Passavam apenas 23 minutos da uma da manhã quando, a 26 de abril de 1986, o quarto reator da central nuclear de Chernobyl explodiu. Embora na altura ninguém o soubesse, viria a ficar na história com um dos piores desastres nucleares de sempre. No entanto, aos primeiros bombeiros que foram chamados ao local disseram apenas que se tratava de um incêndio como tantos outros. Não era.
"Eles fustigavam as chamas, mas elas iam reaparecendo. Atiravam a grafite em chamas com os pés. Foram sem o equipamento de lona, só como estavam, em mangas de camisa. Ninguém os avisara, tinham sido chamados para um incêndio comum", lê-se em "Vozes de Chernoby", o livro onde a jornalista Svetlana Aleksievitch deu voz a várias vítimas e testemunhas do desastre.
A grafite que ficou exposta incendiou e a radiação foi sentida na Bielorrússia, Ucrânia, Rússia e vários países da Europa. Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas, o número de vítimas a sofrer com a exposição terá sido entre 40 a 50 mil pessoas.
Apesar de Pripyat ter sido considerada inabitável, há pessoas a viver dentro da chamada zona de exclusão. Mas são os animais que, permitem uma análise mais fiel sobre quais são os verdadeiros efeitos da exposição à radiação a longo prazo, segundo explica Anne Marie Helmenstine, doutorada em ciências biomédicas, à plataforma "ThoughtsCo".
Os números dizem-nos que logo após o desastre nuclear entre 1989 e 1990, se registou um número acentuado de deformações genéticas em animais. Em 1990, por exemplo, nasceram cerca de 400 animais com mutações genéticas. Algumas delas eram tão graves que o animal só viveu durante horas.
Os exemplos mais comuns incluem deformações no focinho, número extra de patas, bem como coloração e tamanho anormal para o tipo de animal. Este tipo de características são comummente encontrados em porcos e vacas — que devido à exposição à radiação começaram também a produzir leite contaminado.
Mas embora a cientista conceda que a reprodução animal tenha decaído nos primeiros seis meses após o desastre, a verdade é que desde então que animais e plantas têm "reclamado a região." Mas deixa o alerta: é que apesar de a população animal ter crescido exponencialmente nos últimos anos, os "animais são radioativos porque consomem comida radioativa."
E nem todos sobrevivem, especialmente os invertebrados como as abelhas, as borboletas, as aranhas ou as libelinhas. A explicação, segundo Anne Marie Helmenstine, é simples.
"Muitos destes animais deixam ovos em partes do solo que estão contaminados com níveis altos de radiação. Da mesma forma, espécies que vivam na água têm um futuro genético muito instável — é o caso dos sapos, peixes e crustáceos."
Também os pássaros são uma das espécies mais afetadas, mesmo que possam sobrevoar e fugir da zona de exclusão. Um estudo realizado entre 1991 e 2006 indica que "os pássaros apresentam deformações no bico, nas penas e no sistema reprodutor." Muitos deles têm um cérebro anormalmente reduzido.
Contudo, nem todas as espécies são selvagens. Nas redondezas de Chernobyl registam-se, atualmente, cerca de 900 cães vadios. E são eles que têm ajudado veterinários, especialistas e voluntários no processo de análise dos níveis de radiação nas imediações da zona de exclusão.
"Os cães permitem um mapeamento da região. São vacinados e identificados com uma coleira específica para que, depois, sejam estudados", explica. Isto acontece porque os cientistas nem sempre têm acesso aos animais selvagens, enquanto que os cães podem ser acompanhados.
Mas a especialista alerta para o facto de os cães, apesar de parecerem inofensivos, continuarem a ser radioativos. "E é por isso que os turistas são aconselhados a não interagir com eles quando visitam Chernobyl", conclui.