Lembram-se do tempo em que comer um fio de esparguete ficava mal, porque toda a gente sabe que os hidratos não são nossos amigos? Pronto, essa diabolização transitou de alimento e aterrou na carne, tanto que existe quase uma espécie de meat shaming relativamente a quem opta por manter alimentos de origem animal nas refeições. Quem tem amigos veganos pode muito bem saber daquilo que estamos a falar.
Os pretextos para a eliminação ou diminuição do consumo de carne são vários e um deles — o mais preocupante — relaciona-se com o ambiente. Sabemos que a indústria alimentar da carne é uma das que mais poluem e que mais recursos naturais gastam. O consumo de carne deve ser moderado (muito mais face ao que ainda se consome) e a escolha das fontes mais criteriosas, porque sabemos que há animais que são criados em condições miseráveis, injetados com hormonas, que passam depois para quem os come, o que significa que também a sua saúde poderá sair lesada. Mas há quem considere que há outros pretextos, nomeadamente o facto de ingerir animais — sobretudo se cozinhados — ser "anti-natura".
“Se acham mesmo que isto é natural, cacem os vossos animais com as próprias mãos, dentes e devorem as partes do corpo cruas”. É esta a frase que se pode ler na publicação de uma utilizadora do Facebook, que também no post publica uma fotografia, no mínimo, desconcertante: uma boca com pedaços de carne crus.
Não tardaram a surgir respostas. Uma das mais comentadas foi a de Lindsen Lonsdale, que apresentou vários argumentos para lhe provar o contrário. “O passo evolutivo de comer carne em vez de apenas vegetais foi o que possibilitou os nossos ancestrais de conseguirem o conteúdo calórico que lhes permitiu ter mais energia para o desenvolvimento cerebral”, pode ler-se. Continua: “Curiosamente, o segundo passo evolutivo passou por cozinhar a carne em vez de a comer crua, o que aconteceu há cerca de 2500 anos.” Segundo a utilizadora, confecionar a carne, além de adicionar mais calorias, tornou-a mais fácil de se comer.
“A única razão por que hoje as pessoas conseguem viver numa dieta puramente vegetariana ou vegana é pela abundância de comida disponível — em grande parte, graças aos caçadores recolectores, à pecuária e à agricultura, há cerca de 10 mil anos.”
Para finalizar, a utilizadora remata referindo o que é, na sua perspetiva, de facto, “natural”: “Comer carne (e cozinhá-la) é mais ‘natural’ do que viver com uma dieta puramente vegetariana, uma proeza tornada possível pelo estilo de vida moderno.”
Vários utilizadores ficaram do seu lado, aproveitando a polémica para fazerem várias piadas.
Também houve quem viesse defender o contrário:
Terá Lonsdale razão? Cientistas confirmam que, de facto, sem carne, “não seriamos o que somos hoje”, diz o “Bored Panda”. A carne é rica em proteína, ferro, vitamina B-12, só que, hoje, esses nutrientes conseguem obter-se através de suplementos e de outros alimentos. O que interessa é conhecê-los, sem esquecer a qualidade dos mesmos, uma vez que não é igual em todas as fontes. O consumo de carne é “seguro”, aponta William Kormos, da Harvard Men's Health Watch, ainda que vários estudos tenham vindo relacionar o seu consumo ao aparecimento de doenças, sobretudo quando optamos pelas processadas, produtos incluídos na lista de alimentos potencialmente cancerígenos da Organização Mundial de Saúde. Há que ter, por isto, cautela. O consumo pode ser feito, mas deve ser moderado, o que significa que não é suposto que seja diário.
Em termos de saúde, aquilo que a comunidade cientifica diz é que convém diminuir, mas não é preciso eliminar. Ser vegano não é sinónimo de ter menos saúde. É possível fazer-se uma alimentação completa e equilibrada recorrendo apenas a alimentos de origem vegetal. Mas também é preciso cuidado, porque há que estar a par das necessidades nutricionais, da composição dos alimentos e da capacidade que o nosso corpo tem para absorver aquilo que faz parte deles. Ser vegano não deixa ninguém doente, mas a falta de acompanhamento e de informação pode fazê-lo.