Que levante a mão quem tem a sensação que a azáfama dos presentes e as festividades de dezembro já foram há meses quando, na verdade, ainda estamos a 15 de janeiro. Se deu por si a concordar com esta afirmação (pausa para choque, mas nem por isso), não está sozinho. Apesar de nos munirmos todos de grandes resoluções e planos para um novo ano, a verdade é que a chegada de janeiro nem sempre é positiva — e muito tem que ver com as expetativas que colocamos nos 12 meses seguintes do calendário.
"Janeiro é um mês que pode acarretar emoções complexas. Por um lado, confrontamo-nos com a 'digestão' da época festiva, por entre todas os aspetos agradáveis e também desafiantes que tem. Por outro, iniciamos um ano novo com imensa pressão para mudar, fazer acontecer, traçar metas e 'desta vez é que vai ser'", salienta Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica da Academia Transformar. "Só que, à medida que janeiro progride, confrontamo-nos com a realidade: não é porque o ano mudou que tudo se transforma por magia e a motivação é altamente volátil, pelo que não é confiável", reforça a especialista à MAGG.
A gestão de expetativas — nossas e dos outros — é, então, uma das grandes razões da má fama do mês. "Dia 3 de janeiro está em alta, dia 20 está em queda abrupta", explica a psicóloga clínica, que salienta que, embora os planos para o novo ano, as ditas resoluções, possam ser feitas com um ímpeto positivo, podem também ser prejudiciais.
Cuidado com as resoluções de Ano Novo. "Um desejo por si só não muda nada"
Perder peso, ganhar músculos, fazer mais exercício. Mudar de emprego, trabalhar menos, cuidar da saúde mental. Viajar, mudar de casa, investir num novo hobby, começar finalmente uma conta poupança. São muitas as resoluções em que pensamos de cada vez que vemos a contagem decrescente anunciar o fim do ano velho e o início de um novo, mas passada a 'pica' inicial, como conseguimos lidar com a falta de força de vontade ou outras impossibilidades para colocar todos esses planos em marcha?
"Um desejo por si só não muda nada. Há que ter autoconhecimento suficiente para traçar objetivos alinhados com a fase de vida em que nos encontramos, considerando os nossos talentos, valores e paixões", salienta Filipa Jardim da Silva, que reforça que há que conhecer bem os processos de mudança.
"O alvo de mudança não somos nós, mas sim os nossos hábitos e bloqueadores internos. Por isso, quando trocamos a crítica destrutiva e o julgamento por curiosidade e empatia, permitimo-nos encarar janeiro como uma oportunidade para iniciar, continuar ou reiniciar um capítulo do nosso livro da vida, sem idealizações ou metas utópicas e com espaço para falharmos e aprendermos com essas falhas", refere a especialista — que sabe bem do que fala, ou não tivesse lançado um livro justamente sobre mudanças.
Mas, afinal, as resoluções de Ano Novo são más? Para Filipa Jardim da Silva, são tentadoras. "Fazemos imensas resoluções imbuídos pela adrenalina das 12 badaladas. Devemos ser ambiciosos, ter uma mentalidade vencedora e sonhar além do céu, dizem-nos. Só que esses ingredientes podem ativar mais bloqueadores internos de mudança do que propriamente aproximar-nos de algo bom", alerta. Assim, na ótica da psicóloga, é importante traçar objetivos que nos sirvam realmente "mais do que objetivos para impressionar seja quem for".
"Não se perde ou ganha um ano em janeiro"
"Conhecendo as várias etapas de um processo de mudança, há que saber como transitar de etapa para etapa. Um ano é feito de 365 dias, pelo que qualquer meta que possamos definir deve ser encarada como um processo em jeito de maratona e não como uma corrida de 100 metros. Não se perde ou ganha um ano em janeiro. Retirar essa pressão sobre o primeiro mês do ano assim como nos posicionarmos de uma forma mais sábia em relação às metas que queremos traçar (que podem passar por objetivos de manutenção de alguma coisa e não propriamente transformação) é essencial."
Fica mais triste com dias cinzentos? Há uma explicação
Se faz parte do grupo de pessoas que ainda encara janeiro com mais irritação devido aos dias serem chuvosos, cheios de nuvens e escuros, e isso chega a deixá-lo verdadeiramente triste, saiba que não é apenas uma sensação — e há mesmo uma razão plausível para tal.
"Os dias mais curtos, frios e menos luminosos contribuem para o Transtorno Afetivo Sazonal. Não sendo totalmente clara a razão pela qual os sintomas de depressão surgem especificamente em determinadas alturas do ano, partindo da investigação realizada, acredita-se que tal se relaciona com a exposição solar e com o efeito direto da luz na produção de vitamina D, assim como de serotonina e melatonina no cérebro", refere Filipa Jardim da Silva.
As condições meteorológicas dos meses mais frios podem levar a maior isolamento e contribuir para uma tristeza persistente
Trocando por miúdos, em algumas pessoas, a diminuição da luz solar no outono pode mesmo provocar um desequilíbrio nos níveis desses neurotransmissores, provocando mais cansaço, sonolência e/ou irritação. "Também o ritmo circadiano, a adaptação do corpo a uma determinada rotina do dia e horas de sono, pode ser afetado pela menor luz solar nos meses frios", acrescenta a especialista, que deixa um alerta.
"As condições meteorológicas típicas destes meses mais frios conduzem habitualmente a alterações de comportamento, como um maior isolamento, menor tempo de exposição ao ar livre, menor número de atividades físicas e sociais, fomentando fatores de risco para uma tristeza mais prevalente ou até para o desenvolvimento e agravamento de um transtorno depressivo."
Onde é que traçamos a linha entre o desânimo e a existência de um problema real?
Embora possamos estar todos um pouco mais em baixo em janeiro — tanto que esta segunda-feira, 15, até se celebra o dia mais triste do ano —, nem tudo é sinal de alarme. "É natural e expectável que, ao longo de um dia, semana e mês, possamos experienciar diferentes emoções e diversos estados de energia", diz a psicóloga clínica, que salienta como podemos diferenciar um desânimo dito normal de algo mais grave.
"É importante que estejamos atentos a nós mesmos, diferenciando o que são oscilações de humor ou energia ligeiras, com pouca afetação da nossa funcionalidade diária, e o que são oscilações mais severas e permanentes no tempo, que se tornam incapacitantes."
Filipa Jardim da Silva enumera alguns sinais que não devemos ignorar:
- fadiga constante;
- tristeza mais prevalente, mais intensa e que se perpetua mais;
- ansiedade mais prevalente ou mais intensa;
- alterações de apetite:
- sensação de vazio e de falta de valor;
- dificuldades de concentração;
- irritabilidade;
- perda de interesse em atividades sociais;
- alterações nos padrões do sono.
Para além de procurar ajuda se der por si com algum destes sinais, há que perceber que não é só quando eles surgem — ou só devido à tristeza de janeiro — que deve cuidar da sua saúde mental. E há todo um conjunto de atitudes preventivas ao seu alcance.
"Cuidar de nossa saúde mental é fundamental durante os 365 dias de um ano", diz a psicóloga, que enumera o que fazer para garantir uma maior estabilização de humor. "Práticas de higiene psicológica são um primeiro passo. Tal como o nome indica, a par da higiene física e oral, é importante assegurarmos diariamente que cuidamos da nossa saúde psicológica através de momentos de auto-observação ao longo do dia, em que as pessoas se permitem nomear e explorar pensamentos, emoções e sensações físicas presentes, identificando as necessidades que possam estar a ser expressas. Exercícios que fomentam a atenção plena e ativação dos sentidos como práticas de meditação mindfulness ou práticas informais de atenção focada como journaling ao início e ou ao final do dia, garantindo um momento de reflexão produtiva por escrito, bem como respiração diafragmática e consciente."
Para além disso, a especialista refere a importância de obter alguma exposição solar diariamente, "seja diretamente com uma breve caminhada ao ar livre, seja indiretamente, com abertura das janelas de casa e do local de trabalho, para que entre o máximo de luz natural, dado que a suplementação de vitamina D é benéfica, sobretudo nestes meses mais escuros do ano".
Para terminar, há outros pilares de bem-estar que não devem ser descurados. "Mexer o corpo, adotar uma alimentação diversificada e equilibrada durante todo o ano — privilegiando alimentos ricos em vitaminas e minerais e não tão saturados em gordura ou açúcar —, contrariar o isolamento com momentos de socialização prazerosa e garantir uma proteção da qualidade do nosso sono" são boas práticas, garante Filipa Jardim da Silva.
"Sabemos que nem sempre conseguimos assegurar a plenitude de todos estes fatores protetores, mas responsabilizarmo-nos pela nossa saúde emocional é importante, até porque a saúde física e a psicológica estão intimamente relacionadas. Quando adoecemos psicologicamente, também colocamos a nossa saúde física num patamar mais vulnerável", conclui a especialista.