Em contraciclo com a ideia moderada que a ofensiva talibã quis projetar para o mundo após a tomada do Afeganistão, sabe-se agora que membros do grupo fundamentalista realizaram buscas nas casas de, pelo menos, quatro jornalistas no país, segundo denunciou esta quarta-feira, 18 de agosto, o Comité para a Proteção de Jornalistas (CPJ) numa nota oficial.

Além disso, sabe-se também que vários militares talibãs agrediram, pelo menos, dois jornalistas na cidade de Jalalabad enquanto cobriam uma ação de protesto contra a tomada de poder do grupo. "Os talibãs têm de honrar o seu compromisso público de permitir o funcionamento de uma imprensa livre e independente, numa altura em que o povo do Afeganistão precisa, desesperadamente, de notícias e informações precisas", refere Steven Butler, coordenador do CPJ na Ásia.

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"Os talibãs devem cessar todas as buscas nas casas dos jornalistas e comprometer-se a pôr fim à violência contra eles, permitindo-os trabalhar livremente e sem quaisquer interferências", continua.

"Com a tomada de posse do regime talibã, a vida dos jornalistas da Deutsche Welle [a rádio alemã] e das suas famílias estão em perigo. Só o facto de trabalharem para uma rádio ocidental pode resultar em morte ou tortura", alerta a rádio.

A denúncia é feita depois de, na terça-feira, 17, o porta-voz Zabihullah Mujahid ter feito saber que, à semelhança de diplomatas e organizações não-governamentais, também os jornalistas de meios privados poderiam "continuar a trabalhar de forma livre e independente no país", ressalvando, no entanto, que "os valores islâmicos deveriam ser levados em conta".

A tomada do Afeganistão fez-se sem sangue, mas a violência tem escalado

Bruno Neto, o português que, até há duas semanas, coordenou uma organização não-governamental italiana que visa prestar cuidados de saúde em Kandahar, uma das províncias tomadas pelas forças talibãs em maio, fala numa ofensiva previsível e eficiente, "especialmente porque ambas as partes não quiseram derramar sangue", tal como explica à MAGG.

No entanto, a violência tem escalado.

Apesar dos relatos iniciais de que os talibãs terão entrado na casa de vários cidadãos e os terão agredido (ou matado), sabe-se agora que, na celebração do dia da independência do Afeganistão, celebrado esta quinta-feira, 19, morreram várias pessoas na sequência de disparos por militares talibã em Asadabad, notícia a agência Reuters que cita uma testemunha no local.

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Nesta fase, ainda não se sabe se as mortes terão sido consequência dos disparos dos talibãs ou se durante a debandada da população, num pânico generalizado. O porta-voz do regime, que se encontra neste momento a formar governo e a ponderar que leis serão apresentadas ao povo do Afeganistão, não se pronunciou sobre o caso.

Ainda nesta quinta-feira, os talibãs declararam a formação do Emirado Islâmico do Afeganistão, substituindo o nome do país no 102.º aniversário da independência face ao domínio britânico.

Este foi o nome usado pelo grupo fundamentalista entre 1996 e 2001, antes da invasão dos EUA pós-11 de setembro.