Esta terça-feira, 28 de novembro, Herman José foi condecorado por Marcelo Rebelo de Sousa. No palácio de Belém, o chefe de Estado atribuía ao humorista, a propósito dos seus 5o anos de carreira, o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. E não o fez sem destacar o papel vanguardista que Herman teve na sociedade portuguesa.

Herman José. "Estou a viver uma das fases mais simpáticas da minha vida e, por ventura, mais unânimes"
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"Todos sabemos, todos nos lembramos que houve um antes e um depois, mas poucos mudaram os hábitos, os paradigmas. Trouxe uma respiração nova e cosmopolita à comédia portuguesa, um gozo irreprimível, da experimentação, do risco, de fazer o que ainda não tinha sido feito e levando a liberdade mais longe do que tinha ido até então. Um marco na nossa televisão, na nossa cultura, na nossa modernidade", disse o presidente da República.

Mas há 27 anos, Marcelo Rebelo de Sousa, na altura presidente do PSD, tinha outro tipo de opinião sobre o trabalho do humorista. Em 1996, Herman José voltava a estar debaixo de fogo por causa de um sketch. Após a polémica de 1988, em que uma entrevista humorística à rainha Santa Isabel ditava o fim antecipado do programa "Hermanias", uma recriação da Última Ceia de Cristo deixava os setores mais conservadores da sociedade portuguesa em polvorosa.

O sketch, integrado na rubrica "Herman Zap" do muito popular programa de sábado à noite "Parabéns", foi promovido na antena da RTP1, e mesmo ainda antes de ter sido exibido, já gerava um mar de críticas. Escrito originalmente para a rádio por Nuno Artur Silva e Nuno Markl, o guião foi depois adaptado para TV. A igreja católica portuguesa não poupou na dureza das palavras.

"O programa da RTP ridicularizou o que há de mais sagrado na fé dos cristãos", dizia D. Maurílio Gouveia, responsável pelo episcopado das comunicações. A Igreja apelidava o sketch de "paródia grosseira" e à Provedoria da Justiça chegariam mesmo duas queixas anónimas contra o formato, o que originou a abertura de um inquérito.

Marcelo Rebelo de Sousa juntou-se a esse coro de críticas. E na altura, aquando uma visita ao cardeal patriarca de Lisboa, o então líder do PSD mostrava-se agastado com o sketch humorístico. "Vejo com preocupação que, num canal com serviço público, se encontrem mensagens que podem ser consideradas ofensivas de valores partilhados pela maioria dos portugueses e também ofensivas de instituições particularmente relevantes como a Igreja Católica", disse na altura à comunicação social.

À época, em entrevista ao "Telejornal", Herman José dizia ter estranhado "a enxurrada de reações". "Talvez não estranhe tanto a hierarquia porque a ela compete estabelecer as regras, a hierarquia tem de ser rígida", afirmava o humorista, na altura com 42 anos. Herman não se escusou a criticar o comentário de Marcelo Rebelo de Sousa. "Se o professor Marcelo for primeiro-ministro vamos ter uma RTP bastante mais contida, bastante mais refreada e enquanto a RTP for do Estado há-de sempre vagar aos sabores de quem estiver no poder na altura", acrescentava.

Marcelo Rebelo Sousa nunca chegaria a ser testado numas eleições legislativas, tendo abandonado a liderança social-democrata em 1999. Seria preciso esperar 20 anos até que fosse eleito para um cargo público. O mais importante de todos, de resto.

Ainda nessa entrevista de 1996, Herman José refletia sobre o que acharia O Visado sobre o referido sketch. "Eu acho, na minha visão de Deus, que é infinitamente maior do que de algumas cabeças que têm falado, que Deus deve estar a acabar de rir-se da nossa mesquinhez. Eu não quero ser um porta estandarte do humor religioso, mas faço programas de humor há tantos anos que, de vez em quando, toca a vez da religião".

Recorde aqui o sketch