Donald Trump está de saída da Casa Branca, nos EUA. O atual presidente gritou fraude eleitoral quando se viu a perder nos estados mais importantes do país para Joe Biden, atiçou manifestantes a invadir o Capitólio, em Washington, e é atualmente o único presidente americano a ver-se alvo de dois processos de destituição por conduta imprópria e errante. Quatro anos depois de ter vencido a eleição contra Hillary Clinton, Donald Trump deixará de ser presidente do EUA já na próxima quarta-feira, 20 de janeiro, altura em que Joe Biden tomará posse.
Para trás fica uma presidência marcada pela polémica, a intolerância e o descrédito total na ciência, numa altura em que o surto da COVID-19 continua fora de controlo e fazem dos EUA o país no mundo com o maior número absoluto de casos de infeção.
Em antecipação da tomada de posse de Joe Biden, apoiado pelo partido Democrata, recordamos alguns dos momentos mais importantes da presidência de Donald Trump — a começar pelo início, na sua tomada de posse, quando se soube que a fotografia do evento foi manipulada para mostrar mais gente do que aquela que, de facto, tinha comparecido. Mas há outros bem mais recentes, como o momento em que atiçou manifestantes a invadir o capitólio.
1. A fotografia manipulada da tomada de posse de Trump
A primeira polémica a marcar a presidência de Trump, na medida em que foi falada durante várias semanas, teve que ver com tomada de posse. Na inauguração de Barack Obama, em 2009, as ruas de Washington encheram-se de gente numa manifestação coletiva de apoio ao novo presidente.
Na tomada de posse de Trump, no entanto, as ruas em frente à Casa Branca não contaram com a mesma mobilização. Mas o novo presidente dos EUA queria que, pelo menos, houvesse essa ilusão e, por isso, mandou falsificar as fotografias do evento para que mostrassem mais pessoas do que aquelas que, de facto, tinham aparecido.
2. A separação de famílias imigrantes na fronteira dos EUA
Crianças a dormir em colchões e embrulhadas em cobertores térmicos e a serem arrancadas dos braços dos pais. É uma das imagens mais marcantes da administração Trump que, desde o início, teve tolerância zero no que toca às políticas de imigração no país.
Por isso, e depois de ter dito que os imigrantes vindos do México traziam "droga, crime e eram violadores", a administração começou a ordenar a separação imediata das crianças às famílias.
Enquanto os adultos eram detidos mantidos em prisões federais ou deportados, as crianças ficavam a cargo das autoridades americanas.
3. O anúncio da morte do líder do Estado Islâmico
A 27 de outubro de 2019, todas as televisões americanas interromperam a sua emissão habitual para ouvir um anúncio de última hora do presidente. A conferência de imprensa tinha como objetivo anunciar a morte do líder do Estado Islâmico Abu Bakr al-Baghdadi, após uma operação levada a cabo pelas forças americanas na Síria.
"O criminoso que tanto tentou intimidar os outros passou os seus últimos momentos de vida com medo, pânico e aterrorizado com a chegada das forças americanas até ele. Chegou ao final do túnel à medida que os nossos cães o perseguiam. Acionou o seu colete-bomba, matando-se a si próprio e às suas três crianças. O corpo ficou totalmente mutilado pela explosão", anunciou o Trump.
O presidente acrescentou ainda que Abu Bakr al-Baghdadi morreu "a chorar e a gritar". Após o anúncio, foram vários os órgãos de comunicação social que comparam o discurso inflamado de Trump ao de Barack Obama, contido e presidencial, quando anunciou a morte de Osama Bin-Laden, em 2011.
4. A restrição de entrada no país a cidadãos muçulmanos
Uma semana após a sua tomada de posse, Donald Trump proibiu de forma expressa de imediata a entrada nos EUA de cidadãos provenientes de países cuja população é predominantemente muçulmana — como o Iémen, Sudão, Iraque, Líbia, Irão e Síria.
A proibição, que tinha como objetivo, nas suas palavras, de proteger os EUA do terrorismo, esteve em vigor durante 90 dias. Durante esse tempo, foram inúmeros os protestos e as denúncias, através de processos legais, contra uma decisão que revelava a intolerância e a discriminação de Donald Trump.
5. A demissão do diretor do FBI que deu um livro e inspirou uma série
Depois de ter pressionado James Comey, diretor do FBI, a encerrar as investigações sobre a interferência da Rússia durante as eleições que lhe deram a vitória sobre Hillary Clinton, Trump demitiu-o em 2017.
O que se seguiu depois, viria a desencadear uma avalanche mediática. É que Comey, um homem que irritou tanto os liberais como os conservadores, depois de despedido, engendrou a divulgação de um documento que revelava o conteúdo de uma das muitas reuniões que teve com Donald Trump.
Esse documento mostrava que Trump terá pedido ao FBI para terminar todas as investigações que, na altura, estivessem a decorrer sobre Michael Flynn, o anterior conselheiro de Segurança Nacional, acusado de divulgar informações sensíveis e de manter contacto com um embaixador da Rússia em Washington.
As revelações feitas por Comey, e todo o escrutínio público a que foi sujeito, serviu de base para a sua autobiografia intitulada "Lealdade a Toda a Prova", que também inspira a série "The Comey Rule", na HBO.
6. A saída efetiva do Acordo de Paris
Junho de 2017. Terminado um ano de presidência, o segundo ficaria marcado pela o anúncio de que os EUA iriam deixar de implementar o Acordo de Paris no país bem como as imposições financeiras que o presidente categorizou como sendo "draconianas" de um plano que procurava combater o impacto das alterações climáticas no mundo inteiro.
Alertado pelos cientistas para o impacto do aquecimento global, Trump, um fervoroso negacionista da ciência, acusou-os de terem uma agenda política escondida que ia contra a sua presidência.
7. A investigação do "The New York Times" que revelou anos de evasão fiscal
Em setembro de 2020, uma investigação do "The New York Times" às declarações fiscais de Donald Trump revelou que o presidente não pagou impostos em dez dos 15 anos que antecederam a sua eleição. Em dois desses anos pagou apenas 750 dólares (645 euros)
A investigação foi feita com base em declarações fiscais de Donald Trump, que o presidente recusou publicar, contrariamente aos seus antecessores na Casa Branca. Após a divulgação pelo jornal, o presidente considerou que tudo não passava de "fake news" [notícias falsas].
Numa conferência de imprensa feita este domingo, Trump referiu-se ainda ao trabalho do New York Times e da Internal Revenue Service, o equivalente à nossa Autoridade Tributária: "Eles tratam-me muito mal."
O artigo refere ainda que a empresa Trump Organization, que engloba atividades empresariais de Trump e da família, teve, ao longo dos anos, alguns prejuízos que, a serem declarados, fez com que não tivesse que pagar impostos. Além disso, Trump declarava despesas pessoais — festas, viagens, estadias em hotéis — como atividades empresariais, fazendo a dedução nos seus impostos.
8. O primeiro processo de destituição
O primeiro processo de destituição do presidente republicano aconteceu depois de, em agosto de 2019, uma denúncia anónima ter alertado para uma chamada telefónica entre Trump e o presidente da Ucrânia. Nessa conversa, foi relevado que Donald Trump pediu ao presidente para investigar o antigo vice-presidente, e futuro presidente-eleito, Joe Biden.
Assim que a chamada telefónica passou a ser do conhecimento dos vários órgãos de comunicação social, os Democratas acusaram o presidente de interferir com as eleições presidenciais através de relações externas.
Estava em marcha o primeiro impeachment, mas que foi bloqueado no Senado que, na altura, contava com uma maioria Republicana que, portanto, votou a favor do presidente.
9. A violência policial e o homicídio de George Floyd
25 de maio, de 2020. A polícia recebe a denúncia de responsáveis de uma loja de conveniência depois de George Floyd, de 46 anos, alegadamente ter usado uma nota falsa para comprar cigarros. Chegados ao local, os agentes detêm Floyd e todo o processo culmina com um dos agentes, Derek Chauvin, a exercer força através do joelho no pescoço do homem que, por 16 vezes, disse que não conseguia respirar.
A manobra, permitida apenas em casos de resistência à polícia (nos vídeos, Floyd nunca resiste à detenção), esteve em execução durante mais de oito minutos e a pressão continuou a ser utilizada já depois de George Floyd ter perdido os sentidos.
O homem viria a morrer minutos depois no hospital mais próximo do local da ocorrência em Minneapolis, nos EUA. Desde então, que os protestos contra a violência policial tomaram conta daquele estado, e de todos os outros do país, culminando com a erupção violenta da polícia que atacou jornalistas, manifestantes — pacíficos e violentos — e civis.
Uma semana depois, o ambiente em todo o país é de muita tensão, de consciencialização para a discriminação racial e de uma sensação de impotência. É que embora os quatro agentes envolvidos na detenção violenta de George Floyd, que culminou na sua morte, tenham sido despedidos no dia seguinte, a família pedia justiça.
Do lado da presidência, Donald Trump limitou-se pedir "lei e ordem" no Twitter, a sua rede social predileta, e a apelar à mobilização da Guarda Nacional para lidar com os manifestantes que considerava serem "anarquistas" liderados por diversos grupos antifascistas.
10. A apologia da extrema-direita e o apoio aos Proud Boys
No primeiro debate da corrida à presidência dos EUA, Donald Trump transportou a sua retórica inflamada do Twitter para o púlpito e recusou-se e não só a condenar a extrema-direita como mencionou os Proud Boys, um dos grupos mais violentos de apoiantes, a quem pediu para se manterem “a postos”.
“Proud Boys, recuem e mantenham-se a postos”, disse Donald Trump em resposta a Chris Wallace, o jornalista responsável pela moderação do debate, que perguntou se o atual presidente dos EUA estaria disposto a condenar os ataques da extrema-direita no país. "Sou a favor disso, mas todos os confrontos de que tenho tido conhecimento são perpetuados pela extrema-esquerda e não pela direita. Alguém tem de fazer alguma coisa sobre a extrema-esquerda e os ataques perpetuados pela Antifa [movimento antifascista]”, continuou.
11. O contágio por COVID-19 e a ida para o hospital militar
No final de setembro soube-se que Donald Trump, que sempre desvalorizou os efeitos da doença, estava infetado. E a doença evoluiu de forma preocupante, levando o presidente a ser transferido para o Centro Médico Militar Walter Reed como medida de precaução.
Donald Trump foi transportado de helicóptero para o hospital ainda que, garante a Casa Branca, de momento o presidente só tenha "sintomas ligeiros". "O presidente Trump continua bem-disposto, tem sintomas ligeiros e tem estado a trabalho durante todo o dia. Por excesso de cautela, e por recomendação do seu médico e de peritos, o presidente vai trabalhar a partir dos gabinetes presidenciais em Walter Reed durante os próximos dias", adiantou Kayleigh McEnany, porta-voz da Casa Branca, à imprensa.
E ainda que a Casa Branca mantivesse e reforçasse a tese de que os sintomas de Trump eram ligeiros, um dos seus conselheiros revelou sob anonimato à CNN o contrário: "Há razões para haver preocupação" uma vez que o presidente está "muito cansado e com alguma dificuldade em respirar" — o que faz aumentar o receio de que o quadro clínico do presidente possa "mudar muito rapidamente".
Depois de sair do hospital militar, Trump fez várias apresentações em público, descurando o uso de máscara e adotando comportamentos de risco — como quando, ainda infetado, viajou dentro de um carro blindado conduzido pelos seguranças para acenar aos seus apoiantes em frente à Casa Branca.
12. A invasão ao Capitólio incitada por Trump
Nunca a democracia nos EUA tinha sido atacada desta forma. Pela primeira vez em toda a história do país, manifestantes atiçados por Donald Trump invadiram o edifício do Capitólio, em Washington, com o objetivo de sabotar a transição de poder para Joe Biden durante a certificação dos votos do Colégio Eleitoral pelo congresso americano. A invasão aconteceu na quarta-feira, 6 de janeiro, pouco depois das 18 horas, hora de Portugal.
Momentos antes, Donald Trump discursara para os seus apoiantes com passagens inflamatórias que terão servido como catalisador para o que se seguiu.
"Depois disto [do discurso], vamos caminhar até ao Capitólio para aplaudir os senadores corajosos. E provavelmente não aplaudiremos alguns deles. Porque nunca conseguiremos conquistar de novo o nosso país com fraqueza. Temos de mostrar força e temos de ser fortes. Nunca vamos desistir. Nunca se desiste quando há roubo envolvido [referindo-se às alegações, infundadas, de fraude nas eleições]", disse.
Em poucos momentos, os manifestantes invadiram o Capitólio, com a conivência de alguns agentes das autoridades, que facilitaram o acesso
Dentro do capitólio, congressistas, senadores e todo o pessoal profissional refugiou-se nos seus gabinetes até serem conduzidos para o exterior do Capitólio por indicação da polícia, que recomendou o uso de máscaras antigás já que as autoridades usaram granadas de gás para dispersar os manifestantes.
13. A expulsão de todas as redes sociais e o segundo processo de destituição
Após aquele que congressistas e comunicação social descreveram como o maior ataque à democracia na história do país, as várias redes sociais uniram-se num boicote coletivo ao presidente.
Facebook, Twitter, Instagram e Snapchat baniram o presidente das suas plataformas devido à incitação à violência que o próprio tinha feito através de uma série de publicações, vídeos e imagens.
Desde então, as conclusões recentes são de que a quantidade de desinformação a ser perpetuada em redes sociais, como o Twitter, decresceu de forma elevada depois da expulsão de Donald Trump da plataforma. O comportamento errático levou ao acionar de um novo processo de destituição, desta vez apoiado por republicanos. Ainda que aprovada, a destituição, no entanto, nunca aconteceria antes da tomada de posse de Joe Biden.