Esta quarta-feira, 13 de fevereiro, celebra-se o Dia Mundial da Rádio. Instaurado em 2012 pela UNESCO, esta data tem como objetivo celebrar um meio de comunicação que através de tecnologias simples consegue chegar a um grande número de ouvintes.
Aquele que era o único meio de comunicação eletrónico no início do século XX, passou a ter a sua atenção disputada com a televisão e a internet. Longe vão os tempos em que a rádio chegava a casa dos portugueses apenas por algumas horas durante o dia, e juntava toda a família em redor de um pequeno (ou grande) aparelho.
Hoje em dia, a rádio chega a todos através de qualquer plataforma. Pelas notícias, informações de trânsito ou música, são muitos os que dividem a sua atenção pela Rádio Comercial, RFM, Renascença, Cidade FM ou Mega Hits — pelo menos é o que dizem os números, que apontam estas cinco rádios como as mais ouvidas em Portugal.
A propósito do Dia Mundial da Rádio, falámos com 5 locutores das rádios mais ouvidas em Portugal: Carla Rocha (Renascença), Conguito (Mega Hits), Pedro Fernandes (RFM), Tecas (Cidade FM) e Vera Fernandes (Rádio Comercial). Como é fazer um programa da manhã? E estar em direto? Quem é que escolhe a música? Eles contam-nos tudo.
Como são as rotinas de fazer manhãs?
A rotina da manhã é semelhante para todos. "É como se estivéssemos num fuso horário diferente", diz Carla Rocha, 45 anos, locutora da Renascença. O seu mais recente programa, "As 3 da Manhã", estreou a 4 de fevereiro e junta Ana Galvão e Joana Marques num formato que reúne informação e entretenimento.
Todos os locutores acordam entre as 5 e as 5h30 da manhã, para começar o programa às 7. “ Às 5h15 eu tenho mesmo de estar de pé, senão temos um problema sério”, conta-nos Conguito. Fábio Barbosa, é este o seu nome verdadeiro, tem 24 anos e é um dos animadores da Mega Hits.
Já Pedro Fernandes, 40, que atravessa todos os dias a Ponte 25 de Abril para chegar aos estúdios da RFM, confessa-nos que de manhã funciona "em piloto automático”.
No entanto, para Vera Fernandes, 36, é ainda durante a manhã que tem tempo para experimentar alguns truques e dicas de maquilhagem que vê no YouTube. "É de loucos, eu sei", diz uma das animadoras da Rádio Comercial. Só que este é o único momento do dia que tem para estar sozinha, pois é quando estão todos a dormir e em silêncio — incluindo a filha de 2 anos.
Terminado o programa da manhã, é tempo de preparar a emissão do dia seguinte. Quando saem da rádio, os locutores aproveitam o resto do dia.
"Depois é tentar gerir o resto do meu dia", conta-nos Pedro Fernandes. "É o ginásio, são os miúdos que têm atividades nas quais eu quero ajudar, como a natação, o piano ou até mesmo só ir buscá-los à escola." O animador aproveita ainda as tardes para fazer outros trabalhos, como por exemplo locuções. “Muitas vezes nem dá para dormir a sesta”.
Carla Rocha também aproveita as tardes para dar algumas palestras sobre rádio, reunir com clientes e ir buscar os filhos à escola. Já Tecas, que afirma "ter um horário de velha", aproveita a tarde para fazer tudo o que precisa, para se deitar às 21 horas, tal como Conguito. "Às 21h30 estou a dormir. E isso é algo que me permite estar no auge da minha produtividade às 7 da manhã."
Se Vera Fernandes adormece um pouco mais tarde, porque não resiste a ver mais uma série, Pedro Fernandes confessa que para ele "torna-se muito complicado fazer tudo em horário útil. Acabo por cair numa rotina de dormir quatro a cinco horas por noite”. Isto é particularmente perigoso porque tem tendência para adormecer ao volante, mas felizmente nunca teve nenhum acidente.
Se o horário das manhãs é duro e obriga a alguma disciplina e organização familiar, tudo compensa quando recebem as mensagens de carinho dos fãs, seja por carta, email, redes sociais ou até por WhatsApp, como acontece na Cidade FM. E as reações chegam não só de ouvintes que vivem em Portugal, mas também de muitos outros que os ouvem pela internet, em todo o mundo.
A maioria das mensagens que chegam dos fãs são de apoio e agradecimento pelo trabalho que fazem nos seus programas diários. Há até ouvintes que chegam a partilhar algumas histórias mais tristes, e de como ouvir as manhãs da rádio os ajuda a superarem esses momentos menos bons.
Mas também chegam algumas reações a coisas que são ditas durante o programa da manhã, seja para partilharem histórias semelhantes ou darem a sua opinião sobre determinado tema.
Recentemente, Conguito confessou que não é fã de pessoas que comem pastéis de nata com colher. E, rapidamente, foram vários os ouvintes que não só enviaram mensagens a concordar com a opinião do animador, como ainda houve ouvintes que tinham vontade de comer pastéis de nata com colher à sua frente, só para verem qual a reação que Conguito teria.
Mas o carinho dos fãs chega também nas formas mais originais. Se há quem ofereça francesinhas logo pelas 7 horas, há também quem empreste a sua casa para que os locutores possam passar a noite. Em 2010, os U2 deram um concerto em Coimbra. Embora Carla Rocha (e o resto da equipa com quem fazia o Café na Manhã antes de rumar à Rádio Renascença) tivesse bilhete para ver o concerto, não tinham sítio onde ficar. Foram vários os ouvintes que prontamente ofereceram as suas casas para que pudessem ficar na cidade após o concerto. Mais: houve até quem mandasse fotos e plantas dos sítios onde viviam.
Se há fãs que imediatamente conhecem os locutores assim que cruzam na rua, há outros que os reconhecem pela voz. Já aconteceu a Tecas: num jantar, a animadora ficou sentada ao lado de alguém que não conhecia. A meio da refeição, quando alguém a chamou por “Tecas”, ouviu-se uma voz em pleno restaurante: “Eu não acredito que estou sentada ao pé da Tecas! Ó meu Deus”. Esta fã tinha passado parte do jantar com a sensação de que conhecia a voz de algum lado, mas não conseguia perceber de onde. A Tecas e a fã acabaram por tirar uma fotografia juntas.
Como é fazer diretos todos os dias?
Todos os programas são planeados e estruturados e têm um guião a ser seguido. Mas também há espaço para fugir ao tema do dia e interagir com os ouvintes — e, às vezes, nem tudo corre como o esperado.
Entre brancas, espirros ou problemas com os computadores a meio da emissão, são vários os momentos que ficaram na memória destes animadores. Se Pedro Fernandes deixou por engano os microfones ligados durante uma música, já Tecas deu uma notícia falsa em direto, por não ter confirmado a fonte.
Durante os Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil, uma das produtoras informou-a de que Nelson Évora tinha acabado de ganhar uma medalha de ouro na competição. Tecas anunciou prontamente o feito, em direto. Cerca de dez minutos depois, o segurança foi ter com ela ao estúdio. “Tecas, tu por acaso falaste agora dos Jogos Olímpicos? É que ligaram da Federação Portuguesa de Atletismo a dizer-me que o Nelson Évora ainda nem sequer competiu!”. Tanto Tecas como a produtora do programa foram induzidas em erro por uma publicação já antiga na rede social Facebook.
Mas também há quem tenha dado notícias em primeira mão ao País inteiro, sem saber. Ainda antes de uma ouvinte entrar no ar para participar num concurso, um dos produtores informou Carla Rocha de que esta estava grávida. A animadora rapidamente deu os parabéns pela boa-nova, fazendo uma grande festa. “De repente, fez-se um grande silêncio e a ouvinte disse: 'Não estou, não…'." Mais tarde, receberam um email a confirmar que a gravidez era de facto verdadeira. O problema é que o marido da concorrente ainda não sabia.
Mas esta não foi a única peripécia de Carla Rocha nos anos que esteve à frente das manhãs da RFM. Como Miguel Ângelo estava no estúdio no seu aniversário, a equipa do programa decidiu fazer uma festa surpresa ao cantor. O bolo foi entregue na rádio às 6 da manhã ao cuidado de Zé Coimbra, tal como pedido.
A ideia inicial era abrir o bolo e cantar os parabéns assim que Miguel Ângelo entrasse em estúdio. Só que algo correu mal: tal como tinha sido pedido, o bolo vinha com o símbolo da cultura MOD, da qual Miguel Ângelo é fã. Mas em vez da palavra habitual de "parabéns", o bolo tinha escrito “Ao cuidado de Zé Coimbra”.
Não foi só Carla Rocha quem teve peripécias como comida em estúdio. Todos os dias Conguito costuma beber um iogurte líquido antes do início do programa. Um dia decidiu levá-lo para o estúdio e posou-o na cadeira ao seu lado.“De repente, olho para o lado e veja uma poça de iogurte nas minhas calças e no meu casaco.” Conguito tinha entornado o iogurte quase cheio pelo estúdio todo. E passou o dia a cheirar a morango.
O que acontece em estúdio quando está a passar música
Apesar de a imagem ser uma constante nos estúdios da rádio, há ainda pequenos segredos que os locutores não mostram durante a emissão. Se durante as músicas todos têm tempo para comer ou beber água, há quem aproveite esse tempo para algo mais. Carla Rocha chegou a fazer emissão com o filho ao colo, Vera Fernandes para fazer compras online ou retocar o verniz.
Já Conguito tem ainda tempo para ler uma revista e fazer pesquisas online, enquanto Tecas aproveita o tempo que está em estúdio para ativar as redes sociais, enviar emails ou até para se maquilhar antes da chegada de um convidado. O único que tem o tempo mais limitado é Pedro Fernandes pois, como é quem comanda a emissão, não tem muito tempo livre. Ainda assim, diz, já chegou a fazer algumas compras online.
A rádio também se faz fora do estúdio?
De acordo com o bareme de rádio do último semestre de 2018, mais de seis milhões de pessoas ouvem rádio enquanto estão dentro no carro. Como os ouvintes estão também em movimento, são cada vez mais as vezes que a rádio sai do estúdio para estar mais perto dos ouvintes.
Quando ainda apresentava o programa da tarde, Tecas foi para a rua perguntar se o tamanho importava. "As pessoas riam-se logo quando eu fazia esta pergunta." Às tantas, dirigiu-se a um grupo de rapazes a quem perguntou se o tamanho importava. O grupo não quis responder de imediato, perguntando a Tecas se para ela o tamanho importava.
“Olha, por acaso importa. Aos dias de semana gosto delas maiores e ao fim de semana gosto delas mais pequenas.” Perante esta resposta, um dos rapazes ofereceu-se para mostrar a "dele" na casa de banho ali ao lado. “Mas precisamos de ir à casa de banho para quê?", retorquiu Tecas. "Para me mostrares a tua mala?”
Já a Vera Fernandes roubaram um guarda-chuva enquanto fazia uma reportagem em direto para a rádio, que tinha deixado encostado numa parede. Já em emissão, em direto, vê um arrumador de carros a passar com ele na mão. "Enquanto estava em direto, fui ter com ele e disse que aquele era o meu guarda-chuva. E, prontamente, esticou o braço e devolveu-mo."
Pedro Fernandes levou o "Café da Manhã" para a rua durante três dias no Porto. Como enjoava se não fosse a conduzir, acabou por fazer o programa a conduzir e a fazer emissão ao mesmo tempo.
Embora Vera Fernandes também tenha andado de autocarro pela cidade de Lisboa, o que recorda com mais carinho são os momentos em que sobe a palco para fazer o espetáculo ao vivo "XMAS in the Night Out", no MEO Arena “Quando entramos [em palco] aquela explosão de gritos e nuvem de carinho inunda-nos. É espetacular."
Como é escolhida a música que ouvimos na rádio?
Embora as rádios passem géneros musicais diferentes, o processo de escolha das canções transmitidas no programa da manhã é similar em todas. Há uma equipa especializada que faz a playlist musical, recorrendo a estudos de mercado, inquéritos e outras ferramentas para determinar o que é que os ouvintes procuram ouvir quando ligam o rádio.
No entanto, quando há dias temáticos ou acontecimentos que o justifiquem, todos os locutores têm liberdade para, ou adicionar uma música não planeada à playlist, ou mostrar trechos de músicas durante a emissão. No entanto, como a playlist não pode ser alterada pelos locutores, estes acabam por ouvir repetidamente as mesmas músicas, ficando fartos de algumas.
A maioria dos locutores tem uma tolerância menor no que toca aos sucessos latinos. Se Tecas já não pode ouvir "Te Bote", de Nio Garcia com Casper Magico e Bad Bunny, Carla Rocha tem pouca tolerância a "Macarena", de Los del Río — "até porque a Ana Galvão está sempre a cantar isto."
Já Conguito afirma que são as músicas de Shakira que o deixam a revirar os olhos. Pedro Fernandes concorda, e acrescenta "Despacito", de Luís Fonsi.
A exceção é Vera Fernandes que já não pode ouvir alguns dos maiores clássicos dos anos 2000, como "My Immortal", de Evanescence, "Never Leave You" de Lumidee, ou qualquer sucesso de Nickelback.
No entanto, todos reconhecem que no final de contas o que importa é que o ouvinte goste do que ouve na rádio. "[Quem tem este trabalho] tem uma noção errada do ciclo de vida das músicas. Quando já estamos fartas delas é quando as pessoas as estão a descobrir", diz Pedro Fernandes.