"Estou quase". "Quase a quê? Bom dia". "Digo-te antes das 11h". Estas foram as últimas mensagens que Salvador Ramos, o jovem que esta terça-feira, 24 de maio, levou a cabo um tiroteio numa escola primária, em Uvalde, no estado do Texas, nos Estados Unidos, trocou com uma internauta com que se cruzou online, horas antes do massacre que levou à morte de 19 crianças, entre os 5 e os 11 anos, e dois adultos, duas professoras primárias.

"Mando-te mensagem daqui a uma hora. Mas tens de responder. Tenho um pequeno segredo. Quero contar-te", escreveu o jovem, no diálogo iniciado às 5h43 da manhã, e citado pelo jornal "Observador".

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Salvador estaria disposto a confessar o plano do ataque, mas a internauta adormeceu entretanto. Às 9h16, enviou uma última mensagem:"Vou arejar". Às 11h32, deu início ao tiroteio, já depois de ter assassinado a avó na casa onde vivia.

Salvador Ramos acabou por morrer nos confrontos com a polícia, no local do tiroteio, mas, em declarações ao "Washington Post", o melhor amigo, Stephen Garcia, confessou que já havia "perdido" o amigo "há vários anos".

Quando se conheceram, estariam entre o espectro de idades das crianças que morreram esta terça-feira, 24, no Texas. Segundo o amigo, o jovem era "querido" e "o miúdo mais fixe", mas era "tímido" e precisava de "sair da concha". "Jogávamos, ele ia buscar lanches à loja, bebíamos granizados e comíamos Takis", disse ainda, acrescentando que eram só "miúdos normais".

Salvador Ramos era vítima de bullying e comentários homofóbicos

Stephen Garcia garante que o amigo "sempre o fez feliz", mas admite que a vida de Salvador Ramos não foi fácil. "Ele sofria muito bullying, foi alvo de muitas pessoas. Nas redes sociais, nos jogos, em todo o lado", começou por explicar. Segundo conta, o facto de o amigo utilizar lápis preto nos olhos e roupa percepcionada como feminina era o principal foco de quem o perseguia com este tipo de comentários.

Os dois rapazes tornaram-se melhores amigos no oitavo ano e, desde aí, ficaram inseparáveis. No entanto, foi quando Garcia foi com a mãe para outra cidade que, segundo o próprio, tudo mudou.

"Começou a ser uma pessoa diferente. Começou a ficar pior e pior, e eu nem sei", recordou Garcia, acrescentando que, à data, o amigo deixou a escola, e começou a vestir-se todo de preto, a usar botas militares e cabelo comprido como "um assassino em série".

Já não falavam há cerca de dois meses, excluindo a chamada curta em que Salvador Ramos despacha o amigo e diz que está à caça com o tio, até que, esta terça-feira, 24, Garcia começou a receber dezenas de mensagens durante uma aula de Álgebra.

Assim que viu o nome de Salvador nas mensagens de amigos e nas notícias da imprensa local admite que ficou em choque, mas "nunca" achou que ele "magoasse" alguém.

Em declarações após o massacre, também um outro amigo de Salvador, Santos Valdez, recordou um episódio em que o jovem apareceu com cortes na cara, depois de se ter automutilado. "Depois disse-me a verdade, que tinha cortado a cara com facas uma e outra vez. Disse-lhe: 'Tu és maluco, mano. Porque fizeste uma coisa dessas'?", afirmou, acrescentando que Ramos confessou que o tinha feito "por diversão", avança a CNN Portugal.

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"Acho que ele precisava de ajuda mental. E de resolver a relação com a família. E de amor", admitiu Stephen Garcia, que conta ainda que a relação deste jovem de 18 anos com a mãe foi-se deteriorando ao longo dos anos. Motivo pelo qual Salvador estaria a viver com a avó, que também foi atingida com um tiro na cara, esta terça-feira, 24.

Salvador publicou fotografias das armas nas redes sociais

Para levar a cabo o tiroteio na escola primária, o jovem utilizou duas armas: uma pistola e uma espingarda semiautomática. Sendo que, já este sábado, 21, teria publicado no Instagram a fotografia de duas espingardas automáticas AR15.

A publicação foi apagada entretanto, mas o canal de televisão KPRC-TV avançou que o jovem adquiriu as armas utilizadas e ainda 375 cartuchos de munição 5.56 (regularmente utilizadas pela NATO, de acordo com o jornal "Observador") após ter completado 18 anos, no passado dia 16 de maio.

Para além disto, Salvador teria também publicado no TikTok um vídeo do jogo online SubWay Surfers, cujo objetivo é ajudar a personagem selecionada a desviar-se de obstáculos numa corrida sem fim, com a descrição "as crianças devem estar assustadas na vida real".

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No que às alegadas pistas virtuais diz respeito, que denunciavam a intenção do jovem de levar a cabo este ataque, destacam-se mensagens trocadas com uma internauta com que, sem qualquer motivo, Salvador decidiu interagir online.

Sem qualquer contacto prévio, presencial ou até mesmo online, Salvador começou por identificar a rapariga numa publicação de armas e, a partir daí, a jovem diz ter começado a responder às mensagens por "medo". Horas antes do ataque, Salvador teria intenções de contar "um segredo" à jovem, cujo nome ainda foi revelado, mas esta adormeceu entretanto.

"Quem me dera ter ficado acordada para, pelo menos, convencê-lo a não cometer o crime. Eu não sabia", escreveu no Instagram, a rede social que escolheu para divulgar as mensagens trocadas com Salvador Ramos, jovem que diz não conhecer minimamente, já que nem sequer mora no Texas.

Até à data, as motivações do crime ainda não são conhecidas. Salvador frequentava o ensino secundário e vivia numa cidade que fica a cerca de 120 quilómetros da fronteira com o México.

O ataque desta terça-feira é o mais mortal alguma vez registado numa escola no Texas

O ataque protagonizado por Salvador Ramos está a chocar o mundo, mas integra uma extensa lista de tiroteios que aconteceram diariamente nos Estados Unidos durante o mês de maio. Aliás, durante este mês e não só, sendo que, desde 2013, o Gun Violence Archive, base de dados norte-americana, registou 17.196 mortes. Valor que ainda não inclui as vítimas do ataque desta terça-feira, 24.

Ainda assim, este último tiroteio em Uvalde é o mais mortal numa escola primária desde que ocorreu o ataque em Sandy Hook, no Connecticut, em 2012 (que provocou total de 28 mortos, dos quais 20 crianças e oito adultos) e, ainda, o mais mortal alguma vez registado numa escola no Texas.