Ao longo dos anos temos vindo a ver algumas das principais cidades do País, como Lisboa, Porto, Évora e Faro, a ganhar postos de bicicletas e trotinetas de uso público de várias operadoras. Uber, Bolt, Lime, Hive e Jump são algumas das que andam por aí, nem sempre nos melhores sítios e posições (isto é, deitadas no chão, condicionando a passagem de pessoas sem mobilidade), ou a circular de forma segura.
A mobilidade urbana em bicicletas individuais ou transportes de uso partilhado, particularmente em Lisboa, tem sido muito debatida nas últimas semanas devido à situação da avenida Almirante Reis, para a qual havia uma proposta para alterar a ciclovia de modo a que passasse a ser bidireccional, com uma segunda faixa para automóveis no sentido ascendente e toda a ciclovia no sentido descendente — proposta que, por ter sido largamente contestada, foi entretanto retirada pelo atual presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (PSD), conforme noticiou o jornal "Público" no início de junho.
Sobre esta proposta, a Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (MUBi), que esteve presente nas reuniões promovidas pela junta de freguesia de Arroios sobre o assunto, deixa uma opinião que se foca no mais importante: a segurança nas ciclovias. "A Almirante Reis é um eixo importante para a cidade e até para a área metropolitana, mas não deixa de ser um pequeno detalhe no que realmente interessa debater sobre a cidade de Lisboa — como aumentar a qualidade e segurança do espaço público para todos sem exceção", refere à MAGG.
Ainda assim, num comunicado partilhado anteriormente sobre a intervenção na avenida Almirante Reis, a MUBi, entre outros pontos, refere que o "eventual acréscimo da poluição e do congestionamento da avenida Almirante Reis, pode e deve ser resolvido, retirando-se a Baixa como destino em transporte individual motorizado, e não recuperando a capacidade rodoviária naquele eixo", sugere.
Mas o mobilidade urbana não se resume a uma avenida, nem tão pouco a bicicletas. São também trotinetas que andam lado a lado com as vias para automóveis, cuja circulação simultânea está longe de ser perfeita.
"Existe ainda muito trabalho a fazer por parte do governo português a nível nacional para implementar a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC)", diz a MUBi. "Relativamente ao poder local sentimos que, apesar dos esforços nos últimos anos, os municípios continuam a associar a necessária mudança de automóveis para modos ativos à construção descoordenada e sem convicção de ciclovias. Por isso, muitas delas surgem no território, desconexas, em cima dos passeios, perigosas nas intersecções, mal sinalizadas ou em flagrante conflito com outros utilizadores da rua", alerta a associação.
Portugal não está ainda preparado para a mobilidade urbana de bicicleta ou outras alternativas, pelo menos quando comparado com outros países.
Portugal Vs. Europa
A ideia que temos de Amesterdão, capital dos Países Baixos, é que é uma cidade dominada por bicicletas, que são tão respeitadas quanto os carros. Por cá o mesmo não acontece e quantas vezes não fomos a caminhar no meio de uma ciclovia (que atire a primeira pedra quem nunca o fez) ou fizemos um percurso de bicicleta quase sem parar de tocar a campainha para afastar os peões?
"Contrariamente ao que um olhar turístico pode ver — nota essencialmente o que é diferente — a vasta maioria das vias em Amsterdão ou Paris não possui ciclovias. O que estas cidades trabalharam ao longo de décadas (mais recentemente Paris), foi um planeamento estratégico multimodal cujo objetivo principal foi o controlo e gestão de acesso dos automóveis à cidade (reduzindo drasticamente e tarifando consideravelmente o estacionamento) e a redução da velocidade dos veículos motorizados (principalmente em bairros e zonas mais centrais)", esclarece a Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta.
Deste modo, a mobilidade nestas cidades funciona praticamente a 100% e pode até servir de exemplo a Portugal onde, acima de tudo, falta planeamento na construção de ciclovias, medidas sobre os automóveis e também uma maior consciência da sociedade para as boas práticas de bicicleta. Primeiramente, é "urgente controlar o uso do automóvel particular (sendo que a redução do estacionamento a forma mais eficaz), reduzir a velocidade em meios urbanos para 30 km/h e redistribuir o espaço público de forma mais justa", refere a MUBi.
Depois, é essencial corrigir os erros mais comuns dos cidadãos. Alguns estão reunidos no projeto da associação denominado Bike Buddy — que educa e aconselha estreantes a andar de bicicleta pelas cidades e a fazê-lo de forma segura — e um deles diz respeito à circulação mais encostado à direita possível, algo que já não é obrigatório por lei.
"Quem pedala deve 'tomar a via' de forma assertiva e visível. Só assim se poderá prevenir ultrapassagens de automóveis, demasiado perto da bicicleta", esclarece a MUBi.
Outra boa prática é estacionar os veículos partilhados corretamente, algo que muitas vezes não acontece, pelo que já está a ser desenvolvido um documento para regular o estacionamento de bicicletas e trotinetes nas cidades. A ideia é restringir as zonas onde estes veículos podem andar, medidas que deverão entrar em vigor em 2023, segundo a CNN Portugal.
Nem tudo é mau e pode melhorar
Sim, há ciclovias mal construídas. Sim, há trotinetas no chão. Sim, é preciso ter cuidado e saber andar de bicicleta nas cidades. E sim, há formas de o contornar, sobretudo porque há múltiplas vantagens em andar de bicicleta ou trotineta.
Uma delas é não emitir carbono para a atmosfera, como acontece quando andamos de carro ou transportes públicos.
Ainda que também neste âmbito haja trabalho a fazer, dado que "construir ciclovias e ao mesmo tempo autorizar grandes superfícies comerciais fora do centro, desperdiçar dinheiro na construção de estacionamento subterrâneo nos centros das cidades, é certamente 'pior emenda que o soneto'", diz a MUBi, compensa se cada vez mais pessoas aderirem e fizerem ver o que é melhor para as cidades.
E quem poupa o ambiente, poupa também a carteira: um dos cinco motivos apresentados pela associação para todos passarem a mover-se de bicicleta nos afazeres do dia a dia. Outro deles, e em primeiro lugar, é o facto de ser um método rápido para chegar a todo o lado, principalmente se for elétrica.
Ainda não está convencido? Reunimos por pontos as cinco razões apontadas pela MUBi para começar a pedalar o quanto antes.
1. A bicicleta é rápida: "As convencionais são o modo de transporte mais rápido porta a porta para distâncias até 5 quilómetros em meio urbano. A bicicleta elétrica é o mais rápido até aos 10 quilómetros, e competitiva com o automóvel até aos 20 quilómetros";
2. É prática. "Porque é muito mais fácil estacionar, apesar dos municípios ainda terem que trabalhar muito na oferta de estacionamento seguro para bicicletas";
3. É económica. "Se nos dias da semana pedalarmos 10 quilómetros (por exemplo, 5 quilómetros entre casa e o local de trabalho em cada direção) em vez de usarmos o carro, ao fim do mês teremos poupado cerca de 40€ só em combustíveis, o dobro do que o governo oferecia com o Autovoucher. Se uma família puder ter menos um carro, poupará 4 mil euros por ano, em média, que poderá utilizar em férias, cultura, educação dos filhos, ou o que considerar apropriado";
4. É saudável. Andar de bicicleta, ou a pé, é saudável. Segundo indica a Organização Mundial da Saúde, pedalar 20 minutos por dia reduz o risco de mortalidade em pelo menos 10%; as deslocações em modos ativos estão associadas com cerca de 10% de redução do risco de doenças cardiovasculares e 30% de diminuição do risco de diabetes do tipo 2; e a mortalidade relacionada com cancro é 30% menor entre quem usa a bicicleta nas deslocações pendulares";
5. É divertida. "Porque permite-nos parar para dizer 'olá' a alguém, aceder facilmente ao comércio local, ou fazer um pequeno desvio para passar naquele parque que tanto gostamos".