No mundo das doenças, parece que agora ou há COVID-19 ou não há nada. Mas não é assim. Ainda que o novo coronavírus esteja a infetar milhares de pessoas em todo o mundo, ele não escorraçou as outras doenças do mapa. Ou seja, nem todos os sintomas de mal-estar significam que se foi atingido pela infeção respiratória. Há outras causas possíveis — umas menos graves, outras que merecem toda a atenção e cuidado. E a pandemia, afastando muita gente dos hospitais, pode contribuir para que não se detetem a tempo outras doenças graves, que devem ser tratadas o quanto antes, como enfartes ou acidentes vasculares cerebrais.
É isso que nos explica José Carlos Almeida Nunes, especialista em Medicina Interna. Tem atendido vários doentes, preocupados com pequenos sintomas "São até muito diferentes dos sintomas de infeção respiratória e ficam logo muito alertados com o medo de terem contraído a infeção pelo coronavírus", conta à MAGG.
Continuam a existir doenças muito além da pandemia da COVID-19. E, nesta estação em particular, é preciso não esquecer que as alergias existem. Por isso, se espirrar muito ou estiver com mais corrimento no nariz, tenha calma: "Estamos na primavera, altura em que é frequente as pessoas terem manifestações de alergia: espirrar com frequência, sensação de comichão e ardor nos olhos, corrimento nasal."
Por outro lado, há as diferenças de temperatura. Com dias que vão variando entre o quente e o frio, podem surgir as comuns constipações. "A constipação é uma doença provocada por outros tipos de vírus, muito mais inocentes e benignos, que podem provocar espirros, ardor na garganta, corrimento nasal, tosse e expectoração", diz. "Estes sintomas são mais difíceis de distinguir, portanto quem apresenta estes sinais deve falar com um médico."
Depois, não nos podemos esquecer das consequências de uma vida sempre em casa, muito mais sedentária. Passamos mais tempo sentados e deitados e o corpo ressente-se com dores. "É natural que, por exemplo, os pais que tenham crianças mais pequenas e que andem mais com elas ao colo sintam dores no corpo, na coluna, na bacia ou dores musculares, que não deve ser confundidas com as dores musculares generalizadas acompanhadas por tosse persistente, de grande cansaço e, numa fase mais evolutiva, de falta de ar", explica. "Isso sim são sintomas que nos podem fazer pensar, especialmente se continuamos a trabalhar fora de casa."
Com as atividades na rua fora de hipótese, também os olhos passam mais tempo repousados no ecrã. Daqui podem surgir mais dores no corpo e de cabeça, capazes de nos alertar. "[Muito tempo em frente ao computador] Pode criar um mau estar na zona periocular e algum peso e dor de cabeça. Por outro lado, a pessoa está ao computador e tem uma postura incorreta e está habitualmente com a coluna em hiperflexão, pode criar uma contratura muscular no pescoço, que pode dar também dor no pescoço e na cabeça."
"As urgências hospitalares caíram a pique e isso também causa preocupação"
Mas há também o outro lado. Ao mesmo tempo que se valorizam quaisquer sintomas que possam remeter para a COVID-19, desvalorizam-se outros que podem ser sinais de doenças graves, que colocam em risco a vida das pessoas. "As nossas urgências hospitalares caíram a pique e isso também causa preocupação", destaca Almeida Nunes.
"Se por um lado é uma benção porque se retiraram muitos doentes das urgências, dando espaço para cuidar dos que foram infetados pelo novo coronavírus, há situações, nomeadamente de enfarte agudo do miocardio, de acidentes vasculares cerebrais, ou doentes oncológicos, em que é necessário fazer um diagnostico cedo."
Anomalias na fala, dores no peito, sangue nas fezes ou um caroço na mama, por exemplo, são sinais de alerta que não podem ser deixados para depois. Justificam a ida ao médico porque aqui é fundamental o tal diagnostico a tempo. É fundamental procurar ajuda. "E naquilo que forem situações de urgência deve continuar a ligar-se para o 112."
"Nós temos a indicação de que a mortalidade em Portugal — e não estamos a falar dos óbitos pela infeção viral, mas por outras situações — está com tendência para aumentar", explica, ressalvando que este pode ser também o resultado de se desvalorizarem certos sintomas ou doenças que devem continuar a ser valorizados pela sua gravidade.
Com os cuidados devidos, há situações em que continua a ser fundamental a ida às urgências, seguindo todas as medidas de prevenção a que obriga a conjuntura atual: não levar as mãos à cara, distanciamento social, mãos lavadas e desinfetadas, sem esquecer a máscara, acessório que Almeida Nunes sempre considerou fundamental para se evitarem situações de contágio e cuja utilização foi tornada obrigatória em alguns países e governos.
A Organização Mundial de Saúde voltou, esta terça-feira, 7 de abril, a emitir um parecer sobre a utilização de máscaras, depois de várias semanas de discussão em torno do tema, que se reiniciaram depois de estudos concluirem que as projecção das gotículas pela tosse podem alcançar vários metros de distância. Ainda assim, manteve aquilo que vinha a dizer: só devem ser utilizadas por grupos específicos (pessoas infetadas, pessoas com sintomas, profissionais de saúde e cuidadores) e não de forma generalizada. A Direcção-Geral da Saúde vai na mesma linha.
Ressalvando que a par da utilização deste instrumento se devem adotar todas as outras regras de prevenção, Almeida Nunes considera que "o desaconselhamento do uso generalizado de mascaras por parte das estruturas de saude em Portugal pode ter passado muito pela carência das mesmas."