À volta do Mercado de Arroios contam-se, pelo menos, sete carros bloqueados. Com motas, reboques e automóveis da EMEL a patrulharem a área, é notória a indignação dos comerciantes e moradores. É que não só foram surpreendidos pela mudança repentina nas regras do estacionamento, como ainda viram diminuir os lugares disponíveis para parar o carro — o que significa menos clientes no comércio local.
O senhor Hernâni é a estrela do bairro. Proprietário das pastelarias vizinhas Latina e Granada, quem já comunicou com ele conhece-lhe bem a energia. É rápido, rapidíssimo. Fala, brinca, faz piadas, conhece os clientes habituais pelo nome. Mas hoje está mais sério.
"Como é que está tudo, senhor Hernâni?", perguntamos. "Estamos aqui muito mal e porcamente", responde. "Há menos cinco lugares só aqui à frente. Os clientes não conseguem fazer uma paragem rápida para vir ao comércio local, então vão-se embora. Se a pandemia já nos está a cortar as pernas, isto vai cortar-nos a cabeça."
Está há 22 anos no bairro, desde que em 1991 abriu a pastelaria Latina, que está agora sob os comandos da mulher e de uma simpática equipa (a que está na imagem de destaque deste artigo). Os seus dias passam-se no Granada, a funcionar desde 1996, onde na ampla esplanada aloja vários clientes ao longo do dia, ora para beber café, ora para comer um bolo, ora ainda para uma refeição de garfo e faca.
Não sentiu um grande golpe na faturação depois das restrições que, durante o fim de semana de 14 e 15 de novembro, obrigaram ao confinamento obrigatório parcial (repetindo-se no próximo, a 21 e 22 do mesmo mês). "O nosso horário é até às 14h30, portanto não sentimos muita diferença."
Mas, falando de forma mais abrangente, e se compararmos ao início de 2020, a história já é outra: "Depois de ter acabado o Estado de Emergência na primavera, fomos recuperando clientela. Mas claro que não estamos ao nível de janeiro deste ano."
Com uma equipa de 11 pessoas, entre familiares e funcionários contratados (e que também já são como família), não teve de despedir ninguém. "Nem tivemos ninguém em layoff. Mas isso foi possível porque os nossos colaboradores nunca se negaram a vir trabalhar, tendo em conta as circunstâncias. Honraram os seus compromissos e, assim, fomos conseguindo."
Não é isso que o manda abaixo e não perde muito tempo com lamentos. "Já na altura da troika foi difícil. Tivemos de nos adaptar e eu dizia sempre que quem conseguisse ultrapassar aquela situação, ia ficar mais forte", lembra. "Agora é igual: o negócio que acabar vivo depois da pandemia vai estar mais forte."
Com Hernâni é sempre assim: o copo meio cheio.
O otimismo não é geral. "É o pior ano que estamos a viver"
"Antes estava sempre a trabalhar. Agora o que é que tenho aqui?", pergunta o Senhor Ribeiro, enquanto aponta para a esplanada. "Moscas!"
Estamos no Delícias da Praça, no Mercado de Arroios, mais um negócio familiar, gerido por marido e mulher, com vasta experiência no ramo da restauração. Com a pandemia, a clientela baixou muito, a faturação também. "Pelos menos, uns 50%".
Há menos movimento e saem menos pedidos, dos cafés, aos bolos, enchidos ou queijos. "De manhã, a casa estava sempre a trabalhar. Agora não há nada", comenta. "É o pior ano que estamos a viver."
Fechou o estabelecimento em fevereiro, mesmo antes da pandemia explodir, por causa de uma operação a uma hérnia na barriga. Já reabriu para um mundo diferente, com regras distintas. "Estou há meses para receber dinheiro da Segurança Social por causa da minha baixa e até hoje nada."
À sua frente tem um papel que a Junta de Freguesia ali foi entregar. "Ainda nem li. É sobre apoios... O apoio que o Estado nos deu foi uma migalha", diz, descontente com o valor atribuído pelo layoff. A desconfiança no que toca às ajudas já é geral: "Aqueles anúncios para os apoios das pequenas e médias empresas? Tudo tanga. Não serve para nada."
Está descontente com o panorama geral, mas não é de grandes alaridos. "Tive de encarar a situação toda. Quem manda pode e nós temos de obedecer."
Já agora, é mais um comerciante aborrecido com o novo estacionamento do bairro, que retirou lugares de estacionamento frente ao seu negócio. "A situação está péssima e com este estacionamento ainda pior."
Continuamos à volta do Mercado de Arroios, desta vez no Pequeno Café Bistrô, onde, reza a lenda, moram as melhores cookies de chocolate vegan. Já provámos, confirmámos e ainda sugerimos o bolo de brownie, um pequeno pedaço de céu. Aqui o sentimento é diferente face aos restantes estabelecimentos vizinhos. É que o espaço não tem termo de comparação: abriu quando o mundo estava fechar. Ou seja: em plena pandemia.
"Só conhecemos este mundo pós-covid", explica Tomás Hancel, um dos proprietários do espaço, em conjunto com Isabela Castro e Maria Eduarda Perdigão. Aqui reinam os produtos biológicos, os pratos vegan e vegetarianos e, claro, a pastelaria. "Está a correr bem, ainda estamos a formar clientela. Temos potencial para um crescimento maior, mas o resultado tem sido positivo."
Notaram, no entanto, uma quebra no movimento na segunda semana de novembro, na sequência do aumento de casos e das novas regras estabelecidas pelo governo. Por outro lado, sábado, 14 de novembro, foi o oposto. "Estava muita gente. Foi de loucos. Parecia que o mundo ia acabar", brinca.
De facto, puxando pela memória, conseguimos perceber: Lisboa aproveitou cada minuto concedido ao ar livre, mesmo que com a chuva a molhar a calçada. Pelo menos, naquele bairro. "Naquelas cinco horas, fizemos 30% do que normalmente faturamos num sábado. Costumamos fechar ao domingo e no próximo vamos estar abertos."
Seguimos caminho subindo a Avenida Guerra Junqueiro. Mesmo antes de chegarmos à Mexicana, entramos no Mini Copa. "Como é que está tudo?", perguntamos a José Santos. "Estou muito bem, muito obrigada. Com falta de dinheiro, mas bem. E consigo?", brinca o funcionário, que desde 1972 trabalha com Fausto Bastos, proprietário daquela pastelaria — que antes ficava noutro número desta rua, com o nome Copacabana. "Era um espaço maior."
Sobre a pandemia, a postura não é, novamente, de grandes lamentos. José Santos é um castiço: "Temos de saber viver com ela", diz. Sobre os do setor que criticam o governo, é curto e simples: "Gostava de vê-los a governar com esta pandemia."
O negócio "vai indo", com uma notória quebra na clientela, de "cerca de 50%". A equipa é de 11 pessoas e todos os elementos mantêm-se no ativo. No fim de semana de confinamento parcial, as manhãs correram bem, mas as entregas da parte da tarde num contexto de recolher obrigatório nunca é tão frutífero.
Depois de tantas décadas a trabalhar no ramo — e na mesma rua — diz, sem dúvida nenhuma: "Esta crise está a ser muito mais difícil do que todas as outras."
No meio da conversa, lembramos os tempos áureos da Avenida Guerra Junqueiro, que na década de 90 mais parecia um centro comercial a céu aberto. Hoje observam-se, montra sim, montra não, anúncios de arrendamento.
É assim já há alguns anos. "A rua começou a ir abaixo em 2008. Os senhorios das lojas achavam que isto era o El Dorado. As rendas aumentaram muito e os comerciantes foram embora."
Terminamos no Arco de Paris, junto ao Areeiro. É Fernando, um dos proprietários, quem está ao balcão. "Não estamos muito bem. Isto está muito mal", diz. No sábado, 14 de novembro, "vendemos meia dúzia de cafés, meia dúzia de maços de tabaco, meia dúzia de almoços."
No domingo, ainda menos. "Isto assim não dá para nada." A quebra na faturação causada pela pandemia está nos "70%, à vontade". E há coisas que não mudam: a renda continua a ser paga, as contas aparecem todos os meses. E ainda há os ordenados, para uma equipa que, além dos donos, é constituída por mais duas pessoas. "E isso é porque eu estou aqui de manhã à noite. Se quisesse contratar alguém para fazer o meu trabalho, tinham de ser dois funcionários."
Acaba de pagar o IVA às finanças e hoje é dia de ir à Segurança Social. "A faturação só serve para cobrir as despesas, mais nada", diz. "Mas há outros que estão pior, porque nem isso conseguem."
No desconfinamento, perto do verão, notou o aumento do movimento, "até porque as pessoas já estavam todas fartas de estar em casa." Mas, agora, o cenário é negro. "E o tempo não ajuda."
"É só restrições, restrições. Um gajo compreende que se tem de fazer alguma coisa e que os governantes também estão a passar uma fase difícil. Mas massacrar tanto a restauração... o COVID não está só aqui."
Fala nos apoios anunciados recentemente pelo executivo de António Costa, que correspondem a 20% da receita perdida nos fins de semana de confinamento parcial, mediante a apresentação da faturação que foi conseguida no sábado e domingo das duas semanas em questão.
"20% sobre quê? Sobre zero?", lamenta Fernando. "Não conseguimos faturar quase nada e vão dar 20% sobre isso? Pelo menos, iam buscar dados de 2019. Já dava para recuperar alguma coisa."
O Arco de Paris esteve 44 dias fechado, na sequência do estado de emergência que arrancou em março. Recorreu ao layoff, que caracteriza como sendo "uma granda treta." É, no entanto, melhor do que nada. "Dá para pagar uma despesasita."
Abriu este estabelecimento há "para aí, 20 anos" e nunca houve um ano tão mau. "Isto é 40 vezes pior do que a troika. Aí ainda ia mexendo alguma coisa."