Hoi An pede uma visita demorada, porque embora pequena, é palco das mais encantadoras ruas e ruelas, que nos proporcionam de tudo um pouco, sem serem exaustivas. Arriscaria dizer que uma semana e meia aqui é o ideal, embora acredite que, mesmo assim, à despedida, possa impor-se a sensação de que não foi suficiente. É certo que passamos por isso várias vezes quando vamos de férias, mas neste caso senti mesmo que foi diferente. Esta cidade abraça-nos, é muito especial. O intuito da publicação de hoje é partilhar com o leitor porquê.
Antes de qualquer coisa, interessa referir que teve lugar em Hoi An um dos portos comerciais mais agitados de toda a Ásia, que ligou mercadorias e comerciantes do Sudeste e Leste Asiático a todo o mundo. Este porto comercializou amplamente entre os séculos XV e XIX, mas viria a entrar em declínio no final do século XIX. Depois desta época áurea, a cidade viu-se abandonada por muitas dezenas de anos, e a consequência é encontrar-se intacta, ou pelo menos quase, até aos dias de hoje. O que vemos ao chegar a Hoi An, transmite mesmo a ideia de estarmos num local que parou no tempo. Não só a cidade é medieval, como apresenta uma fusão de estilos e culturas. Hoi An preserva até hoje as influências que herdou do longo período em que esteve exposta ao mundo, ou seja, saltam à vista traços vietnamitas, chineses, indianos, japoneses e franceses, pelo menos. Esta mistura é surpreendente e explica o reconhecimento como Património da Humanidade, atribuído à cidade pela UNESCO em 1999.
Hoi An conta com apenas cem mil habitantes, aproximadamente, e é uma cidade pequena, onde é fácil chegar a tudo. O passeio faz-se a pé ou de bicicleta, aliás, durante boa parte do dia não é sequer permitido circular de carro no centro histórico. É comum ouvir-se dizer que o trânsito é caótico no Vietname, com motas a passar segundo a segundo, sem respeitar as regras de trânsito. Do que vi em Hanói e em Ho Chi Minh, posso confirmar que é verdade, mas esta regra não se aplica a Hoi An.
Nas horas mais quentes, entre as 11h00 e as 17h00, a cidade fica deserta, o que permite desfrutar das ruas com outros olhos e outra calma. É facto que o calor custa, mas não é hipótese perder a oportunidade de mergulhar neste cenário pitoresco com toda a tranquilidade e silêncio possíveis, certo? Vale a pena.
Por falar em calor, aqui as temperaturas são muito altas o ano todo, por isso, pode fazer a diferença fazer a reserva num hotel que tenha piscina. Nós ficámos no Allegro Hoi An e gostámos muito. É central, dispõe de bicicletas que usámos diariamente sem qualquer custo adicional, a piscina está disponível até às 22h00 e o pequeno-almoço é uma delícia.
Mas voltando às graciosas ruas de Hoi An, que ao fim do dia enchem-se de gente, num ambiente de festa, que não cansa. A cidade é turística, não há dúvida, mas é acima de tudo de uma beleza singular. As cores estão por toda a parte, quer nas casas antigas, sobretudo amarelas e cor-de-rosa, quer nos candeeiros envolvidos em tecidos coloridos que as decoram. Quase me esquecia das flores, que por sua vez parecem acompanhar as cores dos ilustres candeeiros.
A harmonia é geral por aqui, e isso nota-se ainda mais quando anoitece, porque os candeeiros, que já favorecem a cidade à luz do dia, iluminam-se de noite, tornando Hoi An ainda mais romântica e mágica. À noite é possível fazer um passeio de barco de vinte minutos pelo Rio Thu Bon. São inúmeros os guias a oferecer este serviço e o valor não é tabelado. Nós pagámos quatro euros e valeu muito a pena. Os candeeiros coloridos iluminados que vemos na cidade estão também presentes em cada um dos barcos e dão origem a um cenário de múltiplas luzes coloridas que deixam a sensação de estarmos a levitar num universo quase paralelo. É espetacular. Há quem diga que Hoi An é a Veneza do Sudeste Asiático, porque tal como em Itália, também aqui o rio sobressai, mas a magia das luzes torna a passagem por aqui absolutamente inesquecível.
Apesar do rebuliço que se faz sentir mais à noite, Hoi An não deixa de ser uma cidade pacata, já que dispõe de vários cafés e restaurantes à beira-rio, afastados da confusão, a partir dos quais é possível desfrutar de uma bebida gelada e contemplar a paisagem.
Como se não bastasse tudo o que tenho vindo a revelar ao leitor, Hoi An dispõe ainda de uma excelente e variada oferta de artesanato, tecidos, couro e alfaiataria. Este último ponto surpreendeu-me, porque o serviço é maravilhoso, rápido, e o preço a pagar pela roupa feita por medida é bastante acessível. Eu acabei por não comprar não nada, mas precisei de arranjar a minha carteira, porque a alça rasgou-se. Paguei apenas dois euros e o trabalho ficou muito bem feito em apenas vinte e quatro horas.
Uma viagem gastronómica pelos sabores do Vietname
Hoi An encantou-me por tudo o que tenho vindo a partilhar com o leitor, mas há mais. Eu não queria acreditar quando soube que tinha conseguido um lugar no melhor tour gastronómico da cidade. The Original Taste of Hoi An é o nome oficial deste projeto, sobre o qual eu já tinha ouvido falar muito bem. Venceu o prémio de Melhor Storytelling para Amantes de Gastronomia em Viagem no Food Trekking Awards 2019, um concurso levado a cabo pela World Food Travel Association, que homenageia a inovação e a excelência no turismo gastronómico.
The Original Taste of Hoi An é um projeto levado a cabo por Neville Dean e a sua mulher, Colleen, um casal de australianos, ambos com 75 anos, que renderam-se aos encantos desta cidade do centro do Vietname. Decidiram em 2011, aos 64 anos, que estava na altura de arriscarem e abdicarem da vida estável que tinham em Hobart, na Austrália, para darem início a uma nova, longe de "casa” e da família, mas perto um do outro e daquilo que os fazia sentirem-se vivos.
Este tour consiste num passeio meticulosamente organizado e dividido por secções, cada uma liderada por um diferente membro da equipa. O valor por pessoa é aproximadamente 70 euros (75 dólares) e vale mesmo muito a pena.
Às 07h20 veio buscar-nos ao hotel um motorista. Introduziu-nos ao tour e levou-nos até à primeira paragem, um espaço onde nos esperava Ms. San, a nossa primeira guia gastronómica. Começou por perguntar se queríamos cerveja. Eu, que nem gosto de cerveja, arrisquei e disse que sim. A verdade é que gostei. Esta é a típica cerveja vietnamita, mais doce do que as que estou habituada a provar e, pareceu-me, com menos gás. Estava muito fresca, o que não podia ter sabido melhor, já que o calor era muito, mesmo àquela hora do dia. Por causa da pandemia, ainda não são muitos os turistas a viajar para o Vietname, por isso tivemos o privilégio de poder desfrutar de toda esta experiência apenas com uma rapariga da Suíça, que estava tão entusiasmada quanto nós.
Enquanto eu dava os primeiros golos na cerveja, chegou à mesa um prato típico de noodles, que devorei num ápice. Quão suculento e saboroso. Baixei os talheres, peguei no guardanapo, e em segundos já novas iguarias estavam a chegar. O bom aspeto deixou-me logo com vontade de provar e, na verdade, as expectativas foram superadas: delicioso e estaladiço.
“Não podem dizer-me que já estão cheios, porque o tour só termina quando tiverem provado o prato número quarenta”, disse-nos Ms. San, em tom de brincadeira. É verdade, este tour gastronómico consiste num menu de degustação imenso, mas alimenta-nos o estômago e também a alma. Porque parte do tour acontece em movimento pela cidade.
Terminada a ronda de provas nesta primeira paragem, seguimos caminho pelos mercados e ruas de Hoi An. Esta é a cidade onde a nossa guia sempre viveu, por isso ninguém melhor do que ela para nos dar a conhecer o que de melhor há por aqui. Guiados por Ms. San, andamos então de banca em banca, a provar as mais deliciosas e surpreendentes iguarias de Hoi An, mas também a aprender sobre esta cidade única.
Sentámo-nos entretanto num restaurante, onde nos deram a provar baguetes acabadas de sair do forno e, por isso, bem crocantes, com ovo a escorrer e cheiro forte a picles e pimenta. De passagem pelos mercados, provámos ainda tofu quente em tigelas improvisadas. Continuámos caminho pelas ruas da cidade e impressionou-me a paragem numa outra banca de rua, mesmo colada à estrada, na qual eu possivelmente jamais pararia se não fosse a nossa guia. O dono era um senhor já com alguma idade, cuja mulher serviu-nos uma espécie de mousse de sésamo em tigelas de porcelana azul e branca. O aspeto não me convenceu muito, mas surpreendi-me pela positiva. A textura cremosa combina com a temperatura quente do prato, que me deixou com os dentes todos pretos, “mas com certeza mais saudável”, disse Ms. San, que explicou que esta receita é muito usada aqui para regularizar a tensão arterial.
Às 09h30 o calor estava incomportável, já tínhamos caminhado bastante e comido mais ainda. Parecia impossível estarmos apenas a meio da viagem, porque a sensação era de não conseguirmos provar mais nada. Nesta altura, desejávamos poder parar num sítio fresco e, sem estarmos a contar, foi isso mesmo que aconteceu. A segunda parte do tour decorre no escritório de Neville, o senhor australiano de que falei antes, e que deu origem a este projeto. Aqui, não só o conforto é garantido, como é possível refrescar. Sentámo-nos então à mesa com este anfitrião tagarela e generoso, que mostrou ter um conhecimento quase enciclopédico sobre as delícias da culinária vietnamita.
À conversa com Neville, devorámos mais um sem número de porções da cultura de Hoi An, enquanto nos deliciávamos com as especialidades que iam chegando à mesa. Afinal, há sempre espaço para mais uma iguaria suculenta e crocante, certo?
Esta experiência é de facto única e completa, porque a cada prato que provamos, corresponde uma nova visão sobre as vidas e leis dos habitantes locais. Como disse Neville, e bem, já no fim do tour, “a cozinha vietnamita diz respeito a 1700 pratos com variações regionais. Não viveremos o suficiente para os experimentarmos a todos, ainda mais porque somos estrangeiros, mas vale tentarmos”.
Fica realmente muito por provar e aprender, mas também a certeza de que vou voltar. Esta é uma cultura rica e complexa, que dá mesmo gosto descobrir.