Les Carlisle recorda-se do dia em que teve de transportar um leão de helicóptero para a reserva. Há mais de 100 anos que esta espécie tinha desaparecido por completo das terras onde hoje fica a reserva Phinda, na África do Sul. Quando surgiu a ideia de devolver à terra àquilo que um dia o homem tirou, o gestor de conservação da &Beyond Phinda Private Game Reserve teve de ser original na melhor forma de transportar os animais.
Com os bancos recolhidos, Les Carlisle ia debruçado sobre o leão sedado, segurando-lhe nos ouvidos uns auriculares improvisados. Era importante reter ao máximo o som para evitar que o animal acordasse. O piloto do helicóptero, pouco habituado a levar um leão como passageiro, ia aterrorizado.
Quando o piloto estava a falar com a torre de controlo, Les Carlisle decidiu pregar-lhe uma partida e colocou-lhe a pata do leão no colo. Ele começou a gritar.
— O que é que se está a passar?
— Se eu te contar não vais acreditar.
— Insisto que me digas o que é que se passa.
— Tenho a pata de um leão no colo.
— Ok, tens razão. Não vou acreditar.
Situada na província sul-africana de KwaZulu-Natal, a quatro horas de carro de Joanesburgo e a 300 quilómetros de Durban, a &Beyond Phinda Private Game Reserve foi criada em 1991. Mais de 20 anos depois, tem um total de 28 mil hectares e uma abundante vida animal selvagem. Os Big Five estão lá — falamos dos cinco mamíferos selvagens mais difíceis de serem caçados pelo homem a pé: leões, leopardos, elefantes, búfalos e rinocerontes. Mas também há muitas espécies de antílopes e mais de 400 espécies de aves.
Referida várias vezes como uma das Sete Maravilhas do Mundo, a reserva Phinda tem sete ecossistemas únicos, que vão desde a floresta até aos campos rasteiros, sem esquecer a savana ou as áreas de mata alagadas. Tudo isto pode ser explorado duas vezes por dia pelos hóspedes que ficarem num dos nove lodges da reserva.
A incrível história da reserva Phinda
Estávamos em 1991 quando a &Beyond Phinda Private Game Reserve começou a ser criada. Situada bem perto do Oceano Índico, este espaço privado nasceu da vontade de povoar novamente com leões, leopardos, rinocerontes, elefantes, hipopótamos, chitas, girafas e zebras.
"O meu nome é Les Carlisle e fui contratado para construir a reserva privada em 1991", conta-nos o gestor de conservação da &Beyond Phinda Private Game Reserve quando lhe perguntamos como é que isto tudo começou. "Mas a visão teve início em 1990."
Foi por pura coincidência. A família Londolozi, que criou a Londolozi Private Game Reserve, na África do Sul, uma das primeiras reservas privadas no país, queria expandir o modelo de negócio. Desde 1926 que provavam que a conservação da vida animal selvagem podia caminhar lado a lado com uma economia sustentável.
Estava na altura de espalhar a palavra e replicar o modelo. A solução surgiu numa noite em que, junto a uma lareira, conheceram o dono de um lodge que tinha um terreno. "O resto é história."
Naquela altura, a reserva Phinda não era mais do que plantações de ananases e reservas de caça. Os animais já tinham passado por ali, mas o homem tinha tratado de os matar (quase) todos há cerca de 100 anos. "Só reintroduzimos animais que existiram um dia na área. Elefantes, rinocerontes, chitas, búfalos."
"As espécies que ainda existiam não eram em número significativo e estavam a ser perseguidas. Os leopardos estavam a ser caçados, as hienas estavam a ser caçadas, os leões já tinham desaparecido há muito tempo", conta à MAGG Mike Kirkinis, fotógrafo e embaixador da Leica. "Eles sentaram-se e decidiram que tinham de fazer alguma coisa para salvar a vida animal selvagem. Acredito piamente que esta é a última geração que pode fazer alguma coisa. Isto é conservação hardcore. É a nossa última opção."
Há muitos egos, e nós damos o nosso melhor para gerir esses egos. Já fizemos muitas coisas mal, mas fizemos mais coisas bem."
Outro dos grandes investidores na criação da reserva Phinda foi Tara Getty, neto do filantropo John Paul Getty, que detém uma parte significativa dela. O nome Getty não lhe é estranho? É normal. John Paul Getty foi um magnata do petróleo que se recusou a pagar 17 milhões pelo resgate do neto John Paul Getty III. Cinco meses depois e uma orelha enviada por correio para um jornal italiano, o valor desceu para três milhões. John Paul Getty aceitou pagar 2,2 milhões, o máximo dedutível nos impostos. O resto emprestou ao filho — com juros.
Já lá vão 27 anos desde que a reserva Phinda abriu. Sob o mesmo plano de gestão, detém atualmente nove lodges, uns sob gestão da &Beyond, outros pertencentes a privados. "Mas a vida selvagem é gerida como uma só", explica Mike Kirkinis. "Há muitos egos, e nós damos o nosso melhor para gerir esses egos. Já fizemos muitas coisas mal, mas fizemos mais coisas bem."
Uma das coisas que mais os surpreendeu foi como conseguiram de facto contribuir para a salvação de tantas espécies. A vida animal na reserva Phinda evoluiu de tal forma em quase três décadas que eles foram capazes de enviar chitas para o Malawi e rinocerontes para Botswana.
A reserva Phinda conseguiu contrariar aquela que continua a ser uma tendência em África: destruir a vida animal. Seja para construir plantações, reservas de caça ou minas, as espécies continuam a ser eliminadas. É possível voltar a inseri-las nestas regiões? É. Mas vai demorar muitos e muitos anos, e pode ser necessário substitui-las por outras sub-espécies.
"Acredito sinceramente que o futuro da vida animal selvagem está nas reservas privadas como Phinda, e não nas reservas geridas pelo governo. Porque é do nosso interesse assegurar que estes locais funcionam e são viáveis.
Os lápis dos miúdos
"Toma conta da terra, toma conta dos animoas, mas acima de tudo toma conta das pessoas". A frase é de Les Carlisle, mas é no fundo o mote da &Beyond Phinda Private Game Reserve. Ajudar a comunidade é um dos aspetos mais importantes da reserva, e é por isso que, dizem-nos, estamos a contribuir quando fazemos um safari. O dinheiro não vai apenas para os animais — vai também para as pessoas. E elas precisam muito de toda a ajuda possível.
O grande problema é que estamos a recompensar os miúdos que não estão na escola. Os miúdos que estão na escola é que merecem um lápis, não aqueles que faltaram à aula para ir acenar para os turistas."
Ninguém vive dentro da reserva. Mas é aqui que muitos trabalham. "O primeiro benefício que eles têm com uma reserva destas é emprego. O segundo são os turistas." Não se trata de dar dinheiro à comunidade (eles não fazem isso), mas sim de os envolver no projeto, dar-lhes uma forma de sustento e ajudá-los a atingirem os seus objetivos.
"Já ouviu falar dos turistas no Quénia que dão lápis aos miúdos?", pergunta Les Carlisle. "Os turistas ficam felizes, os miúdos ficam felizes. O que é que pode haver de mau nisto? O grande problema é que estamos a recompensar os miúdos que não estão na escola. Os miúdos que estão na escola é que merecem um lápis, não aqueles que faltaram à aula para ir acenar para os turistas."
A reserva Phinda tem tido um papel ativo junto da comunidade da região no sentido de mostrar à população como os safaris podem ajudá-los a ter uma vida melhor. "Quando construímos uma sala de aulas, fazemos questão que eles agradeçam aos elefantes e aos rinocerontes, porque foram eles que atraíram os turistas, que trouxeram o dinheiro, que por sua vez permitiu construir a sala de aulas", explica Les Carlisle.
"Também levamos os miúdos em game drives, para que eles percebam que não têm de ter medo dos animais", acrescenta Mike Kirkinis. "Eles estão aqui para os beneficiar."
Esta é a mensagem que a reserva está determinada a passar, tanto para a comunidade como para o resto do mundo: quem escolhe fazer um safari está a contribuir para salvar vidas, sejam as dos animais ou das pessoas que vivem na região. O dinheiro que investem numa viagem destas é aplicado para sustentar um modelo de negócio que é viável. E serve para assegurar um habitat natural para leões, girafas e zebras, mas também para criar postos de trabalho, construir salas de aula e ajudar a enviar miúdos para as universidades.
"Esta é a mensagem que o mundo tem de ouvir", diz Les Carlisle. "Querem assegurar a vida selvagem dos animais? Venham cá, venham vê-los no seu habitat natural. É a melhor forma de ajudarem."
A MAGG viajou para a reserva Phinda a convite da Huawei