembraram-se de mim por ter este lado musical. Eu achei muita graça ao conceito, ao facto de termos à tarde um programa tão cultural e que se focasse no passado, mas com muito entretenimento à mistura, que é muito giro para as pessoas recordarem.
Fiquei muito contente porque, acima de tudo, gosto de diversidade musical. Pelo que percebi no convite ia abranger vários géneros musicais de um determinado ano. Mas eu iria só fazer a estreia do programa e, possivelmente, iriam ter outros convidados daí em diante, como tiveram. Acho que correu muito bem, fiquei muito contente e lembro-me de dizer que gostava de fazer aquilo todas as semanas.
De repente, surgiu mesmo o convite oficial para ser praticamente a residente do programa. O facto de não estar a fazer musicais, de não ter esse outro lado que vai contrapondo a televisão, faz com que este programa também me alivie um bocado a falta que eu tenho da música, de estar em cima do palco. Não é a mesma coisa, mas ajuda e faz com que essa saudade acabe por se matar aos pouquinhos.
Porque é que ainda não deu o passo para lançar um original, um álbum, para ter música em nome próprio?
Sempre tive muita vontade, mas ainda não tinha chegado ao ponto de saber o que é que queria fazer. Porque no mundo da música há tantas possibilidades! Em televisão, nas novelas, nos musicais, já existe uma ideia e temos de trabalhar em determinada personagem, em determinadas músicas. Existe alguém que faz esse trabalho por nós e isso, de certo modo, deixa-me mais descansada porque não é uma iniciativa minha, não é um passo em falso que eu possa dar. E na música o meu maior medo é esse. É não ser bem isto. Acontece muito.
Eu escrevo, às vezes componho coisas, no dia seguinte vou ouvir e penso ‘ah, isto é uma porcaria, não gosto disto’. Não posso ficar o dia inteiro a fazer a mesma cena. Se pudesse, ficava. Na música, como vai depender muito de mim. também ainda não dei esse passo para procurar as pessoas certas para trabalhar comigo, acho que sozinha fico muito perdida. Como há muitas hipóteses, ainda não sabia muito bem o que é que queria. Hoje em dia já começo a ter um caminho mais definido e já começo a querer dar alguns passos no sentido de me juntar a pessoas que possam querer trabalhar comigo, que possam ter interesse.
Mas também é um processo que demora, que depende de inspiração, essas coisas todas. Os artistas sofrem muito com isso (risos)! A malta acha que o confinamento fez com que nascessem mil álbuns, mas acho que metade dos artistas ficou em casa a olhar para as paredes porque não tinham inspiração para nada. Às vezes o tempo não é tudo. Ter tempo a mais não significa que se vá fazer tudo aquilo que se quer. É difícil, mas já começo a ver uma luz ao fundo do túnel no que toca à música.
Há alguma pessoa do mundo da música com quem gostasse muito de trabalhar?
Há muitas! O Rui Veloso é uma delas. Já vem de há alguns anos. Sou muito fã de Amor Electro, adoraria fazer uma coisa dentro desse género. Gosto de tudo o que é acústico de Ornatos Violeta. Gosto de Paulo Gonzo. Eu sou muito esquisita no que toca a música portuguesa…
Tem uma ligação à SIC desde 2003 e, nos últimos anos, tem estado sempre em projetos do canal. Já houve alguma abordagem do outro lado?
Até agora, não aconteceu.
Ao contrário de muita gente da sua geração, a Mariana tem uma postura muito cool nas redes sociais. Estabelece um limite visível entre o que mostra e o que não mostra. Foi uma postura que sempre fez questão de ter?
Não é consciente. Não tive nenhuma experiência em que chegasse ao ponto de pensar ‘ok, tenho mesmo de impor limites, de esconder isto ou aquilo’. Sempre foi muito natural. Para mim, nunca fez muito sentido expor demasiado. Acima de tudo, deixa-me muito confortável saber que tenho o meu cantinho pessoal e íntimo, que é só meu. Independentemente do que eu faça. Se eu fosse advogada, provavelmente a minha rede social era igual. Acho que é importante termos o nosso cantinho, o nosso ninho, que é só nosso. E acho que hoje em dias as pessoas também expõem muito isso… não sei porquê. O que sei é que me sinto confortável em saber que tenho coisas que são só minhas e de mais ninguém.
Como é que este último ano a impactou?
Impactou-me de formas negativas e positivas. As positivas foram o facto de valorizar mais do que nunca a sorte que eu e os meus colegas de profissão tivemos durante estes meses. Fomos muito bem tratados, tivemos trabalho. Quando não tivemos, estivemos apoiados. Tive muita sorte e dei graças a Deus todos os dias por poder estar a trabalhar e atingir um grau de normalidade que acho que nós todos conseguimos fazer. Isso deixou-me a sentir-me muito sortuda.
A parte negativa foi ver à minha volta muitos muros a desmoronarem-se. Tive muitos amigos próximos que estavam a construir uma carreira e que a coisa acabou por não resultar, que tiveram de se desenrascar por outros caminhos. Ver isso de perto dói um bocadinho. Os meus colegas de teatro e musicais não trabalham há um ano e tal. Também tenho pessoas muito próximas, com produtoras de teatro, que estão dependentes de terceiros, que não conseguem andar para a frente e que ficaram numa situação muito complicada. Isso faz mossa, mexe muito comigo e foi uma coisa que impactou toda a gente. Depois, todos os outros cenários que fomos sabendo, de pessoas que estão muito mal ainda. Vamos ver se se consegue recuperar tudo o que se foi perdendo ao longo deste ano.