Gregorian Bivolaru é um mestre romeno de ioga tântrico, de 71 anos, procurado pela Interpol, e foi detido em Paris a 28 de novembro, por suspeitas de sequestro, tráfico de seres humanos, violação e abuso de fragilidade de um grupo através de pressão psicológica ou física. No mesmo apartamento, situado nos arredores de Paris, foram detidos outros 14 suspeitos, indiciados pelos mesmos crimes. A polícia francesa deparou-se ainda com 26 mulheres, classificadas como vítimas de seitas, quando executava os mandados de detenção internacionais.

As vítimas vinham de escolas de ioga espalhadas por cerca de 40 países e que fazem parte do Movimento de Integração Espiritual no Absoluto (MISA), criado pelo romeno na década de 1990. As mulheres iam para o apartamento na capital francesa para se encontrarem com Gregorian Bivolaru, também tratado por Grieg. Neste, também estiveram algumas portuguesas, alunas da escola de ioga Natha, em Lisboa.

Já vimos "Consentimento". 3 coisas que nos arrepiaram neste filme que retrata o abuso sexual de menores
Já vimos "Consentimento". 3 coisas que nos arrepiaram neste filme que retrata o abuso sexual de menores
Ver artigo

Uma das mulheres portuguesas entrou para a Natha à procura de uma estabilidade que nunca tinha encontrado, já que era jovem e tinha um passado marcado por violência física e psicológica, divulgou este domingo o "Observador". Após várias referências a Grieg nas aulas, a mulher foi convidada pelo mestre para se encontrar com ele em França. “Diziam-me que era uma oportunidade dada a muito poucas, que era algo muito especial para ser iniciada e conhecê-lo. Disseram que me pagavam a viagem de avião para Paris, de ida e volta, e teria a estadia paga. Só tinha de ir”, disse ao jornal, que usou um nome fictício de Vera para a identificar. Contudo, as condições eram que a mulher não podia dizer a ninguém onde estava e iria estar incontactável durante uma semana.

Vera disse à família que ia para um “retiro do silêncio”, para se “desconectar do telemóvel” e conectar-se com Deus, e foi para Paris “só com o bilhete na mão e um papel a dizer em que paragem de autocarro tinha de sair para depois esperar por alguém que ia aparecer”. Depois de entrar num carro que a foi buscar, a mulher “tinha de usar uns óculos que estavam pintados por dentro com tinta” para “não ver nada”, “colocar um chapéu para não ser reconhecida e fechar os olhos para não ver o caminho”, disse ao “Observador”.

A justificação era a necessidade de proteger Grieg, que “era procurado injustamente pela Interpol”, como lhe diziam. Foi para uma primeira casa, onde teve de entregar o passaporte e o telemóvel, e foi obrigada a repetir sete vezes um juramento em que dizia que estava ali de acordo com a sua vontade e que se falasse com alguém sobre o que estava a acontecer teria a sua vida destruída.

Nesta casa, Vera encontrou mulheres de vários países, que dormiam em colchões e passavam o dia a fazer ioga. Dias mais tarde, Vera foi levada para um apartamento T0, onde já estava outra jovem e onde ficou dois dias. “Tive de me vestir o mais sexy possível, ir para o carro outra vez com os olhos tapados, chapéu e casaco para me tapar”. Vera achava que, quando se encontrasse com Grieg iria evoluir espiritualmente graças aos seus ensinamentos.

No apartamento, Vera ficou num quarto pequeno com outras três mulheres e tinham “de ler o mais possível” para se prepararem “para a iniciação” e perceberem “a importância” de uma prática que o romeno seguia e que obrigava as alunas a repetir: “Beber a urina do amante”. “Era o caminho para a imortalidade e a chave para a elevação”, recordou a mulher.

Vera viu o mestre três vezes durante cinco minutos e, no tempo de espera, tinha de realizar tarefas como limpar vidros ou os livros da casa. Na sua última noite, durante a madrugada, teve de beber um litro de água de seguida e, se vomitasse ou não bebesse tudo, teria “energias negativas” dentro de si.

Quando estava tudo pronto para dar início ao ritual, que iniciava com uma sequência de posições sexuais que tinham sido ensinadas em Lisboa, em encontros secretos paralelos às aulas de ioga que também funcionavam sob juramento. Como Vera não conseguiu fazer todas as posições de forma perfeita, o romeno “zangou-se” e disse que ficavam por ali, já que a mulher não estava preparada.

“Aquele homem, que nos dizia nas palestras online: ‘não façam amor sem o conhecerem durante três meses e obriguem-no a provar que vos ama’, tinha acabado de fazer sexo comigo, tinha sido duro comigo, sem sequer ter uma conversa comigo”, contou. Vera regressou a Portugal, guardou o segredo e saiu da escola de Lisboa pouco tempo depois.

“A memória mais forte é o cheiro a sexo que estava naquele quarto"

Uma portuguesa teve uma experiência muito semelhante, contando também que havia a possibilidade de recusar o convite de conhecer o mestre, mas que este iria ficar “chateado”. “A memória mais forte é o cheiro a sexo que estava naquele quarto, tenho a certeza de que lá tinha estado uma rapariga antes. Aquilo deu-me um nojo tremendo”, contou ao “Observador”.

Alguns alunos da escola de ioga vivem no Ashram, um apartamento lá perto, que já foi na Avenida António Augusto Aguiar, no centro de Lisboa, e agora está instalado no Lumiar. Aqui, pagam renda, com quartos divididos por quatro ou cinco pessoas, pagam as aulas e não recebem nada pelo trabalho prestado à escola, como limpezas, refeições ou preparação de eventos. Além desta escola, há outra no Porto e uma mais recente em Loulé.

Gregorian Bivolaru começou a fazer ioga em 1970, quando esta prática foi proibida na Roménia, onde nasceu. Em 1977, foi condenado a um ano de prisão por “posse e disseminação de material obsceno”. Em 1989 cria o MISA e, em 2004, foi acusado pelo Ministério Público romeno por manter relações sexuais com menores. No mesmo ano, soma o crime de tráfico de pessoas e foge para a Suécia.

Em 2008 criou a Atman Yoga Federation, depois do MISA ser expulso da Federação Internacional de Yoga, e espalham-se por vários países. Em 2017, entrou para a lista de pessoas mais procuradas pela Interpol pela prática de nove crimes, que incluíam tráfico de seres humanos e abuso sexual, praticados em França e na Finlândia entre 2006 e 2013. Escondeu-se durante seis anos até ao final de novembro deste ano. Apesar de terem sido detidas 15 pessoas, apenas seis ficaram em prisão preventiva, que foi o caso de Grieg.