Quando esta aventura de um ano pelo mundo não passava de um plano, já eu e o meu namorado, Nuno, tínhamos grandes expectativas quanto ao Vietname. A verdade é que este país tem-se mostrado ainda mais surpreendente do que sonhámos. Não é por acaso que este é o quinto artigo que publico sobre esta região do Sudeste Asiático. Pronto para uma viagem até Ho Chi Minh?

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Esta é a maior cidade do Vietname, e também aquela que apresenta o maior número de habitantes de todo o país: 13 milhões. É nesta grande metrópole que fica o centro financeiro do Vietname. Aqui os prédios são altos, por isso, de início, impôs-se a sensação de que a cidade nos engolia. Confesso que o trânsito caótico também não é muito convidativo logo à chegada. Aliás, chega a parecer impossível atravessar a estrada, porque a confusão de carros e motas é desenfreada e não tem fim. Só que como em todas as cidades do Vietname em que já estive, também aqui a descontração e animação sobressaem e contagiam. Assim, sem dar conta, Ho Chi Minh seduziu-me e num instante sentia-me confortável nesta cidade imensa e vibrante.

Aqui há muito para ver e fazer, e está sempre muita coisa a acontecer, por isso pode fazer a diferença marcar estadia num hotel central, que fique perto das principais atrações da cidade. Ficámos no Icon Saigon que fica mesmo no coração de Ho Chi Minh, perto de atrações como a Ópera, a Catedral de Notre Dame e a Estação de Correios.

São inúmeras as possíveis abordagens sobre esta cidade, porque é de facto muito aquilo que proporciona, mas impressionou-me a sua dimensão histórica. A partir de Ho Chi Minh, é possível chegar aos conhecidos túneis subterrâneos de Cu Chi, que constituem parte das maiores e mais eficazes "armas" levadas a cabo por vietnamitas contra os EUA durante a Guerra do Vietname, e não só.

SISTEMA DE TÚNEIS SUBTERRÂNEOS: UMA ARMA CONTRA O INIMIGO EM TEMPO DE GUERRA

Antes de mais, interessa lembrar que a Guerra da Indochina (1946-1954) promoveu o fim do domínio colonial francês nesta região, que englobava Vietname do Norte, Vietname do Sul, Laos e Cambodja. Os guerrilheiros comunistas, que lutaram pela independência da Indochina, designam-se de vietcongues e os Túneis de Cu Chi constituem parte das maiores e mais eficazes "armas" a que os mesmos deram origem. Mas já lá vamos.

A Guerra da Indochina terminou em 1954, contudo a paz durou pouco, já que logo em 1955, os Estados Unidos da América, que apoiaram França na contenção do comunismo na Ásia, viriam a confrontar o Vietname do Norte. Assim começa a Guerra do Vietname, que terminou em 1975, com a vitória de Ho Chi Minh, e a unificação do Vietname num só país.

Foi na década de 1940 que os vietcongues deram início à construção do conhecido sistema de túneis subterrâneos, que chegou a atingir os 250 km, permitindo a comunicação entre a antiga Saigão - hoje Ho Chi Minh - e a fronteira do Cambodja.

Durante a Guerra da Indochina, estes “corredores invisíveis” foram cruciais para garantir o contacto seguro entre inúmeras aldeias, que de outra forma, muito possivelmente, não teriam resistido aos ataques franceses. É no entanto durante a Guerra do Vietname que o impacto destes túneis se mostra avassalador.

O Vietname estava longe de igualar os EUA em armamento, estando por isso, aparentemente, em desvantagem. Só que esta realidade deu o mote para a expansão desenfreada da rede de túneis subterrâneos por parte dos vietcongues, o que viria a ser decisivo para que, contra todas as probabilidades, superassem o conflito.

A perícia, resiliência e determinação destes guerrilheiros levou à construção de um verdadeiro labirinto, com vários níveis de profundidade e destino ao desconhecido para qualquer visitante indesejado. Já aos inúmeros soldados vietnamitas, esta rede de túneis proporcionou alojamento, tendo também dado lugar a hospitais de campanha e cozinhas. Aqui encontravam-se ainda linhas de abastecimento de armas e alimentos. O controlo estratégico sobre as áreas rurais nos arredores da cidade era também feito a partir deste “percurso invisível”, que serviu ainda de armadilha contra o inimigo.

A ventilação e drenagem tornava semi-habitáveis estas construções subterrâneas, onde no entanto havia o risco de inundações, cobras (e outros animais perigosos), doenças e baixos níveis de oxigénio. É certo que, mesmo com todas estas limitações, esta “arma”, levada a cabo pelos soldados vietnamitas, foi determinante para que sobrevivessem e superassem a Guerra do Vietname.

VISITA AOS TÚNEIS DE CU CHI

Os túneis de Cu Chi são parte desta imensa e antiga rede de túneis e a sua localização explica esta designação inconfundível: situam-se em Cu Chi, um destino rural da cidade de Ho Chi Minh. No final da década de 60, esta zona foi alvo de bombardeamentos por parte dos EUA, e assim a maioria dos túneis foi destruída. Contudo, parte mantém-se preservada até hoje e constitui um Memorial de Guerra, que é possível visitar.

Já várias pessoas me tinham dito que a visita aos Túneis de Cu Chi é uma experiência muito forte e imperdível, por isso não pensei duas vezes sobre se a incluiria nesta minha passagem por Ho Chi Minh.

Procuro sempre absorver o máximo da história e cultura dos sítios por onde passo, por isso, decidi logo à partida que passaria por esta experiência em contexto de tour, com um guia e, após alguma pesquisa, cruzei-me com a Vietnam Adventure Tours. Pela variedade de tours disponíveis, e também pelas avaliações online, esta pareceu-me a melhor opção.

Liguei à empresa com o intuito de perceber qual seria o tour mais interessante, e fiquei convencida a fazer o de um dia. Inclui visita aos túneis, almoço, e também um passeio pelo Rio Mekong, através do qual é possível aceder a uma aldeia típica e presenciar costumes da vida local do Sul do Vietname. O valor por pessoa é 75€, mas há muitas outras opções, a outros preços.

Este tour tem qualidade e é bastante completo: começa às 7h30 e termina às 19h. É prolongado porque passamos muito tempo em viagem, já que são muitos os quilómetros a percorrer para chegar a todos os locais. A carrinha em que fui era muito confortável e tinha lugar para um total de sete turistas, por isso, foi rápido e fácil ficarmos todos à vontade. O facto de sermos poucos permitiu que conversássemos de facto, o que tornou a experiência ainda mais rica, especial e intimista.

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O guia é fluente em inglês e, não só domina a história do país, como é apaixonado por ela, por isso é capaz de transmitir as mensagens de forma simples e, dentro dos possíveis, traz-lhes alguma leveza. Este aspeto pode parecer irrelevante, mas não é, porque esta é uma experiência algo dura e intensa. É impressionante pisar aquele chão, que há 50 anos foi palco de um conflito tão violento. Não vou mentir, o mergulho neste cenário de guerra é profundo e impactante. É impossível ficar indiferente.

Ao longo do tour, o guia mostra-nos muitas das armadilhas que os vietcongues elaboraram, e que escondiam na selva, com o objetivo — que cumpriram — de atingirem o inimigo de surpresa. Nestes detalhes fica bem clara a astúcia que os caracterizava: apostavam com todo o engenho em soluções baratas, inteligentes e, sobretudo, eficazes.

É possível entrarmos num buraco camuflado com folhas que, uma vez tapado, fica imperceptível. Serviu, por um lado, de esconderijo aos vietcongues, e por outro, de armadilha contra os americanos. Este espaço é muito apertado, quer em perímetro, quer em largura, o que permitia que os vietnamitas, naturalmente de estatura pequena, se abrigassem aqui sem problemas. O mesmo não se verificava no caso dos americanos, naturalmente de estatura maior e portadores de equipamento militar. Aqueles que procuravam abrigo aqui, acabavam por ver-se num beco sem saída, porque se por um lado não cabiam no buraco, por outro ficavam presos. Assim tornavam-se alvos fáceis para os vietcongues.

É também possível percorrer parte dos Túneis de Cu Chi. Com exceção da entrada, adaptada a turistas, os túneis são bastante estreitos e baixos, pelo que só é possível percorrê-los de cócoras. Os túneis têm saídas a cada 20 metros e só é permitido aceder aos mesmos com a presença de um guia. Não é recomendada a entrada a visitantes com histórico de problemas cardiovasculares, doenças respiratórias, claustrofobia e que tenham mais de 70 anos.

Embora a (muito) medo, arrisquei e percorri-os. Confesso que causa alguma aflição. O espaço é de facto apertado, o cheiro é pesado e não passa qualquer aragem. Passei com rapidez e desejosa de voltar à superfície. É aterrador pensar que este cenário foi casa de inúmeros vietnamitas durante a guerra. Não parece de todo possível.

Esta está longe de ser uma experiência ligeira, mas é única e obrigatória.