É um dos hotéis mais procurados por turistas na Bósnia, mas quase ninguém sabe do seu passado negro. Durante a guerra da Bósnia, que decorreu entre 1992 e 1995, o Vilina Vlas Hotel serviu como campo de tortura e violação em massa por parte das forças paramilitares sérvias. Situado em Višegrad, a pouco mais de 100 quilómetros de Saravejo e bem perto da fronteira com a Sérvia, foram muitas as atrocidades ali praticadas.

Apesar de tudo, continua aberto. Dirigentes e autarcas negam os acontecimentos, e há mesmo tentativas de ocultar aquilo que aconteceu. Três mil pessoas morreram, mas ninguém quer contar a sua história.

O passado negro do Vilina Vlas

Ainda que os colchões dos quartos tenham sido mudados e as paredes pintadas de novo, toda a estrutura do hotel mantém-se intacta. O chão é o mesmo que, em 1992, tinha sangue entranhado nos azulejos de mármore. A piscina, uma das maiores atrações do hotel, era o local escolhido para as inúmeras execuções levadas a cabo por Milan Lukić. O líder do grupo White Eagles erradicou toda a população muçulmana da vila Višegrad, num genocídio sem precedentes na região.

A história do hotel ficou conhecida quando em 2011, Kym Vercoe, uma turista australiana decidiu visitar a Bósnia. Nos vários roteiros a que teve acesso, o hotel Vilinas Vlas surgia sempre recomendado pela facilidade de acesso e estâncias termais, que ainda hoje são duas das características mais importantes do espaço.

Sacavém. Batalhão de Adidos está abandonado há 12 anos
Sacavém. Batalhão de Adidos está abandonado há 12 anos
Ver artigo

Meses depois, e já de regresso a casa, em Sidney, Kym viria a descobrir a verdade numa breve pesquisa pela Internet. "Quando encontrei a página de Wikipedia referente ao Vilina Vlas, a primeira coisa que li foi que o hotel tinha servido como campo de tortura e violação durante a guerra", conta ao "DailyMail".

O choque veio de imediato. "Os guias turísticos nunca nos informaram do passado do hotel e da forma como era utilizado", revela Kym, que diz sentir-se revoltada pela maneira como se tenta branquear um período da História em que foram executados a sangue frio três mil prisioneiros e cerca de 200 mulheres violadas. Algumas com apenas 14 anos. A revolta fê-la juntar-se à realizadora Jasmila Zbanic para a realização de um documentário que procuraria tornar públicos os eventos em redor da região, e a forma como vários membros do governo se empenhavam em esconder os factos.

Lançado em 2013, "For Those Who Can Tell No Tales" veio mostrar a ambas as mulheres que a experiência ali retratada não era única.

"Numa conversa com um realizador francês, contou-me que tinha estado na Bósnia a filmar um novo filme e que numa das cidades havia uma energia muito negativa que o deixava desconfortável sempre que tinha de lá voltar", revela Jasmila ao "DailyMail", e diz não ter ficado surpreendida quando o realizador identificou a cidade como sendo Višegrad.

As mulheres eram violadas e torturadas durante horas e horas

Ao "Balkan Insight", uma das sobreviventes da guerra da Bósnia revelou em 2007 todos os momentos que viveu enquanto prisioneira do grupo de Lukić. A mulher, que pediu à publicação para não ser identificada, contou que tudo começou quando as forças paramilitares a encontraram escondida na floresta com o filho.

"Fui violada por Milan, o líder do grupo, que depois de pegar nas facas que guardava me perguntou qual era a mais afiada. Escolhi uma e foi a que ele usou para matar o meu filho. Depois disso violou-me outra vez."

A história desta mulher é arrepiante. "Violaram-me, mataram o meu filho e levaram-me para o Vilina Vlas Hotel". Muitas vezes ficava lá durante um dia. Às vezes mais. Entre o caminho do hotel para casa, era muitas vezes violada pelos vários membros do grupo paramilitar. "Davam-nos pedaços de pão que tínhamos de apanhar com a boca, queimavam-nos, cortavam-nos e violavam-nos."

Bakira Hasečić é uma das sobreviventes e fundadora da Associação de Mulheres Vítimas de Guerra
Bakira Hasečić é uma das sobreviventes e fundadora da Associação de Mulheres Vítimas de Guerra

Bakira Hasečić é também uma das sobreviventes que decide quebrar o silêncio. Enquanto fundadora da Associação das Mulheres Vítimas de Guerra, procura encontrar sobreviventes um pouco por toda a região para oferecer o apoio psicológico que merecem mas que, por terem sido esquecidas pelos vários governos, nunca tiveram.

Bakira não esquece o horror quando, há 26 anos, tudo mudou. "Com uma faca, exigiu que me despisse e assim o fiz", continua, embora não seja capaz de contar os detalhes em redor da violação.

Ainda assim, não tem dúvidas que relatar a sua experiência é a melhor arma que tem. "Como posso ajudar as restantes sobreviventes que, tal como eu, sofreram horrores imagináveis, se não conseguir falar sobre o que vivi?", pergunta Bakira, que ainda hoje não entende como é possível que para tantas pessoas da Bósnia estas mulheres não existam.

"Quando ouvem os nossos testemunhos, é mais fácil assumir que não são reais ou que não passam de propaganda muçulmana e dissidente".

O branqueamento histórico — das autoridades à população

O velho ditado popular que diz que depois da tempestade vem a bonança parece não se aplicar aqui. Para muitos dos sobreviventes da guerra, a tempestade nunca terminou. Se em 1991 existiam mais de 23 mil pessoas a viver em Višegrad, hoje o número de cidadãos equivale a menos de metade — uma consequência direta do genocídio étnico de 1992.

Ao "The Guardian", Nerma Jelacic, vice-diretora da Comissão Internacional de Justiça, diz que a agressividade com que as autoridades negam os factos levou a que novas gerações de cidadãos fossem educadas a ignorar a herança cultural que lhes pertence.

"Há uma negação do inegável — os sobreviventes sentem-se neglicenciados porque os horrores de que foram alvos nunca são reconhecidos, o que contribui para o trauma estrutural que os aflige." À mesma publicação, Mladen Djurevic, presidente da câmara de Višegrad, diz não ter interesse em discutir ou reconhecer o passado da região, naquela que se revela ser uma atitude transversal a várias organizações ou membros de altos cargos na autarquia.

O monumento em homenagem das vítimas do genocídio foi vandalizado pelo próprio governo, numa tentativa de esconder os factos
O monumento em homenagem das vítimas do genocídio foi vandalizado pelo próprio governo, numa tentativa de esconder os factos

Numa altura em que os meios de comunicação celebram sem pudor o genocídio de 1992, catalogando-o como "heroísmo sérvio" face a uma "etnia invasora e destrutora", são os sobreviventes que tentam chamar a atenção para as atrocidades que assolaram a região durante três anos.

Exemplo disso é o monumento erguido em homenagem às demasiadas vítimas assassinadas durante a guerra. Numa tentativa de esconder a realidade, o governo ordenou que a palavra "genocídio" fosse retirada da pedra — os sobreviventes responderam pintando-a de novo em tons carregados de negro.

O hotel continua aberto apesar da contestação

A petição para que Vilina Vlas fosse demolido não avançou, e o governo local preferiu investir milhões na reestruturação das estradas de acesso ao hotel e na criação de um novo lobbie de luxo para os hóspedes.

"Não faz sentido demolir o hotel mas sim inovar e expandir", diz Djuveric, apoiado na convicção plena de que viver agarrado ao passado foi sempre o primeiro impedimento à superação e ao sucesso. Já Nebojša Krlić, vice-diretor do hotel, nega que alguma vez o hotel tenha servido como palco para crimes de guerra, e garante que aos seus hóspedes só interessa a "qualidade do serviço prestado", que os distingue da restante oferta no mercado.

No TripAdvisor as opiniões dividem-se, em parte porque muitos dos hóspedes desconhecem a crua realidade do hotel
No TripAdvisor as opiniões dividem-se, em parte porque muitos dos hóspedes desconhecem a crua realidade do hotel

No TripAdvisor as opiniões dividem-se. Embora existam utilizadores a incentivar a estadia, há também uma minoria vocal que se insurge contra o hotel e contra aquilo que representa.

Um utilizador, de nome Gold48, escreveu, em agosto do ano passado, que é impossível dormir no Vilina Vlas, não só devido ao aspeto conservador e nada atrativo que apresenta "mas também ao passado histórico que carrega, em que serviu como campo de tortura de prisioneiros e violação de mulheres durante a guerra." Já o utilizador Pafrelma, em 2013, classificou o local com um dos mais importantes pontos de interesse para "compreender a divisão e o ódio que caracteriza a região das Balcãs."

Muitos hóspedes desconhecem a crua realidade em redor do hotel. "Anos depois de ter visitado a Bósnia, surpreende-me que as mentalidades não tenham mudado", diz Kym ao "DailyMail", e admite não saber o que possa ser feito para mudar a realidade, num contexto político e social muito específico em que é feito um esforço enorme para apagar o passado.

"Até haver uma mudança significativa, os hóspedes continuarão a dormir no hotel que outrora protagonizou um dos ataques mais sangrentos de toda a história sérvia."