Em primeiro lugar, uma certeza para que não haja mal-entendidos: não, não há provas de que os animais de estimação sejam transmissores da COVID-19 para humanos. Por isso mesmo, o seu abandono é, além de desumano, inútil — mas também constitui crime, previsto na lei portuguesa que entrou em vigor em 2014, e cuja pena pode ir até seis meses de prisão. Em segundo lugar, outro dado factual: à data da publicação deste artigo, estão registados mais de 800 mil casos de infeção pelo novo coronavírus e apenas três casos de animais infetados — dois cães e um gato.

Para sintetizar, o parecer da Organização Mundial de Saúde: "Não há quaisquer indícios de que os animais, como cães ou gatos, possam ser transmissores do novo coronavírus." No entanto, e com base na informação que se conhece, há cuidados específicos a ter com os animais. Mas sempre sem alarmismos ou medidas extremas.

Quem o diz é Ângela Xufre que, além de bióloga, integra o DNAtech, o laboratório veterinário portugueses que está a publicar, de forma regular, vários artigos baseados em ensaios científicos sobre o surto de COVID-19 no mundo. A investigadora explica que, ainda que a via de transmissão predominante do vírus seja entre humanos, "existe alguma possibilidade de alguns animais poderem ser contaminados por contacto direto com humanos infetados."

COVID-19. Registado o primeiro caso de um gato infetado com coronavírus pelo dono
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"Tal como sabemos, um humano infetado pode, por contato direto ou através de gotículas, provenientes da tosse ou do espirro, infetar outros humanos, o ambiente que o rodeia e algumas superfícies. Da mesma forma, um animal de estimação que esteja em contacto com um humano infetado pode ser ele próprio contagiado", explica.

No entanto, reforça que, até ao momento, só foram declarados à Organização Mundial da Saúde Animal, três casos de contágio em animais: em dois cães, na China, e num gato, na Bélgica. "Estes animais testaram positivo para SARS-COV-2 após exposição rigorosa aos donos, todos eles testaram positivo para COVID-19."

Mas adianta ainda que, no caso dos dois cães, nenhum apresentou sintomas compatíveis com o novo coronavírus. "Inclusivamente, o resultado obtido nos dois cães foi um positivo fraco", o que é compatível com uma situação de contaminação ambiente devido à baixa carga viral detetada.

Pelo contrário, diz a investigadora, o gato infetado na Bélgica apresentou "sintomas respiratórios e gastrointestinais". Mas até à data ainda não foi possível avaliar se estas manifestações estavam associadas à doença ou a agentes de outras etiologias. A carga viral detetada no gato foi elevada, mas "não houve evidências de uma infeção viral produtiva", garante.

Os casos de infeção em animais são reduzidos — o que dificulta as investigações

Ângela Xufre reforça que as informações conhecidas sobre a relação dos animais com o vírus mantém-se atuais e coerentes com aquelas que foram as indicações dadas pela Organização Mundial de Saúde.

"Não há evidências que sugiram que animais infetados por seres humanos consigam disseminar a COVID-19, quer para humanos quer para outros animais. E se considerarmos que cerca de 1% destes humanos infetados têm animais de estimação, caso houvesse uma clara evidência de disseminação, atualmente não teríamos apenas três casos reportados", tranquiliza.

COVID-19. Os animais não são transmissores da doença, mas isso não significa que não deva ter cuidados
créditos: Cedida por Ângela Xufre

Uma das maiores dificuldades do estudo da evolução da doença nos animais prende-se, precisamente, com o número tão reduzido de casos que não permitem dar uma amostra real daquilo que pode ou não acontecer. E embora ainda estejam a ser desenvolvidos vários estudos para entender o grau de suscetibilidade das espécies ao vírus, ainda é difícil avaliar as consequências.

Mas Ângela Xufre adianta que, à semelhança do que acontece nos humanos, também os animais com doenças associadas (como diabetes, insuficiências cardíacos ou doenças autoimunes) podem torná-los mais suscetíveis à infeção e à evolução progressiva da doença.

Mas também porque os únicos casos reportados são apenas três, em que apenas um deles apresentou sintomas respiratórios e gastrointestinais, não foi possível estabelecer um padrão sintomático ou sequer avaliar se "esses sintomas eram resultantes da infeção com COVID-19 ou de outras patologias pré-existentes."

Se estiver infetado e tiver animais de estimação, deve isolar-se deles

Apesar de a conjuntura atual não permitir dar respostas concretas para um problema invisível, o procedimento, em caso de confirmação de diagnóstico positivo, passa pela quarentena "em locais designados pelos serviços veterinários e de saúde pública".

No caso de uma pessoa ter um resultado positivo para COVID-19, a bióloga alerta para a importância de adotar o isolamento total — "quer de outras pessoas, quer de animais de estimação". E recomenda que sejam tomadas as medidas necessárias para que família ou amigos possam, durante o isolamento da pessoa, tratar do animal de estimação — que tem de continuar a comer ou a ir à rua, se se aplicar.

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No caso de ser o animal a acusar um teste positivo, os estudos até à data não indicam que ocorra transmissão entre animais. Mas Ângela Xufre recomenda que, ainda assim, seja evitada a socialização entre animais de tutores diferentes durante os passeios.

Precisamente porque, "durante a socialização dos animais durante um passeio, pode haver necessidade de interação entre dois tutores." E numa altura em que a proximidade entre duas pessoas está "totalmente contraindicada", a especialistas recomenda "que não se corram riscos desnecessários."

Os cuidados de higiene com os animais após os passeios

Apesar da pouca informação, a conclusão óbvia é que, mesmo que os animais de estimação não sejam transmissores da doença, há cuidados básicos e importantes a ter para minimizar riscos. É que durante um passeio, pode dar-se o caso de um cão, por exemplo, entrar em contacto com uma área ou superfície infetado pelo vírus.

Por isso, a especialista recomenda que as patas do animal sejam lavadas com água e sabão sempre na chegada a casa. Para o pêlo, Ângela Xufre remete para toalhitas antissépticas específicas para cães, mas ressalvando que a decisão deve ser sempre acompanhada do parecer do médico veterinário.

"Existem alguns animais com patologias dermatológicas associados e, nesses casos, o uso dessas toalhitas pode ser desaconselhado", conclui.