Aos 20 anos Diogo, que hoje tem 25, não queria estudar. Não tinha nenhum plano de vida definido e nenhuma ambição suficientemente forte para o fazer ir atrás dela. A história da mãe, Domingas Mendes, 47, é muito diferente. “Aos 16 anos comecei a trabalhar, casei-me aos 18 e licenciei-me em marketing e publicidade já grávida do Diogo”, conta à MAGG.
A falta de perspetiva do filho fez com que, há cinco anos, a mãe lhe oferecesse um negócio, o restaurante Café Central, em Portalegre, o último estabelecimento visitado pelo chef Ljubomir Stanisic, no episódio final do “Pesadelo na Cozinha”, transmitido este domingo, 25 de novembro, em horário nobre, na TVI.
“Eu estava a trabalhar, mas ele [Diogo] e a namorada da altura estavam desempregados, e eu vim abrir-lhe este negócio”, conta Domingas à MAGG.
Foi sentados numa mesa deste restaurante do Alto Alentejo que, durante 40 minutos, a MAGG conversou com Domingas. Apesar de não ser a proprietária, é ela que coordena tudo na gestão do espaço, além de ser a cozinheira. Atualmente passa cerca de 18 horas no Café Central. Diogo umas vezes aparece, outras não, como aconteceu neste dia.
De todos os restaurantes que visitámos, este foi provavelmente o que mais seguiu os conselhos do chef. A carta está diferente, o modo de funcionamento da cozinha também e foram implementadas novas regras. Ficámos a saber o que mudou no espaço, quais é que foram as críticas mais duras e que situações é que geraram mais tensão com o chef do Bistro 100 Maneiras.
"Sempre achei que ia ser a menos massacrada. Acabei por ser a que levou mais por tabela.” As situações de tensão
Não foi fácil. Como sempre, a passagem de Ljubomir Stanisic fez-se sentir e nem sempre pelos melhores motivos. A vítima (porque há sempre o elemento mais massacrado do programa) foi Domingas, que acompanhava o trabalho do chef há muito tempo, antes sequer de haver “Pesadelo na Cozinha”. Era uma grande admiradora e conta que lidar com ele foi uma desilusão. Não é o seu conhecimento como chef que está em causa. Mas, antes, o trato com as pessoas.
“Eu achava que o chef era encantador. Adorava os programas dele, a forma como ele explicava tudo”, conta, referindo-se aos programas de culinária de Ljubomir. “Aquela parte das asneiras complicou-me a cabeça. Fez-me muita confusão. Sempre achei que ia ser a menos massacrada. Acabei por ser a que levou mais por tabela.”
Ele não tinha trabalho e não queria estudar, ou fazer nada. Como eu gostava de hotelaria, abri o espaço."
Chorou. “Apanhei um desgosto tão grande, tão grande com o chef. Nunca pensei que ele me fosse tratar assim. É daquelas situações em que nós temos uma imagem de uma pessoa e depois ela não é nada daquilo que nós estávamos à espera.”
A afirmação deixou-nos admirados, porque o comportamento não é surpreendente, tendo em conta os outros episódios de “Pesadelo na Cozinha”. Domingas justificou-se: “Mas uma coisa é aquela hora e tal do programa. Outra é nós estarmos aqui não sei quanto tempo com ele.”
A causa do conflito entre Domingas e Ljubomir esteve relacionada, sobretudo, com o facto de Diogo ser o proprietário. “O chef disse várias vezes que eu mimava o Diogo. Que ele era um menino mimado”, conta. “Criticou o facto de ele ter 20 anos e de eu ter aberto um espaço destes para ele, porque ele ainda não tinha bem definido na cabeça o que é que queria fazer.”
Domingas explica que já gostava de hotelaria e que o filho já tinha experiência de bar, uma das componentes do Central, além do restaurante. “Ele não tinha trabalho e não queria estudar, ou fazer nada. Como eu gostava de hotelaria, abri o espaço”, conta Domingas, que já tinha estado responsável por outro restaurante "de grande sucesso", o Monte Carvalho.
A forma como Domingas entrou no ramo da restauração aconteceu de uma maneira muito semelhante à que a levou a tomar conta do atual restaurante. No fundo, parece ser sempre ela a apagar os fogos de quem está à sua volta. O marido de então (já se separaram e voltaram os dois a casar) tinha acabado de se reformar da carreira como jogador de futebol e quis abrir um restaurante. Só que, tal como acontece atualmente no Central, era ela que passava lá grande parte do tempo. Quando se divorciaram, ela comprou a parte dele.
Na altura, trabalhava como funcionária pública e pediu uma licença sem vencimento para se dedicar exclusivamente ao negócio. Com o Central que ofereceu a Diogo foi parecido: deixou a vida de consultora financeira, que já exercia há 14 anos, para se dedicar a 100% ao restaurante no centro de Portalegre. “A nível de contas, de cozinha e de compras, sempre fui eu que orientei”, diz. “Vinha cá, mas continuava a trabalhar no escritório. Quando as coisas começaram a correr mesmo mal, vim para aqui a tempo inteiro.”
Que outros conflitos houve na cozinha? O facto de haver uma equipa diferente para cada turno (dos almoços e jantares) não ajudou. “Nós tínhamos duas equipas de trabalho, o que me dava mais liberdade, mais saúde, mais tempo. Agora venho de manhã e fico até às 23h, meia noite.”
Quem comandava a cozinha durante o dia era Domingas e durante a noite era Celso. Devido ao programa e às novas regras, este já não faz parte da equipa do restaurante Café Central. “O cozinheiro do turno da noite já não está cá. Não aguentou a pressão porque nós implementámos aquilo que o chef nos ensinou e as regras foram uma delas. Por exemplo: tudo o que ia para o tacho tinha de estar preparado ao mesmo tempo e o Celso não entrou na situação. O facto de poderem vir constantemente fumar deixou de acontecer”, conta. “Falarem constantemente ao telefone também deixou de existir. Eram coisas que eu já tinha implementado, mas como não estava cá à noite não via.”
Apesar da tensão com o cozinheiro e com a ajudante de cozinha, Vitoriana, foi Domingas quem mais sofreu com a presença de Ljubomir. “Eu entrei num estado de nervosismo, em que não me conseguia controlar. Ele veio almoçar e, depois, a produção disse para fazermos a vida normal, ou seja, fomos para casa porque à noite estava a equipa do segundo turno.”
Domingas foi para casa (até ser chamada pelo chef) e Diogo foi para as aulas, porque está a terminar o 12.º ano. Por não estar nenhum proprietário presente à hora do jantar, Ljubomir acusou Domingas de falta de respeito. “Fizemos o que a produção nos mandou”, diz.
Mas houve uma situação que a tocou especialmente, pela negativa: “Eu tive problemas de saúde graves e, da primeira vez que ele veio falar comigo, logo no primeiro dia, ele disse ‘que não valia a pena estar a chorar, porque ele não era psicólogo de família.’”
Foi uma semana intensa. Dormiram pouco, havia câmaras por todo o lado, muita pressão e já cansaço acumulado. “Ele tem um feitio muito complicado. Eu bloqueei. Eu não conseguia falar com ele”, conta Domingas. “Eu só me lembro de chorar assim em duas situações da minha vida: quando o pai de uma grande amiga minha morreu, que era um grande senhor na minha vida, e quando morreu a minha tia, irmã da minha mãe.”
Domingas também foi acusada por Ljubomir de falta de humildade. “Tenho um primo de Portalegre que é chef [José Júlio Vintém] e eles são amigos. O chef disse-me que eu não tinha tido a humildade de lhe pedir ajuda. E eu expliquei que não pedi ajuda porque é uma pessoa com quem não me dou. Não somos amigos. Não nos chateámos, mas não temos afinidade.”
"Fiquei muito contente com a mudança." O que mudou no restaurante
Apesar do conflito, Domingas não se arrepende de ter chamado o chef e voltaria a fazê-lo. Tal como explicou a Ljubomir, o “Central estava em decadência e, se não tivessem ajuda externa, ia acabar por fechar” porque, apesar de não haver dívidas, “não estavam a faturar para as despesas.”
Foi de lamentar ter de vir uma pessoa de fora, porque aquilo que o chef disse, já eu tinha dito: ter de estar presente, de ter de me ajudar, de ter que tomar ele conta do Central. É o posto de trabalho dele, não é o meu projeto de vida"
Mas considera que foi uma ousadia: “Foi um grande risco chamarmos o programa a Portalegre. É uma cidade pequena em que toda a gente se conhece e nós expormos a nossa vida desta forma, acho que foi um ato de coragem.”
Diogo, apesar de tudo, adorou o chef, tanto que, quando está presente, chama a atenção à equipa, tendo em conta tudo aquilo que Ljubomir ensinou. “Foi de lamentar ter de vir uma pessoa de fora, porque aquilo que o chef disse, já eu tinha dito: ter de estar presente, de ter de me ajudar, de ter que tomar ele conta do central. É o posto de trabalho dele, não é o meu projeto de vida”, diz Domingas.
Há facas novas, frigideiras novas, tábuas novas. A carta está diferente. Há pratos que já vêm da oferta antiga, mas outros que foram sugeridos por Ljubomir. O tempero das azeitonas mudou, uma das sopas também. Os ovos mexidos com farinheira mantiveram-se, mas agora com alho francês, como sugeriu o chef. Passa a haver tomatada de ovos, secretos e bochechas de porco na carta. O bacalhau à Brás já existia, mas agora numa versão bastante mais sustentável. “Era um prato nosso, mas ele ensinou-nos a fazê-lo de uma forma em que poupamos imensa luz, imenso azeite, por exemplo.”
Nas sobremesas, surgiram os doces conventuais. Na decoração, as paredes foram pintadas, os candeeiros trocados e foi colocado um armário novo de madeira. Também há novas toalhas de mesa.
A sala de espetáculos que lá existia desapareceu, porque ou se é um restaurante ou um espaço de entretenimento. Ainda assim, manteve-se o bar (separado por uma parede da zona de restauração), onde há snooker e tiro ao alvo. “Fiquei contente com a mudança”, diz Domingas.
“Sobrou sempre para mim”, diz numa alusão ao Central e ao restaurante que teve com o ex-marido. “Mas agora não sobra mais. Se não resultar — com a vinda do programa, com o empenho do Diogo e com a redução de pessoal que tivemos de fazer (tínhamos muitas pessoas para a faturação) — é mesmo para um dia mais tarde fecharmos a porta.”