"Natal no Brasil é churrasco", começa por explicar Gisely Valiani, que veio do interior de São Paulo para Lisboa há 14 anos. Bom, mas basta ir ao site de meteorologia para perceber que dia 25, em Lisboa, a mínima pode chegar aos seis graus, o que convida pouco a samba na varanda à espera que a picanha asse.

Ainda assim, Gisely e o marido, que é francês, juntam sempre um grupo de amigos, também eles estrangeiros sem família em Portugal. "Chamamos o Natal dos emigrantes", conta à MAGG. Este ano, ainda que mais restrito, não vai deixar de acontecer e Gisely já sabe até o que vai levar. "Empadão de frango", diz, numa gargalhada, "nada natalício mas muito prático". Além disso, já encomendou a uma amiga um panetone, um doce que é tipicamente italiano, mas que os brasileiros adotaram como deles. "Mas bem mais gordo, como o Brasil faz sempre", salienta. A prova disso é a escolha de sabores de Gisely: recheio de paçoca e cobertura de brigadeiro.

Gisely admite que não há regra para entrar comida na mesa, e "o importante é que esteja bem cheia, como o brasileiro gosta". Mas, normalmente, o bacalhau é sagrado e há sempre um dos convidados encarregue de o fazer. "Já tivemos feito no forno, à Brás, e este ano vai ser com natas".

Este ano o Natal vai ser diferente, mas há uma forma de o tornar especial
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Já o marido, que liga pouco ao Natal, fica responsável por dar um toque francês à mesa. "Vai sempre ao El Corte Inglés comprar baguete e queijo bom", conta Gisely.

Continuamos neste melting pot capaz de fazer a mais tradicional das famílias portuguesas abanar a cabeça de reprovação quando passamos para a família de Ruth Forbes, escocesa de 50 anos, a viver em Portugal há vinte.

No dia 24 não há família à mesa durante horas nem sequer presentes. Todos os anos fazem uma caminhada e, quando chegam a casa, cantam músicas de Natal em família e depois atacam uns snacks nada portugueses: shortbread (um biscoito tipicamente escocês), bacon, ovos e mince pies, umas mini tartes doces típicas de Inglaterra, de onde o marido é natural.

Natal
Gisely junta sempre um grupo de amigos brasileiros e franceses que vivem em Lisboa.

Os dois, com os filhos, acordam no dia 25 para uma outra caminhada, desta vez no Guincho e na companhia de outras cinco famílias, também elas de estrangeiros. "Levamos sempre champanhe e uns snacks, e todos os anos dou um mergulho. Aqui o tempo é excelente", garante.

Quando regressam, o esforço é recompensado por um prato tradicional, que tanto pode ser peru como como cordeiro, acompanhado de eggnog — uma bebida feita à base de ovo, leite e açúcar — e, no final, um pudim de Natal.

Ruth recorda o ano em que foram convidados pelos vizinhos para um típico Natal português. "Era muita gente" E não fiquei fã de bacalhau cozido. Agora, se for com natas..."

Pizza no Natal? Yes, please

Catherine Stockwell é metade americana, metade canadiana e dos seus 53 anos, 23 são vividos em Portugal. Os dois filhos que teve com o marido, também ele americano, estranhavam quando na escola lhes era dito que o Natal começava na consoada de 24, quando em sua casa a véspera não é sequer sinónimo de festa.

"Dia 25 é que é Natal para nós, na véspera apenas vamos à missa", conta Catherine que, com o tempo, conseguiu chegar a uma celebração que agrada a todos, ainda que de Portugal tenha pouco.

Para começar, o seu forte são as bolachas, as famosas cookies americanas. "Começo a fazê-las logo no início de dezembro, com diferentes tipos de massa, e congelo", explica. Depois, vai fazendo para oferecer a amigos ou para levar para a escola onde ensina música. "São mais de 20 tipos de bolachas diferentes", diz orgulhosa e, é claro, também elas têm espaço na sua mesa de Natal.

Natal
Catherine faz mais de vinte tipos diferentes de bolachas para oferecer aos amigos e colegas de trabalho.

E por falar em mesa, Catherine adora a tradição portuguesa de mesa cheia e sempre posta nesses dias para se ir comendo ao longo do dia. Mas em sua casa isso não é tradição, assim como pouco tradicionais são os pratos escolhidos. É que no dia 24, como o marido não é fã de missas, fica em casa a fazer pizzas. "Normalmente escolhe ingredientes vermelhos, verdes e brancos para dar um toque mais natalício", refere.

Já no 25, e tal como Ruth, também a família de Catherine gosta de começar o dia com uma caminhada na praia com os amigos, a família que não têm cá. Em casa, há sempre um salmão no forno à espera e uma tarte de amendoim e chocolate que todos adoram.

E se é para cumprir a tradição — ainda que não a portuguesa — Catherine vai ainda mais longe e no que toca a decorações, segue a regra que a mãe lhe ensinou: a decoração de Natal tem que ser arrumada em caixotes no dia 31 de dezembro. "É que se não conseguires, é sinal de má sorte para o ano seguinte" garante. E ninguém quer juntar 2021 e azar na mesma frase.