André Ventura recusou, em entrevista à MAGG, as comparações com Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil. Mas a verdade é que ambos têm, pelo menos, uma ideia em comum: a de introduzir a castração química como forma de combate à pedofilia. A medida, que não está prevista na lei portuguesa, foi discutida e recusada em 2003 e 2009 por todos os partidos com maior representatividade no Parlamento. Em outubro de 2018, André Ventura fazia regressar o debate sobre um tema que, anunciou, fazia parte da linha política do seu novo partido.
Mas esta terça-feira, 14 de maio, o "Correio da Manhã" noticiou o caso de um jovem português que pediu a castração química depois de ter sido apanhado na cama com duas crianças nuas.
O arguido, de 25 anos, abusou de pelo menos seis crianças dentro do quarto. Segundo a mesma publicação, as vítimas foram os próprios sobrinhos, primos e até o filho da ex-companheira. E terá sido apanhado em flagrante pelos agentes da Polícia Judiciária que terão descoberto que o suspeito geria, também, uma rede internacional de pornografia infantil.
Segundo escreve o "Jornal i", o homem já tinha sido condenado antes com uma pena suspensa pela distribuição de pornografia infantil. Face a todas as acusações, terá dito que "nunca se arrependeu".
A psicoterapia pode ajudar um pedófilo?
Apesar de a castração química estar prevista na lei de alguns países como a Rússia, Áustria, Suécia, Dinamarca, Coreia do Sul e em alguns estados dos Estados Unidos da América, a contestação científica é muito forte. Precisamente porque apesar de atacar o impulso sexual, não há provas de que isso seja o suficiente para eliminar esta fixação por crianças
No Brasil, e em entrevista à Rede TV, a ministra Damares Alves garante que a castração química não é uma solução para combater a pedofilia.
"A castração química vai tocar num único órgão da pessoa que comete a violência contra a criança. Mas ele tem ainda a mão, um pau de madeira ou uma garrafa. Temos crianças que estão sendo abusadas com garrafas no Brasil", explicou.
O método de castração química consiste na privação, geralmente temporária, do impulso sexual através de medicamentos hormonais. Ao contrário do que se pensa, não existe a remoção dos testículos e o homem continua fértil embora passe a sofrer oscilações na produção hormonal. Isto, por sua vez, traduz-se numa maior dificuldade em ter e manter ereções.
Em Portugal, a castração química enquanto intervenção é pouco investigada. Há algumas teses de mestrado e até um livro assinado por Celso Leal, procurador do Ministério Público há 12 anos, sobre o tema. Mas, regra geral, é um assunto pouco debatido muito devido à falta de informação — tal como Celso Leal explicou em entrevista ao "Diário de Notícias" em 2018.
"Com as pessoas pouco informadas sobre o tema, é muito difícil criar uma opinião para isto. Do ponto de vista médico, as pessoas que defendem a castração química não falam muito. A própria Ordem dos Médicos não faz um único comentário relativamente a isto porque não é fácil tomar uma posição", explica.
Da mesma forma, não se conhece bem a eficácia do acompanhamento psicológico que é feito sobre pedófilos porque tudo é feito em segredo.
Quem o diz é Pedro Brás, psicoterapeuta na Clínica da Mente, que garante não ter "fé no apoio psicológico que é dado a estas pessoas." Principalmente porque este pedido de ajuda, quando o há, só é feito porque os tribunais e a sociedade condenam estes crimes. E não porque os pedófilos queiram realmente mudar.
"Quando estamos a trabalhar com casos de depressão e ansiedade, lidamos com pessoas que não querem aquilo e que detestam estar assim. Com a pedofilia é diferente porque há prazer e eles querem realmente estar assim. Há um conflito muito maior e a ajuda psicológica é muito mais difícil", revela.
Mas Pedro Brás compreende o desejo tornado público pelo jovem de 25 anos que pediu a castração química: "Na luta contra os seus próprios pensamentos, que nem sempre é bem sucedida, prefere ir contra os seus valores morais se houver essa oportunidade."
O psicoterapeuta, que já acompanhou vários pedófilos, diz que denotou sempre uma grande vontade de "retirar estas ideias que eles próprios muitas vezes condenam." É que por ser um crime socialmente reprovável, há toda uma estrutura ética e moral que os faz autocondenarem-se.
Mas nem mesmo isso é suficiente para resistir ao impulso que sentem e os casos de reincidência muitas vezes não são conhecidos. Por isso, quando questionado sobre a eficiência deste acompanhamento, a resposta é sempre difícil.
"É muito difícil prever a taxa de sucesso deste acompanhamento porque o problema da reincidência de crimes sexuais deste tipo é que raramente se sabem, a menos que essas pessoas sejam presas novamente. Quase nunca se sabe a eficácia porque tudo é feito em segredo e estamos a estudar uma impulsos e obsessões que levam ao prazer", lamenta.
É nas consultas de apoio que os especialistas tentam compreender o porquê destas motivações e desta obsessão com o sexo com crianças, e diz Pedro Brás que há três grandes causas que o explicam.
A primeira tem que ver com a descoberta da sexualidade na infância, onde é muito frequente "crianças de 12 anos terem atividades sexuais quase como brincadeira." O problema acontece quando essa experiência acontece entre crianças que têm uma diferença de idades muito grande, como uma relação que envolva uma criança de 12 com outra de 6 ou 5, por exemplo.
"O que é que uma criança de 12 que faça sexo com uma de 6, tem de manipular a relação e a sensação. Porque a criança de 6 anos tem metade da maturidade dela. Ela entende que está a ter prazer naquele jogo sexual com uma criança inferior a ela, e isso distorce a representação mental da sexualidade", continua.
Quando isso acontece, diz o psicoterapeuta, fica a ideia na cabeça daquelas pessoas de que gostam de fazer sexo com crianças mais novas e, por isso, têm de as manipular para conseguirem aquilo que querem.
Há outros fatores que se verificam frequentemente neste tipo de casos, como o facto de terem sido vítimas da mesma violência sexual, às vezes por pessoas da família, que agora praticam. Mas Pedro Brás alerta para o facto de esta tendência pedófila não ser genética, mas sim comportamental.
"Com todas as pessoas que conversei, notei em todas elas esta base na sua infância que distorceu a representação mental da sexualidade", e diz que é difícil de combater precisamente porque é um comportamento que dá prazer. E onde a motivação das pessoas em querer mudar é quase inexistente.
"Essas tentativas existem apenas como tentativa de não serem penalizadas pela sociedade. A motivação real não existe e isso dificulta muito todo o processo", conclui.
A castração química é eficiente?
Segundo o tabloide britânico "The Sun", a castração química enquanto tratamento tem uma duração mínima de três a cinco anos.
No entanto, e segundo uma investigação publicada pelo Centro Nacional de Informações de Biotecnologia, a castração química deixa de ser eficiente assim que é descontinuada. A medida foi introduzida no Reino Unido em meados de 2007 e desde então que já terá sido aplicada a cerca de 120 a 1,500 pedófilos condenados.
A taxa de reincidência não é conhecida, mas a ciência explica que, tal como a castração cirúrgica, onde se verifica a remoção dos testículos, o risco de reincidência pode descer de 50% para 5% ou 2%.
Em 2016, a revista "Vice" falou com Scott Woodsite, médico e responsável pelo departamento de Comportamento Sexual no Centro Para A Adição e Saúde Mental em Toronto, no Canadá, onde são castrados vários pedófilos condenados.
Em entrevista, revelou que vários dos homens registados no programa "reportaram um decréscimo enorme de interesse sexual" já que a produção de testosterona é muito reduzida.
"Estes homens disseram que pararam de se masturbar e perderam o desejo de ter sexo com penetração com outras pessoas, já que têm muita dificuldade em ter (e manter) uma ereção. Da mesma forma, é-lhes muito difícil atingir o orgasmo." E diz ainda que muitos dos seus pacientes se mostraram aliviados já que não pensam em sexo constantemente.
Mas embora seja verdade que a castração química é capaz de reduzir o impulso sexual, continuam a não existir provas de que possa, efetivamente, eliminar a ideação pedófila, ou seja, a fixação com crianças, que estes indivíduos sentem.