Beatriz Pascoal não esquece o barulho da madeira a estalar. Não sabe ao certo em que dia da semana estava, porque naquela altura perdeu-se a noção do tempo. Umas vezes dormia de dia, outras de noite, poucas vezes em casa, quase nunca as horas suficientes. O fogo estava demasiado perto e havia muito trabalho pela frente. Estávamos em 2018, verão em que 27 mil hectares da serra de Monchique arderam, o maior incêndio que esta bombeira voluntária teve de enfrentar.
No dia em que as sirenes dispararam, Beatriz estava a cumprir horário na loja de Monchique em que trabalhava. Eram 14h30. “Tocou a sirene e comecei a ver muitos carros de bombeiros a passar. Simplesmente disse: ‘Desculpem, não consigo estar aqui, vou para o quartel.”
O marido, programador informático, também é voluntário da Associação Humanitária dos Bombeiros de Monchique, mas antes de seguir para o quartel teve de passar na escola para ir buscar o filho de três anos. A criança ficou ao cuidado da mãe de Beatriz, enquanto o casal se entregava à dura tarefa de combater aquelas chamas que, durante vários dias, arrasaram aquela serra e que cercaram a vila algarvia da qual a bombeira é natural.
“Levámos quase uma semana sem dormir decentemente em casa. Perdi a noção do dia, do dia da semana em que estávamos. Foi uma desorientação total”, conta Beatriz. “Dormia três ou quatro horas, duas quando voltava ao quartel”, conta, acrescentando que tentava ir a casa dar um beijinho ao filho.
“Não tínhamos capacidade para tantas ocorrências. Toda a gente telefonava a dizer: ‘O fogo está perto de casa, venham para aqui, vai arder tudo.' "
O telefone do quartel não parava de tocar, havia pedidos de socorro em todo o lado. “O fogo chegou mesmo à vila. No quartel conseguíamos ver as chamas. Não conseguimos resolver todos os pedidos de quem nos ligava, porque andávamos sempre de um lado para o outro”, lembra. “Não tínhamos capacidade para tantas ocorrências. Toda a gente telefonava a dizer: ‘O fogo está perto de casa, venham para aqui, vai arder tudo.' Era um sentimento de impotência, não conseguimos fazer mais.”
Com 30 anos, Beatriz é uma das 9 mulheres que trabalham no quartel de bombeiros de Monchique, sítio onde passa a esmagadora maioria do seu tempo. Aqui, cumpre duas funções: o de assalariada, contratada pela associação e com um horário a cumprir das 9 às 16 horas, de segunda à sexta-feira; e o de bombeira voluntária, trabalho que não é remunerado e que envolve turnos de 12 horas, quatro vezes por semana.
Com um filho e um companheiro que é também bombeiro voluntário, o casal tem de fazer alguma ginástica para conseguir gerir os dias: “Divido com o meu namorado os turnos. Eu faço o voluntariado segunda, terça e quinta-feira à noite, e ao domingo durante o dia. Ele faz à quarta, sexta e sábado. Os turnos são sempre de 12 horas. Os seus tempos livres são quase sempre passados no quartel."
Voluntariou-se há 15 anos, em 2006. Nos primeiros três, manteve atividade profissional à parte. Era difícil compatibilizar as duas vidas, até porque o som do alerta provocava sempre uma reacção: “Ouvia a sirene e dava sempre vontade de sair do trabalho.”
Até que há dois anos foi contratada pela Associação de Bombeiros de Monchique para integrar a equipa de intervenção permanente — mantendo o seu trabalho como voluntária —, tendo cumprido já várias missões.
Nesta semana trágica de 2018 foram sucessivas. Lembra como foi enfrentar este fogo: “Só se via fumo. A maioria das vezes em que estive em combate a incêndio era de noite. O que eu consigo descrever é ouvir o barulho da madeira a arder, o estalar da madeira. É o barulho que mais mexe comigo.”
"A segunda missão foi em minha casa"
Mara Páscoa, 24 anos, enfrentou as mesmas chamas que Beatriz Pascoal. Mas chegou dois depois de o fogo ter deflagrado. Recebeu a mensagem de alerta, na sexta-feira, 3 de agosto, quando estava a cumprir o seu horário numa loja de Faro, cidade algarvia onde estava a tirar mestrado na área do Design Gráfico.“Liguei para uma colega dos bombeiros que me disse que não era necessário ir. No domingo de manhã disse-me: ‘Por favor, vem’.”
Por esta altura, Mara já não conseguiu entrar em contacto com os pais, que vivem na vila algarvia, da qual também ela é natural. Quando chegou à central, as equipas já estavam formadas, portanto ficou a ajudar no que fosse necessário. “Assim que integrei uma equipa, fui para a primeira missão.”
“A segunda missão foi em minha casa. Disse aos meus colegas: ‘Primeiro a nossa vida. Se arder, ardeu.’”
A primeira levou-a direita ao fogo. “Sente-se um misto de adrenalina e respeito pelo fogo. Temos de trabalhar em equipa, porque fazemos todos falta uns aos outros. Somos equipas de cinco e cada um tem uma função. Se alguém falhar, falha a operação.”
A segunda missão foi em casa dos seus pais. “Estava a arder. Disse aos meus colegas: ‘Primeiro a nossa vida. Se arder, ardeu.’” Também a propriedade da vizinha começou a arder. “Tivemos de nos dividir para apagar as duas. Depois de muito esforço, conseguimos.”
Nisto, os pais de Mara andavam a dar voltas de carro, com o cão, por Monchique. Para trás ficaram os porcos e as galinhas, que conseguiram sobreviver. “Quando chegaram, o fogo já estava dominado.”
A 10 de agosto, Mara fez 23 anos anos, data que coincidiu com o domínio em que aquele fogo foi parcialmente dominado, sete dias depois de ter deflagrado. No meio daquele reboliço, as colegas não deixaram escapar a data. “Arranjaram tempo para me fazer um bolo durante o incêndio e cantaram-me os parabéns no quartel. Foi a maior festa que tive. No meio da tragédia, tínhamos de nos alegrar com estas pequenas coisas.”
Quando pôde voltar a casa, tudo estava diferente. ”Chegar a casa foi, por um lado, bom, porque sabia que tinha a minha casa. O resto [a propriedade] estava negro. Não tínhamos água, nem luz.”
Mara é a mais nova na sua equipa, em conjunto com uma colega da mesma idade. Decidiu que queria ser bombeira porque, um dia, ao passar junto ao quartel, as bombeiras — as mesmas que lhe fizeram o bolo — brincaram com ela e disseram: "Um dia oferecemos-te umas botas.”
A designer gráfica formou-se oficialmente como bombeira voluntária aos 19 anos, ao mesmo tempo que, em Faro, completava a sua licenciatura. “Uma amiga disse-me que vinha, então também quis vir. Gostei, tanto que estou cá agora e é impossível para mim deixar esta casa."
No caso de Beatriz Pascoal foi diferente. Como tantos outros bombeiros voluntários, é como se a missão lhes estivesse no sangue.“Isto é já um bichinho de há muito tempo. Toda a vida vivi no meio de bombeiros e decidi entrar quando houve fogos muito grandes e levei quase uma semana sem ver o meu pai, que era bombeiro”, conta. “Queria viver aquilo que ele viveu, sentir aquilo que ele sentiu, partilhar a experiência, este espírito de missão, porque desde pequena que convivi com bombeiros como se fosse uma segunda família.”
Viveu os fogos em 2004, os de 2005 e, em 2006, Beatriz entrou para os bombeiros. Durante dois anos, conjugou o voluntariado com uma vida profissional que seguia fora do quartel, até que foi contratada. Já Mara acaba de conseguir arranjar trabalho na sua área de formação. Mas, como já vimos, não planeia pôr a sua atividade como voluntária de parte. “Com esforço tudo se consegue conciliar. Gosto de estar aqui.”
É o espírito de missão e de ajuda, que move as duas colegas e bombeiras voluntárias de Monchique, habituadas já à “adrenalina” deste trabalho que tanto adoram.
“Foi bom chegar a casa. Estava viva”
Filomena Ribeiro, 31 anos, bombeira voluntária na Associação Humanitária dos Bombeiros em Cernache do Bonjardim, na Sertã, também nos fala desta espírito de entrega e emoção. Mas nem sempre foi fácil.
Não esquece aquilo que sentiu a caminho do seu primeiro grande fogo. Aconteceu algures no verão de 2012 ou 2013 — não se recorda bem — em Figueiró dos Vinhos, dois anos depois de se ter tornado bombeira voluntária. Começou a ver o incêndio a partir do quartel de Cernache: “Conseguíamos ver o fogo. O cogumelo, que é o fumo negro, estava a crescer cada vez mais”.
"Estava em pânico. Os meus colegas tentaram acalmar-me. Chorei a caminho do incêndio. Não sabia para o que é que ia. Ia e não sabia que voltávamos"
Pelas 16 horas foram accionados. Foi formar brigada à Sertã, porque o fogo não estava a lavrar uma zona do seu distrito. “Foi aqui que nos disseram que já tinha morrido um bombeiro”.
Seguiu rumo às labaredas. “Estava em pânico. Os meus colegas tentaram acalmar-me. Chorei a caminho do incêndio. Não sabia para o que é que ia. Ia e não sabia se voltávamos”, conta. “Vimos os colegas dele [bombeiro que faleceu] sentados à beira da estrada, de rastos, como é normal.”
Com o apoio dos seus colegas, a bombeira voluntária, natural de Proença-a-Nova, e pela altura a única mulher desta brigada, accionou o modo de trabalho. E deixou que a adrenalina a levasse: “Começámos a fazer combate. Os meus colegas estiveram sempre a proteger-me, até porque era a única rapariga. Estiveram sempre a ‘segurar-me com a mão’. a dizer vens atrás de nós, não tenhas medo, vais ficar bem.”
O fogo que, entretanto já tinha passado para a sua área de intervenção, conseguiu finalmente ser dominado. Tinham passado 36 horas. “Foi bom chegar a casa, estava viva.”
Mas, em junho de 2017, teve de regressar a Figueiró-dos-Vinhos. Vivia-se o maior incêndio florestal de sempre em Portugal, que deflagrou em Pedrogão Grande, se alastrou para os concelhos vizinhos e provocou a morte de 66 pessoas (65 civis e um bombeiro voluntário). Das vítimas mortais, praticamente metade perdeu a vida na estrada que liga Castanheira a Figueiró dos Vinhos, muitos dentro dos carros, outros nas imediações.
“O incêndio começou no sábado e eu fui para lá no domingo de manhã. Quando fomos já sabíamos que havia mortos, já sabíamos o que é que tinha acontecido na estrada da Castanheira”, conta. “Mas não sabíamos o que é que íamos ver.”
Filomena Ribeiro foi nervosa, sentiu a tal adrenalina. “Vou sempre”. Mas nada que se compare àquela sua primeira missão, nada que a congelasse. Bem pelo contrário. “Já tinha outra mentalidade, já tinha outra preparação.”
Não viu as mortes, não andou pela “zona onde começou o incêndio, que foi onde aconteceu a maior tragédia.” Mas, claro, foi muito duro. “Aqui não fomos tão afetados em termos de danos, perdas materiais. Mas olhando para outras corporações e olhando para os elemento que as formavam víamos o desespero deles. Foi horrível.”
Sílvia Santos, 31 anos, também faz parte desta associação. Inscreveu-se nos bombeiros no ano em que o quartel de Cernache do Bonjardim abriu inscrições femininas, apenas em 2006. Recorda os incêndios de Pedrógão. “Lembro-me de pessoas a gritarem, a pedirem ajuda e de nós não conseguirmos ir a todo o lado. Foi marcante.”
Sobre o facto de ser bombeira voluntária, justifica-o também com a herança familiar. “Já tinha tios que eram bombeiros.” Mas um momento foi decisivo para se entregar à causa: houve na sua aldeia um incêndio e, ao observar o trabalho dos seus futuros colegas, decidiu que ia ser como eles. “Vi os bombeiros a trabalhar e percebi que também queria. Senti que queria ajudá-los.”
Filomena Ribeiro nunca tinha entrado num quartel até ao momento em que decidiu que iria voluntariar-se. Decidiu-o fazê-lo por influência do cunhado, queria socorrer pessoas, queria ajudá-las e salvá-las. A terminar a licenciatura em Administração e Gestão, além de voluntária, e tal como Beatriz Pascoal é, desde há dois anos, funcionária dos bombeiros. “Sou motorista de ambulâncias.”
“Com a adrenalina que nós sentimos, não há diferença entre homens e mulheres”
Diana Oliveira sempre se relacionou com bombeiros, mesmo antes de, há oito anos, integrar o corpo de voluntários de Leiria. “Um dia, estava a caminho de um passeio com os meus amigos e deparámo-nos com um acidente”, conta. “Eles eram todos bombeiros e, ao ver o trabalho deles a socorrer as vítimas, a fazerem a parte de emergência hospitalar, decidi que também queria ser bombeira voluntária.”
Foi a influência do seu grupo, e esta vontade de querer ajudar que, em 2011, a fez iniciar o seu percurso formativo, composto por formação e estágio. Durante este período, aprendeu a fazer emergência hospitalar, a fazer salvamento, desencarceramento e a combater incêndios urbanos e florestais.
Pela altura, trabalhava num estabelecimento de atendimento ao público e teve de conciliar esta espécie de vida dupla. “Foi assim durante dois anos. A minha vida era trabalho durante o dia e formação à noite, quase todos os dias — às vezes ao domingo de manhã.”
“Todas as situações que envolvem crianças são mais delicadas e marcam sempre”
Como no caso de Beatriz ou de Filomena, surge a oportunidade de integrar os bombeiros a tempo inteiro. Assim, ao trabalho como voluntária, une as funções relacionadas com a sua licenciatura em acção social e pós-graduação em protecção civil. “Faço acções de sensibilização em escolas, lares, ao público e geral. Fazemos acções com crianças de suporte básico de vida, de primeiros socorros, de prevenção de incêndios com adultos.”
Também Diana Oliveira presenciou uma das maiores tragédias florestais dos últimos tempos: foi uma das bombeiras que combateu nos incêndios de outubro de 2017, que percorreram a zona centro e norte do país, tendo chegado à região da Galiza, em Espanha — foram contabilizados 440 incêndios ativos em Portugal, somando-se mais 50 vítimas mortais às 66 que, quatro meses antes, tinham perdido a vida em Pedrógão Grande.
Diana estava noutra ocorrência para os lados de Pombal e, às 18 horas, quando estava a chegar ao quartel, pensou que este estivesse a arder. “Achei que o incêndio era aqui.” Mas não. Arrancou para a Mata Nacional, recordando o “clarão” e a “imensidão” daquele fogo, que, relata, avançava mais rápido do que se conseguia calcular. “Os meios andavam muito dispersos porque o perímetro era muito grande. Éramos insuficientes para tanto fogo.”
Esteve nesta missão até às 18 horas do dia seguinte, ou seja, trabalhou 28 horas seguidas. Mas nem deu pelas horas passarem. “Perdemos a noção do tempo, perdemos a noção de tudo. Não tínhamos noção do que é que se estava a passar”, conta, ressalvando que esta foi uma “situação extraordinária”, tendo em conta que “regra geral, há tempos de descanso.”
“Não sentimos qualquer discriminação. Somos mesmo uma equipa. É essa a base do trabalho.”
Quando chegou a casa, a primeira coisa que fez foi ligar a televisão. “Estava a tentar perceber o que é que se estava a passar. Algumas coisas começaram a algumas coisas a fazer lógica. Quando chegámos as pessoas diziam que a situação estava complicada, o que nos fez ficar ainda mais focados. A nível nacional foi mesmo um daqueles dias mais difíceis."
Um outro episódio que a marcou particularmente não teve que ver com fogos, mas antes com um episódio de emergência hospitalar. “Todas as situações que envolvem crianças são mais delicadas e marcam sempre”, conta, lembrando um bebé de 17 meses que transportou e que veio a falecer dias depois.
Sobre o facto de o seu género estar em minoria no trabalho de bombeiro, explica-nos que, quando se trabalha nesta área, não há masculino ou feminino. Todos cumprem as mesmas funções. "Com a adrenalina, não há diferença entre homens e mulheres, seja numa emergência hospitalar, desencarceramento ou incêndio. Não há diferenças”, diz.
As infraestruturas do seu local de trabalho estão absolutamente adaptadas às mulheres. “Temos balneários, vestiários e camaratas masculinas e femininas”, explica. “O equipamento é unissexo.” São “muito” respeitadas: “Não sentimos qualquer discriminação. Somos mesmo uma equipa. É essa a base do trabalho.”
Dos 28 mil bombeiros voluntários, 23% são mulheres
A estranheza com que se profere a palavra “bombeiras” não conjuga com o número dos elementos femininos que integram os quartéis. Existem 412 associações de bombeiros voluntários e 25 de sapadores. Em Portugal, existem 30 mil bombeiros, dos quais 28 mil são voluntários. Destes, 23% são mulheres, que têm “tanta destreza ou mais do que alguns homens”, diz Jaime Marta Soares, presidente da Liga de Bombeiros Portugueses (LBP).
O presidente da LBP não recorda ao certo quando é que as mulheres começaram a ser bombeiras, porque, explica, já acontece há muito tempo. “Talvez há 40 anos, quando caiu o regime”, diz. “Mas a minha mulher, a minha filha, os meus filhos, são todos bombeiros.”
Mas o correr dos anos tem vindo a dar cada vez mais espaço ao trabalho das bombeiras. Foi uma questão evolutiva, relacionada com o andar dos tempos. Jaime Marta Soares dá-nos um contexto: antes, os quartéis dedicavam 70% ao trabalho à área social (teatros, cinema, bailes) e apenas 30% à operacional. “Com a modernização dos tempos, com os cinemas e os teatros nos quartéis a perderem influência, os bombeiros passaram a ter mais responsabilidade na área operacional, a terem missões mais amplas na protecção civil, deixando de haver financiamento para a área social.”
Só que nem todos os quartéis estavam preparados para receber mulheres nesta área. Ou seja, não havia camaratas, balneários ou vestiários femininos. “Nessa altura, a mulher não tinha a libertação que tem hoje e, como não era frequente haver tantas mulheres nos corpos de bombeiros, os quartéis não estavam preparados para albergá-las."
Foi das tais coisas que mudou. “Com a alteração da vivência da sociedade, com a evolução do papel das mulheres no sentido de se integrarem, os quartéis começaram também a ser dimensionados como um espaço para as mulheres.”
Mas a ritmos diferentes. É por isso que em Cernache do Bonjardim, onde Filomena Ribeiro é assalariada e voluntária, não estavam, até 2006, abertas inscrições para mulheres. "Cada corpo de bombeiros abrem condições para mulheres, se quiser. Há quartéis que ainda não têm condições físicas. E podem até não querer. É recomendado, mas não é obrigatório.”
Acontece o mesmo com as escolas em que se formam. "Quando se abre uma nova escola, pode ser mista, só para homens e até só para mulheres.”
"O bombeiro voluntário, que se farta de trabalhar, que não tem um salário, o mínimo que se podia fazer por ele era saber que aos 60 se podia reformar"
Pode ser bombeiro voluntário quem tiver 18 anos e passado no curso de formação, com duração um ano e meio, repartido por módulos e período de estágio. “Depois fazem exame e passam a bombeiro”, explica o presidente da LBP.
Apesar da dureza e entrega inerente ao trabalho, ele não envolve dinheiro. Depende mesmo só da vontade. “Os bombeiros voluntários não tem nenhum tipo de remuneração”, diz à MAGG. A única excepção vai para as equipas especiais de combate a incêndios florestais, que recebem 54€ por cada 24 horas de serviço que cumprem, circular financeira que foi aprovada pelo Governo este ano e que representa um aumento em 4€ por dia a estes profissionais, que operam no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais.
Jaime Marta Soares não esconde a indignação: “São 2€ à hora para um bombeiro que corre risco de vida, que está envolvido numa atividade de risco”, considera. “Muitos deixam de ir de férias, muitos são pessoas que trabalham por conta própria e como têm essa paixão, fazem isto.”
O quadro jurídico aplicável aos bombeiros portugueses no território continental concede aos voluntários um regime próprio de segurança social, de indemnizações, subsídios e pensões, de seguro de acidentes pessoais, entre outros. Concede ainda uma bonificação em tempo, para efeitos de aposentação ou reforma, relativamente aos anos de serviço prestado como bombeiro.
Em maio de 2019, foi publicado em Diário da República um documento que prevê que os profissionais que tenham, pelo menos 15 anos ao serviço, no quadro ativo ou de comando, tenham direito “uma bonificação de 15% para efeitos de reforma”, escreveu, pela altura, a Lusa, que adiantou que o decreto-lei em causa atribua outros benefícios sociais e incentivos aos bombeiros voluntários, como apoio nas despesas das creches e infantários e bonificações de tempo de serviço para efeitos de reforma.
A bonificação em causa corresponde a 15% do tempo de serviço prestado. Jaime Marta Soares não esconde, mais uma vez, a indignação. “"É estúpido por parte do governo, da Assembleia da República e por todos os que tem a obrigação de ajudar quem morre ao serviço da pátria”, diz. “Não se admite que um bombeiro está aos 60 anos sem receber nada por troca. Não é isso que queremos.”