Dia Mundial da Música, Dia Nacional da Água, Dia Internacional do Café e até Dia do leitor de CD. O dia 1 de outubro é forte em celebrações, mas vamos focar-nos numa outra. É que este é também o Dia Mundial do Vegetarianismo.

Foi criado em 1977 pela Sociedade Vegetariana Norte Americana e é um dia dedicado àqueles que optaram por excluir da alimentação o consumo de carne e de peixe (e em vários casos de derivados de origem animal), mas tem também o objetivo de chamar à atenção da sociedade para o impacto ambiental do consumo de alimentos de origem animal.

Ser vegetariano começa a ser cada vez mais fácil — há mais informação, mais oferta nos mercados e supermercados e mais restaurantes cuja cozinha é de base vegetal — mas há quem pense que o caso muda de figura quando se está em viagem. Será mesmo assim? Foi o que tentámos descobrir junto de um vegetariano que já conheceu a gastronomia de praticamente todo o mundo.

João Leitão, um dos mais antigos travel bloggers em Portugal e autor do blogue "João Leitão Viagens", escreve sobre as suas aventuras desde 2003 e já antes dessa data, com 14 anos, tornou-se vegetariano.

Apesar de ser formado em Artes Visuais (pintura, escultura, fotografia) pela Universidade de Évora, foi o mundo que o apaixonou. Mas terá sido fácil manter uma alimentação de base vegetal em todos os 127 países que já visitou? "É fácil. Independentemente do país, é sempre possível ser vegetariano. Basicamente precisamos de proteína, cereais e fruta ou legumes. Todos os países têm isto".

Mas e quando falamos sobre países onde a carne é um dos alimentos principais da alimentação diária, como acontece, por exemplo, no Brasil, país onde não faltam rodízios de carne ou na Alemanha onde são célebres os pratos com salsichas?

Para o blogger, a partir do momento em que uma pessoa se diz vegetariana, não vai dar desculpas para não o ser. Há sempre uma solução e no seu caso são as latas de feijão: "Eu não me limito aos restaurantes. Tenho sempre uma lata comigo. Em vários países para onde viajo, vou a um supermercado. Nem procuro nada: vou diretamente às latas de feijão ou de grão e de pão".

Esta é uma das estratégias adotadas por João Leitão, que viaja muitas vezes só com uma mochila às costas (onde cabe sempre uma colher para comer o feijão), não só para manter uma alimentação vegetariana, mas também como forma de poupar e ter os nutrientes necessários.

O blogger que já percorreu o mundo e vive em Marrocos desde 2007 — país onde abriu com a irmã o hotel Dar Rita e onde organiza viagens, a partir do site Marrocos.com — conta à MAGG mais pormenores sobre a experiência de vegetarianismo enquanto viajante.

Irmãos Rita Leitão e João Leitão que iniciaram o projeto do alojamento Dar Rita, em Marrocos, em agosto de 2010
Irmãos Rita Leitão e João Leitão que iniciaram o projeto do alojamento Dar Rita, em Marrocos, em agosto de 2010

Já teve de comer alguma comida mais estranha em viagem para evitar consumir carne?
Normalmente viajo sozinho ou com a minha mulher, nunca com outras pessoas. A não ser nas viagens que organizo aqui em Marrocos, mas aí é fácil. Portanto, não me limito aos restaurantes.

Mas são os vegetarianos que têm culpa no facto de as pessoas criticarem por tudo e por nada. Porque dizem 'Olha vamos fazer uma jantarada' e dizemos 'Ai não, porque sou vegetariano, ou vegan'. Depois deixam de convidar os vegetarianos ou de organizar um jantar. O importante é estar com os amigos.

No outro dia convidaram-me e eu disse:'Escolham o restaurante que querem e eu vou-me adaptar'. Fui, comi uma salada, uns legumes salteados, pão e queijo. 'Ah, mas isso não é uma refeição'. Sim, mas não fiquei menos alimentado por comer aquilo e o jantar existiu.

Os povos de outras culturas julgam-no por não comer carne e peixe?
Dou-lhe o exemplo de um contraste: Marrocos e Portugal. Em ambos os países há pessoas que não concordam com o facto de eu ser vegetariano. Mas encontro em Portugal pessoas que me julgam e aqui eles não têm conhecimento e perguntam-me genuinamente: 'Mas porquê?'.

Em Marrocos as pessoas comem aquilo que lhes está incutido na tradição e na cultura. Além de ser um país tradicional, é muito ligado à religião. O Islão diz que devemos comer um bocado de carne. Há certas frases do profeta sobre comer muita ou pouca carne e há uma que eu uso como resposta quando algumas pessoas aqui dizem que ser vegetariano não está correto: 'Quem come muita carne fica com o coração tipo pedra e quem come pouca fica com o coração muito mole como uma criança. O que ele está a dizer é que nem um lado, nem outro é bom, mas sim o meio. Mas é interessante porque eu digo-lhe isso e eles respondem: 'Ah, ok'.

Conheça os 6 novos restaurantes vegetarianos de Lisboa
Conheça os 6 novos restaurantes vegetarianos de Lisboa
Ver artigo

Qual o pais onde é mais fácil ser vegetariano?
Georgia e Turquia [país por onde já passou pelo menos 13 vezes] são países com vários pratos vegetarianos. Também no Peru, onde têm muitos pratos com arroz e feijão, e no Brasil, onde a comida também não estava mal.

A nível de restaurantes, Portugal tem uma grande variedade. Lembro-me que em 1999 Portugal era a capital europeia de restaurantes vegetarianos e macrobióticos. Nessa altura, havia cidades, como Lyon [França], que não tinham um único restaurante vegetariano. Eu vivi nessa época os meus primeiros anos de vegetarianismo. Depois fui para Évora e aí, em 2000 ou 2001, abriu uma cantina macrobiótica e vegetariana.

Dos pratos vegetarianos que já provou por todo o mundo, qual é que lhe deu mais prazer comer?
No ano passado estive dois meses na Turquia e engordei quatro quilos e meio. Eu adoro comida turca: feijão com molho de tomate, depois aquelas pizzas que eles fazem e as sobremesas.

E há outro país onde gosto muito da comida, que é a China. Nos restaurantes todos os ingredientes estão à nossa disposição, depois metem no wok e cozinham ali.

Costuma levar snacks na mala para andar prevenido?
Sim. Depende para onde vou, mas tenho sempre frutos secos. Por exemplo, no ano passado estive no Iémen [sudoeste da Península da Arábia] e tu dizes: 'Ah deve ser difícil ser vegetariano no Iémen, até porque não deve haver vegetarianos lá'. A verdade é que eles começam o dia a comer uma coisa que se chama ful [tipico de países árabes], que significa fava. Estava no paraíso. E dizem também: 'Ah, fui ao Sudão e não dá para ser vegetariano lá'. Não? Lá o pequeno-almoço é a fava, com cebola, tomate e depois o pão.

Mas sabemos que é um prato do pequeno-almoço e não o vamos ter ao almoço nem ao jantar. O que é que eu faço? Quando estou a viajar e já estou na rua desde as 7 horas, tento ir almoçar talvez ao meio dia para apanhar o ful do pequeno almoço. Ou se estiver no hotel compro logo uma dose ou meto dentro de um pão e levo para o almoço.

E há algum básico a que recorre nos restaurantes? Por exemplo, as omeletes?
Eu tento não comer muitos ovos. Eu fui 11 anos vegan, portanto não dá para me abstrair. Vou mesmo por pancadas. Tanto posso estar dois meses a comer ovos e iogurtes, como estar dois meses sem comer. Mas um ovo dá para salvar.

Porque é que deixou de ser vegan?
Tem uma história. O dia em que eu deixei de ser vegan aconteceu na Turquia. Cheguei a um lugar onde tinha feijão, tomate e batatas fritas. E eu disse 'Quero feijão, tomate e batatas fritas'. Então eles trouxeram um prato com esses ingredientes e depois o senhor vem com 600 gramas de iogurte, porque eles misturam com o tomate e a cebola, e meteu em cima daquilo tudo.

Estava com imensa fome porque esse tinha sido um dia muito cansativo e olhei para o prato e pensei 'que se lixe' e apeteceu-me comer. Não sou vegetariano para me restringir de comer coisas. Sou vegetariano para comer aquilo que quero comer. Se não quero comer carne não como. E naquele momento disse 'eu quero comer isto".

É fácil ser vegetariano e saudável em viagem tendo em conta que pode ter menos opções?
É fácil ser vegetariano e cair numa má alimentação. Dou mais exemplos: é fácil cair numa má alimentação a nível vitamínico e proteico e também ao nível de abuso de gorduras ou coisas de que não precisamos. Mas também comendo carne, é fácil cair numa má alimentação. É igual.

É engraçado que as pessoas dizem 'És vegetariano, então deves ser anímico'. E eu respondo 'Mas conheces alguém que é anímico?' e dizem 'Por acaso até conheço'. Eu questiono se é vegetariano e respondem que não.

Por exemplo, no outro dia também fui comprar umas vitaminas e a senhora disse: 'O senhor está a perder cabelo devia tomar estas vitaminas'. E eu disse que não queria. Ela questionou a minha alimentação e respondi que era vegetariano e ela disse: 'Você está a perder cabelo porque é vegetariano'. Só que o marido dela é careca e eu perguntei se ele era vegetariano. Ela disse que não e eu questionei: 'Então qual é a relação?'. Ela calou-se. É que não tem nada a ver.

Alguma vez se sentiu tentado a provar um prato com carne ou peixe apenas por ser típico de um país?
Nunca. Mas eu deixei de comer carne com 14/15 anos e agora tenho quase 40 anos, portanto estamos a falar de cerca de 25 anos. Nesse tempo comi peixe durante oito meses. Comecei a sentir que queria comer peixe e é como disse, eu não vivo para me privar e devemos ouvir o que o nosso corpo está a pedir. E não era um desejo de 'Ah tenho que comer', era uma necessidade.

Durou oito meses e da mesma maneira que senti que devia comer, foi da mesma maneira que desapareceu. Não sei porque é que foi ou porque é que aconteceu, mas foi uma necessidade, não um capricho. Tecnicamente sou vegetariano, mas não me classifico com um rótulo.

E tem conseguido provar pratos típicos na versão vegetariana?
Claro que sim. Há sempre. Dou o exemplo de Portugal: há feijoada vegetariana ou de cogumelos. Aqui [Marrocos] também há tagine vegetariana e couscous de cogumelos.

Agora vamos fazer um quiz sobre gastronomia vegetariana em Marrocos
Couscous ou lentilhas? Ambos.
Bissara (sopa típica marroquina para pequeno-almoço) ou msemmes (crepes marroquinos de pequeno-almoço)? Bissara
Comida com ou sem açafrão? Indiferente.
Tâmara medjool ou mais seca? Medjool