Há 130 anos Eça de Queiroz escreveu aquele que viria a ser um dos livros mais importantes da literatura portuguesa. A história de amor intensa e incestuosa de Carlos da Maia e de Maria Eduarda é bem conhecida pela maioria dos portugueses. Separados na infância, os irmãos reencontram-se em adultos e, sem saberem que são da mesma família, apaixonam-se profundamente. É o que acontece na maioria dos casos de familiares que se envolvem. São separados à nascença e, anos depois, quando se encontram, sentem-se atraídos um pelo outro.

É pelo menos assim que o justifica Cristina, a mulher que, durante anos, manteve uma relação com o irmão, que apenas conheceu já adulta, depois de os dois terem sido dados para adoção. Em entrevista exclusiva ao “The Sun” defende que cada pessoa deve ser livre de escolher com quem se relaciona, não excluindo — e apoiando — a possibilidade de familiares se poderem envolver e apaixonar.

“Dois adultos devem poder decidir o que querem fazer nos seus quartos. Cabe-lhes a eles decidirem como é que querem viver as suas vidas”, diz ao jornal inglês. “Muitas pessoas acreditam que o incesto está errado, mas só é errado porque é ilegal e há muitas coisas que são ilegais agora e que vão deixar de o ser daqui a uns anos.”

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Relações que assentam na consanguinidade são proibidas em quase toda a Europa. Em alguns estados dos Estados Unidos, como Montana, Nevada e Michigan, o crime é punível com pena perpétua, motivo pelo qual Cristina, que viveu nos EUA, mudou de nome e não quis adiantar mais pormenores sobre a sua identidade ao jornal inglês.

O que diz a lei em Portugal

Em Portugal isto não se verifica. Pessoas envolvidas numa relação de natureza incestuosa não poderão ser alvo de processo criminal, de acordo com a lei. Mas isto não significa que possam casar.

As alíneas b), c) e d) do artigo 1602.º do Código Civil deixam isto bem claro. São impedimentos para a celebração de um casamento "o parentesco no segundo grau da linha colateral", o "parentesco na linha recta" e a "afinidade na linha recta". Segundo o artigo 1580.º, "a linha diz-se recta, quando um dos parentes descende do outro" e "diz-se colateral, quando nenhum dos parentes descende do outro, mas ambos procedem de um progenitor comum."

Numa relação de incesto que implique coabitação, as pessoas envolvidas também não poderão beneficiar dos mesmos direitos do que as pessoas em união de facto, porque os benefícios fiscais, laborais e sucessórios, aplicáveis às pessoas abrangidas pela Lei da Proteção das Uniões de Facto, também não podem ser aplicadas às pessoas com relações em linha reta ou no segundo grau da linha colateral ou afinidade na linha reta (sogros e genros e noras).

Porém, o limite traça-se quando existem outras questões legais envolvidas, como segurança e saúde de pessoas numa situação de vulnerabilidade como menores, idosos ou pessoas com deficiência, como vem, em parte, contemplado no artigo 1601.º do mesmo código. Nestas circunstâncias, e quando o consentimento de um dos intervenientes está em causa, seja por inimputabilidade (menores ou incapazes) ou coação, o Estado poderá intervir para proteção daqueles que façam parte ou coexistam com uma relação desta natureza.

A atração entre familiares é contra-natura

A atração de Cristina pelo irmão não surgiu instantaneamente. “Demorou algumas semanas. Foi como ter a oportunidade de conhecer outro estranho qualquer. Lembro-me de ficar confusa e de pensar: ‘Porque é que estou a sentir estas coisas em relação ao meu irmão?’” Foi por essa altura que ele mostrou que os sentimentos eram recíprocos. “Disse-lhe que o melhor era ser honesto e assegurei-lhe que nada iria mudar. Nessa altura ele admitiu e eu disse-lhe que sentia o mesmo.”

Sabe-se que consanguinidade, ou seja, procriação como elementos da mesma família, origina vários problemas de saúde e de sobrevivência dos filhos."

As semelhanças físicas são, de acordo com esta mulher, um dos fatores que fazem com que estas paixões pouco naturais surjam. “Eu comecei a reparar o quanto nós nos parecíamos um com o outro. Tínhamos tudo igual: os mesmos olhos, cor de cabelo, bochechas, lábios nariz — até as mesmas mãos e pés.”

A este fenómeno a mulher dá o nome de Atracção Sexual Genética, uma condição que se desenvolve entre pessoas do mesmo sangue que se separaram na infância. “Sabemos, através de estudos, que a maioria das pessoas se sente atraída por quem tem semelhanças”, diz. “Eles [os irmãos] têm tanto em comum — é o sonho de qualquer um — claro que se vão sentir atraídos.”

As taxas de consanguinidade têm uma prevalência mais elevada no norte de África, no Médio Oriente, no sul da Ásia e entre as comunidades de migrantes na América do Norte, Europa e Austrália, de acordo com um estudo realizado em 2014.

Não é bem assim. O psicoterapeuta Pedro Brás explica à MAGG que "os estudos que existem são poucos e as conclusões questionáveis." A atração entre familiares é contra-natura, porque “a evolução das espécies criou seres vivos programados a não sentirem libido sexual pelos elementos do sexo oposto da sua família.

No entanto, adianta que “há situações de incesto, e de atração sexual de pessoas da mesma família”, sobretudo entre “elementos que não mantiveram esta aproximação familiar constante desde a infância, como por exemplo entre primos distantes, ou mesmo irmãos que não viveram como tal.” Nestes casos, em que não existe relação de família entre duas pessoas, "mesmo que geneticamente familiares, pode existir a libido sexual e o ato sexual pode ser consumado, se os valores das duas pessoas o permitirem.”

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Sem remorsos, vergonha ou pesos na consciência, Cristina não só acredita que “há uma ligação emocional maior” em familiares que se envolvem, como defende que casais consanguíneos devem ter o direito a ter filhos, apesar de todos os estudos que já comprovaram que bebés que nascem nestas circunstâncias correm sérios riscos de saúde.

Consanguinidade entre primos é mau, entre mães e filhos ou irmãos é ainda pior"

Tanto Pedro Brás, como a ginecologista Paula Ambrósio, discordam totalmente. “Sabe-se que a consanguinidade, ou seja, a procriação com elementos da mesma família, origina vários problemas de saúde e de sobrevivência dos filhos. Neste sentido, a evolução das espécies foi avançando nos grupos familiares que não procriavam entre si, ou seja, que não manifestavam libido sexual com os elementos da sua família”, diz o psicoterapeuta.

"Naturalmente estamos programados para gostar de pessoas diferentes de nós, para misturarmos os genes, tal como a boa evolução das espécies aconselha", acrescenta, referindo que, apesar de tudo, "sabemos que em populações pequenas, onde haja poucas oportunidades de escolha, a tendência para nos apaixonarmos por familiares distantes é estatisticamente mais provável."

A ginecologista alerta para os perigos da procriação entre duas pessoas com os mesmos genes. “Quando estas pessoas geram outra, a probabilidade desta nascer com doenças geneticamente transmissíveis é muito maior”, explica. "Tem a ver com a partilha dos genes e das doenças. É o património genético. Quando estamos com uma pessoa que não é da nossa família, isto dilui-se com os genes do outro, mas nestes casos aumenta muito a probabilidade. Por isso é que, por exemplo, nos Açores e na Madeira, há uma prevalência maior da doença do pezinho [a paramiloidose, uma doença degenerativa, hereditária e genética]."

A consanguinidade "entre primos é mau, entre mães e filhos ou irmãos é ainda pior", diz Paula Ambrósio. Isto está mais do que provado. Um estudo, realizado em 2011, afirma que “a descendência de uniões consanguíneas aumenta o risco de desordens recessivas devido à expressão de mutações genéticas autossômicas recessivas herdadas de um ancestral comum. Quanto mais próxima a relação biológica entre pais, maior é a probabilidade de que os seus descendentes herdem cópias idênticas de um ou mais genes recessivos prejudiciais.”

As três mortes e a mãe que se "apaixonou profundamente" pelo filho

Cristina já se separou do irmão e namorado, mas esta experiência fê-la abraçar uma causa: apoiar outros casos de familiares que vivem relações sexuais e amorosas.

Monica Mares e o filho Caleb Peterson.

Um deles é relativo a uma mãe e a um filho que mantiveram uma relação amorosa e que foram presos, acusados de incesto, com uma pena de 18 meses, no estado do Novo México. Segundo o “The Sun”, Cristina ajudou no processo de representação legal da mulher, Mónica Mares, 38 anos, e do filho, Caleb Peterson, 21.

Tal como ela e o irmão, separaram-se quando Caleb foi dado para adoção ainda bebé. Anos depois encontraram-se e o casal “apaixonou-se profundamente”, de acordo com o que a mulher relatou quando foram presos, em 2016.

Tudo o que sabemos relativamente às funções da família seria posto em causa. O papel da mãe, do pai, dos irmãos.”

O mais dramático, e que também foi apoiado por Cristina, culminou com três mortes — dois homicídios e um suicídio. Stevel Pladl, 45 anos, casou com a filha biológica, Katie, 20 anos. Dada para a adoção em bebé, encontrou os pais biológicos através das redes sociais e foi viver com eles. Envolveu-se com o pai, que se separou da mulher, manteve uma relação secreta com a filha, com quem casou, viveu e teve um filho, até serem presos e afastados um do outro.

Stevel Pladl e a filha e mulher, Katie.

Dois meses depois, o homem sufocou o bebé de sete meses e matou Katie, que estava em Connecticut. Guiou até Nova Iorque e suicidou-se com um tiro.

De acordo com Cristina, na génese da tragédia está a “asfixia social”. A mulher alega que, se não fosse por isso, a tragédia poderia ter sido evitada. “Não estou a desculpabilizá-lo, mas é uma pena que as coisas tenham chegado ao ponto em que ele fez o que fez.”

A banalização do incesto cria grandes problemas psicossociais

Carla Carvalho, socióloga, professora da cadeira de Sociologia da Família na Universidade Lusófona do Porto e assistente social considera que "o incesto não deve ser legal”. Na base da opinião está, claro, o mesmo perigo genético apontado por Pedro Brás e Paula Ambrósio, mas há outros fundamentos que assentam em questões sociais estruturais.

A banalização de relações incestuosas, sobretudo em parentes próximos, como irmãos ou pais e filhos, geraria desequilíbrios na sociedade e grandes problemas psicossociais. O papel da família ficaria absolutamente distorcido. “Tudo o que sabemos relativamente às funções da família seria posto em causa. O papel da mãe, do pai, dos irmãos.”

Os sentimentos relativos aos que nos são próximos e do mesmo sangue também entrariam em crise, porque sentimos por eles muitos afetos verdadeiros e profundos, como o amor e o carinho, mas não são iguais aos que devem existir numa relação carnal em que se pretende um casamento ou união de facto. As ligações dentro da família confundir-se-iam e os próprios valores em que assenta o casamento também. “A essência do casamento não se baseia na relação entre familiares. Não é nisto que se concebe o casamento ou a união de facto.”

A trabalhar em matérias relacionadas com a violência doméstica, a socióloga adianta ainda que a vulgarização destes casos e esta alteração de papéis na família, levantaria muitas questões no esclarecimento de casos de coação ou aproveitamento de pessoas mais vulneráveis. Dificilmente se saberia se uma relação era de facto consentida ou não, se haveria abuso de autoridade, se as ações de uma filha ou filho, por exemplo, seriam uma resposta ao medo, pressão ou incapacidade. Se seriam potenciais exemplos daquilo a que o criador da psicanálise, Sigmund Freud, ou o pai da psicologia analítica, Carl Gustav Jung, denominaram como complexo de Édipo ou Electra, dois nomes inspirados em tragédias gregas: num os filhos desenvolvem sentimentos mais extremos pela mãe e afastam o pai e, no outro, acontece o contrário, as meninas olham para os pais e rejeitam as mães.