A conta é simples de fazer: mais tempo em casa, menos stress após um dia intenso de trabalho muitas vezes associado a trânsito para ir e regressar e mais flexibilidade para progredir na carreira. A pandemia e a consequente instalação do teletrabalho parece que veio criar condições para as famílias europeias pensarem ter filhos ou até mais do que um. Esta é a conclusão de um estudo publicado esta quinta-feira, 18 de fevereiro, no Journal of Economic Analysis and Policy.
O estudo da Coimbra Business School (CBS) e da Universidade de Málaga, Espanha, usou uma amostra de mais de 19 mil trabalhadores de 34 países europeus e quatro critérios de análise: satisfação com a educação, trabalho atual, vida familiar e vida social. Através dos inquéritos foi possível perceber que o trabalho a tempo inteiro no modelo presencial desincentivava as famílias a terem mais do que um filho, ao contrário do regime parcial — tendência que também se aplica a Portugal.
Isto deve-se ao facto de, de acordo com Carla Henriques, os profissionais considerarem que no modelo que vigorava antes da pandemia não tinham tempo para se dedicarem às crianças e à sua educação.
"A mudança nas condições de trabalho que a pandemia veio provocar poderá ter duas consequências benéficas: aumentar o número de filhos que cada família decide ter e aumentar a produtividade de cada colaborador, por permitir que estes poupem imensas horas em deslocações, reduzam o stress e tenham uma maior satisfação global com o emprego", refere a autora do estudo, Carla Henriques, docente do CBS.
A mesma investigadora adianta que antes da pandemia os trabalhadores revelaram ter dificuldade em criar "uma harmonia entre o trabalho e a vida pessoal" devido ao "ritmo e stress da rotina dos empregos presenciais e das pendulações casa-trabalho". Assim, o teletrabalho que se instalou forçosamente no primeiro confinamento do ano passado e foi reforçado no segundo confinamento deste ano pode ter vindo para ficar, mesmo após as restrições sociais da pandemia.
A situação aplica-se a mulheres e homens, mas o teletrabalho pode ter especial benefício para as mulheres, aponta Carla Henriques. "Muitas vezes, para conseguirem progredir nos seus empregos e obterem uma maior progressão salarial, muitas pessoas - sobretudo mulheres - optavam por ter só uma criança ou, pura e simplesmente, decidiam não ter filhos".
Esse cenário pode vir a mudar e a contribuir para o aumento do índice de fecundidade na Europa e particularmente em Portugal, cujo valor está muito abaixo da média europeia: apenas 1,38. Só no ano passado Portugal registou menos 1.908 "testes do pezinho" (do Programa Nacional de Rastreio Neonatal) comparativamente a 2019, o que significa que nasceram menos crianças.
Contudo, para que o panorama mude de modo a permitir aumentar a natalidade, é preciso criar condições de teletrabalho. "Como o teletrabalho pode contribuir para o aumento de produtividade, crescimento da natalidade e aumento do bem-estar dos trabalhadores, será fundamental que todas as partes assumam as suas responsabilidades neste processo, desde a sua regulamentação às políticas de incentivo", afirma a investigadora da Coimbra Business School (CBS).
Carla defende que este processo depende não só das empresas e entidades patronais, como dos Estados a quem cabe a elaboração de leis que protejam os trabalhadores e formas de apoio às empresas e às famílias.