Uma voz pelos direitos das mulheres, filha de um judeu ucraniano, e a mais antiga juíza do Supremo dos Estados Unidos da América. Assim era Ruth Bader Ginsburg, a magistrada de 87 anos que morreu esta sexta-feira à noite, 18 de setembro, na sua casa em Washington.

Em 1999, Ruth tinha sido diagnosticada com cancro do cólon e dez anos mais tarde, em 2009, com cancro do pâncreas. Mesmo depois de ser submetida operações e tratamentos de quimioterapia e radioterapia, o cancro no pâncreas complicou-se recentemente, que acabou por não resistir. Contudo, nem mesmo nos últimos tempos de vida Ruth Bader Ginsburg baixou a força que a moveu ao longo do seus 87 anos, recusando-se a abandonar o posto no Supremo Tribunal, no qual trabalhou quase até à sua morte.

Ginsburg, nascida a 15 de março de 1933 em Brooklyn, foi a primeira judia a ocupar um cargo no Supremo Tribunal de Justiça dos EUA, em 1993, durante a presidência de Bill Clinton, e ao longo da sua carreira foi consolidando o respeito que tinham pelo seu metro e meio de valores de grandes dimensões, entre os quais o feminismo.

A história da juíza foi retratada no filme "Uma Luta Desigual", lançado em 2018, no qual são abordados muitos dos feitos da juíza que morreu sem cumprir um dos seus desejos: "Não ser substituída antes de um novo presidente tomar posse", disse poucos dias antes de morrer vítima de um cancro.

Até aqui percebemos que esta mulher lutou de forma destemida, mas revelamos 5 pontos que mostram como Ruth Bader Ginsburg foi mesmo uma mulher incrível.

1. Co-fundadora de projeto dos direitos das mulheres

Desde cedo que Ruth sabia bem as causas pelas quais queria lutar. Depois de ter estado na Suécia e de contactar com movimentos feministas que emergiam na década de 50 naquele país, Ruth Bader Ginsburg decidiu dedicar-se também à luta pela igualdade nos Estados Unidos, para onde foi posteriormente para estudar Direito Comparado.

Nesse seguimento, além de ter sido co-fundadora da revista “Women’s Rights Law Repoter”, em 1970, esteve também por detrás da fundação e direção do Projeto dos Direitos da Mulher na União Americana pelas Liberdades Cívicas (ACLU), onde trabalhou como advogada voluntária.

Durante a luta pela igualdade, vários lemas acompanharam Ruth, entre os quais uma mensagem em que a juíza dizia: "Lute pelas coisas sobre as quais se interessa, mas faça-o de forma que outros se juntem a si".

2. A segunda mulher e primeira judia do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA

As raízes judias de Ruth Bader Ginsburg nunca foram impedimento para o percurso que viria a traçar nos EUA. Era filha de imigrantes, sendo que o pai era um judeu ucraniano e a mãe, Celia, nascida nos Estados Unidos, filha de judeus austríacos. Não tendo a possibilidade de tirar um curso superior, Celia fez questão de apostar na educação da filha, que se formou em Direito nas Universidades de Cornell, Harvard e Columbia. Já aqui era notória a clivagem na igualdade de direitos, uma vez que Ruth era das poucas mulheres a frequentar o seu curso.

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Contudo, nada a demoveu, em parte devido aos valores que a mãe, que morrera também de cancro durante a adolescência de Ruth, lhe transmitiu. "Ensinou-me a ser alguém que se aferra às suas convicções e ao respeito por si mesma, alguém que é boa professora, mas não ralha zangada. As recriminações não servem para nada”, lembrou a magistrada.

Esta determinação deu frutos quando, no mandato de Bill Clinton, em 1993, foi a escolhida para o Supremo Tribunal da justiça. Ginsburg tornar-se-ia assim, aos 60 anos, a segunda mulher, depois de Sandra Day O’Connor, e primeira judia a integrar o mais alto tribunal judicial dos EUA.

Ruth Bader Ginsburg
Ruth Bader Ginsburg e Bill Clinton créditos: @portalemtempo/Twitter

3. Fez com as mulheres tivessem acesso ao ensino militar

O prestigiado Instituto Militar da Virgínia (VMI), uma escola financiada pelo Estado, até à década de 90 proibia a entrada de mulheres, mas Ruth, mais uma vez, assumiu o seu papel enquanto defensora da igualdade entre sexos e escreveu uma decisão desafiante e inovadora.

Em 1996, a juíza mudou o rumo do VMI, fazendo com que o Instituto passasse a admitir mulheres, pondo assim fim a uma tradição de 157 anos de educação exclusivamente masculina. 

Na altura Ginsburg argumentou que "se as mulheres devem ser líderes na vida e no exército, então os homens têm de se habituar a receber ordens das mulheres", disse e acrescentou: "E os homens não se habituarão se as mulheres não forem deixadas entrar". Solução? Deixá-las entrar, tal como aconteceu.

4. Uma das 100 personalidades mais influentes do mundo

É fácil de perceber as razões que levaram a revista “Time” a nomear Ruth Bader Ginsburg como uma das 100 personalidades mais influentes do mundo.

A magistrada, que já foi comprada ao rapper Notorious BIG, tendo-lhe sido atribuído o título de “Notorious RBG”, ficou entre nomes femininos influentes como Coco Chanel, Anna May Wong, e Madonna.

Na altura, o seu colega e amigo Antonin Scalia, juiz conservador, escreveu: "Ruth Bader Ginsburg teve duas carreiras jurídicas distintas, qualquer uma das quais a qualificaria para ser uma das 100 da Time", escreveu Scalia, que morreu em 2016.

Ruth Bader Ginsburg
Ruth Bader Ginsburg créditos: TIME

5. Um ícone

O sucesso de Ruth Bader Ginsburg não ficou apenas marcado nos registos do Supremo Tribunal. Passou também a ser cara de canecas e tatuagens — talvez como forma de os fãs levarem a inspiração de Ruth para qualquer lado.

O seu nome passou a ser particularmente conhecido através do meme "Notorious RBG", criado em 2013 por Shana Knikhnik, uma estudante de Direito, que mais tarde deu origem a um blogue e um livro, razão pela qual hoje em dia a juíza é conhecida como "RBG".

A admiração pela figura da mulher elegante de cabelo escuro puxado para trás e os habituais fatos Armani aumentou quando Ruth mostrou o seu apoio ao movimento #MeToo contra os abusos sexuais, fazendo com que muitos quisessem vesti-la, quer estampada em T-shirts, quer de fato completo no Halloween.