Em 2024, as eleições legislativas realizam-se dois dias depois do Dia Internacional da Mulher. O sufrágio mais incerto da história da democracia portuguesa preocupa Catarina Furtado, que confessa ceticismo relativamente às principais figuras políticas da atualidade.
A MAGG conversou com a apresentadora após a Gala Michelin Portugal, que aconteceu no dia 27 de fevereiro em Albufeira, no Algarve, e da qual Catarina Furtado foi anfitriã. Uma conversa que começou leve, passou pelas recentes férias da apresentadora, na Tanzânia e em Zanzibar, e passou para temas que preocupam o rosto da RTP, da política à igualdade de género, passando pelas guerras que assolam o mundo.
No próximo sábado, dia 9, a Corações com Coroa, associação sem fins lucrativos fundada e presidida por Catarina Furtado, promove uma reflexão sobre "tendências de voto, ativismo social e o 'gender gap'", na Geração Z. O evento acontece no CCC Café às 11h e conta com a participação da investigadora Edna Costa, da atriz Helena Caldeira, de Rafaek Rosa, estudante de Ciência Política e a moderação de Catarina Furtado. Ana Bacalhau atua às 12h.
Como foi a experiência de apresentar a primeira Gala Michelin Portugal?
Foi muito bom. Quando recebi o convite fiquei agradavelmente surpreendida porque é uma coisa que tem uma notoriedade que vai além do nosso território. Para uma apresentadora, é sempre uma coisa fixe para o ego. Apresentar de ter apresentado muitos programas de culinária, eu não tenho nenhuma relação afetiva com a cozinha. Sempre fui muito honesta nesse sentido. Não aprecio estar na cozinha mas aprecio comer. Tenho amigos chefs, aprendi algumas coisas nesses programas com o chef Cordeiro, o chef Kiko, que acabaram por ficar meus amigos, o Henrique [Sá Pessoa], a Marlene [Vieira], que era uma das pessoas que devia ter recebido [uma estrela]...
Esteve recentemente de férias em Zanzibar e acabou por visitar algumas instituições, como documentou nas suas redes sociais.
Eu nunca faço férias férias. Às vezes, com os meus filhos, acabo por fazer o que eles querem. A não ser que esteja muito exausta, não consigo ir a algum sítio e não espreitar as culturas e as pessoas. Isso vem desde sempre. Senão não fazia o que faço há tantos anos. Faço sempre uma repérage antes para perceber onde é que posso enfiar-me para conhecer como é que as pessoas vivem. E faço-o com a minha amiga Teresa Conceição há muitos anos. Ela é a pessoa ideal porque ela, como faz programas de viagens há muitos anos, é que faz o roteiro todo. Fomos conhecer a Tanzânia e Zanzibar, que é muito pequenino. Vamos às escolas, às vezes a instituições...
O que é que aquele canto do mundo tem de particular?
Pode parecer simplista e um lugar comum - e curiosamente tínhamos sentido isso no Sri Lanka - é uma total vontade de receber. Eles percebem nitidamente que precisam dos turistas mas fazem-no com um respeito muito grande. Gostei muito. É uma outra África, muçulmana, vemos as meninas desde muito cedo tapadas... Nas nossas perguntas - eu e a Teresa fazemos sempre muitas perguntas - eles diziam-nos que os mais jovens não estão tão assim. Frequentam as escolas e tapam-se mas, depois, vão às discotecas, fumam e bebem. Não sei. No Sri Lanka tive contato com uma religião completamente diferente [budismo] e eu gosto de ir mergulhar e de tentar perceber. É difícil perceber o impacto que as religiões têm nos povos e o que é fica de povo, o que fica de religião...
Até nós temos dificuldade em dizer qual é o impacto que a religião tem no nosso dia a dia.
E nós temos comportamentos tão católicos e somos um País laico... mas sim, foi bom. Essas viagens são uma espécie de penso rápido porque são muito poucos dias mas não me posso queixar. E são muito introspetivas. Nada me fascina mais do que conhecer outras pessoas, estar despida de tudo, ninguém sabe quem eu sou. Vou lá, faço perguntas, oiço. Estive com muitas pessoas do povo Massai, que são do continente, da Tanzânia e estão em Zanzibar. E porque é que eles estão lá? Porque a Tanzânia deixou de ter capacidade para eles poderem sobreviver. Não têm trabalho, as alterações climáticas fazem com que as vacas morram por causa da seca. Já não fazem a sua própria agricultura, então saem da Tanzânia e vão para Zanzibar e vendem o artesanato.
"Sou assumidamente de esquerda mas cresci a admirar pessoas na política: Freitas do Amaral, Sá Carneiro, Jacinto Lucas Pires"
As eleições legislativas acontecem dois dias depois do Dia Internacional da Mulher. O que não deixa de ser um bocado irónico porque as questões relacionadas diretamente com as mulheres, seja a maternidade, seja questões laborais, ocupam pequenos espaços nos programas eleitorais, como se as mulheres fossem uma minoria. Questiona-se porque é que isso acontece, porque é que questões como a violência obstétrica, os direitos laborais, a desigualdade salarial ainda sejam encaradas como "esta parte é para as mulheres"?
Sabe o que sinto? E falo muitas vezes sobre isso na Corações com Coroa... é assustador. Mais uma vez se chega à conclusão de que os nossos direitos são sempre secundários e nunca garantidos. Acho sempre que o esforço vai fazer com que nunca desistamos. Por outro lado, aquilo que eu sinto é que a política deixou de estar no espaço da escola. Nunca houve uma uma disciplina propriamente dita mas havia uma maior consciência política. Inclusivamente nas associações de estudantes - eu participei sempre em listas independentes - havia uma consciência política. Havia uma consciência de que era importante termos uma opinião, que nos juntássemos para fazer associativismo, que tratássemos das questões que tinham a ver com o todo, com a comunidade. De alguma forma havia uma passagem de mensagem que, de facto, o País precisava do voto, da juventude.
O que eu sinto agora é que há uma alienação. Tens jovens que percebem muito de política e tens jovens que estão completamente descrentes. E isso afeta necessariamente os direitos das mulheres. Porque não há uma renovação. Quem lá está há anos que é assim. Eu não sou nada pessimista mas estou um bocadinho desanimada. Nota-se perfeitamente que a participação das mulheres está a diminuir em várias esferas.
O que acha que vai ser Portugal no dia 11 de março?
Não gosto de fazer previsões... Tenho muita pena de não termos estadistas como tínhamos. Eu sou assumidamente de esquerda mas cresci a admirar pessoas na política: Freitas do Amaral, Sá Carneiro, Jacinto Lucas Pires... Hoje em dia, os debates são basicamente arenas, com tiros uns para os outros. Ninguém discute verdadeiramente questões e ninguém diz verdadeiramente aquilo que pode fazer. Dizem o que vão fazer num cenário de grande ficção! PS... estamos como estamos, é evidente que a coisa não está boa. PSD, bom... eu não vou dizer em quem vou votar mas estou apreensiva. Falo muito com jovens...
O que é que eles lhe dizem? Ou melhor, o que é que as jovens lhe dizem?
De uma maneira geral, as raparigas estão muito mais atentas aos problemas e às causas que têm que abraçar e às coisas que têm de conquistar. Por outro lado, a distância em relação ao 25 de abril é cada vez maior. Estes 50 anos, para estes jovens, e a minha filha, que vai fazer 18 anos, faz parte dessa geração, é uma coisa longínqua! Ou se faz parte de uma família que reporta todas essas vivências, que é o caso da minha família, por causa do meu pai [Joaquim Furtado, jornalista que leu o comunicado do Movimento das Forças Armadas na noite de 25 de abril de 1974]... as outras amigas dela, que nunca ninguém na família lhes falou do 25 de abril, e o que era antes, elas não têm noção.
Quando os miúdos, e uma grande maioria dos universitários está no Chega... e porquê? Porque não há memória nenhuma! É como se estivesssemos a construir uma casa sem estacas por baixo. Constroi-se de cima sem nenhuma História, sem comparação. É de uma profunda ignorância dizer que agora é que isto vai tudo mudar e que os corruptos não sei quê... dizem-se coisas graves. As perspetivas não são animadoras, é uma tendência, lá vem o Trump outra vez, e aí estamos a falar de um impacto muito maior, que implica com as duas guerras.
Falando sobre as guerras que estão a acontecer. Tem algum plano para, em 2024, fazer mais uma edição do "Príncipes do Nada"?
Quem me dera! Mas a RTP ainda não adjudicou.
Não há mais "Príncipes do Nada"?
Por enquanto, não há. Houve aquela temporada em Portugal, durante a pandemia. Eu não me calo de pedir. É a única coisa que verdadeiramente peço. Não peço mais nada. Gosto de fazer o que faço, o "The Voice", vou fazendo outras coisas também. Tenho outros dois projetos desenhados por mim mas aquilo que eu peço mesmo é os "Príncipes do Nada". Acho que tem muito a ver com as tendências de televisão. Qualquer dia faço por mim.
Agora vem o "The Voice Kids".
Sim, os diretos começam em junho, portanto deve estrear na Páscoa.
E a Corações com Coroa?
Vamos fazer a nossa conferência anual no Porto, finalmente! Eu queria muito descentralizar. Vai ser no dia 5 de maio, na Casa da Música. Vamos falar sobre feminismo e porque é que é urgente continuarmos a ser feministas. Não é uma pergunta, é uma afirmação.
E um dia talvez haja uma conferência da Corações com Coroa com uma primeira-ministra.
Sim, acredito que sim. A questão é que, para se ser político hoje em dia... outro tive tive uma conversa com o meu pai sobre isso. Eu equiparo muito um jornalista a um político, no entendimento que eu tenho de cada uma das profissões. Um jornalista é alguém que faz um serviço público à comunidade. É um denunciador, é um apontador, é um regulador da verdade. O político também serve a comunidade. É essa a missão, servir. E havia muitos políticos que o faziam. Eu não tenho nada aquela máxima "os políticos são todos iguais". Uma das coisas que digo muito aos miúdos nas minhas palestras é, quando eles dizem que "são todos iguais" ou "uns corruptos" é que é mentira. Os políticos não são todos iguais. Se vocês repetem as frases que os vossos pais dizem não têm sequer o cuidado de ir ver. Mas a maioria já não está lá por missão. E isso é que me faz confusão. Quem tem missão neste momento, em que são tão escrutinados, às vezes de forma muito leviana pela imprensa... às vezes tem razão, outras vezes não.
Para ser político hoje é preciso ter uma enorme capacidade de encaixe e uma enorme vontade de servir o País. E, às vezes, mesmo aqueles que são mais sérios, acabam por sair lesados... eu acho que é importante vermos o outro lado. E eu aqui defendo os políticos. O escrutínio é maior e, às vezes, é ridículo. Eu sou pela defesa da verdade e que eles têm de ser imaculados na gestão dos dinheiros públicos. Mas, às tantas, é demais. De alguma forma, este escrutinio é tão exagerado que vai fazendo uma triagem dos bons e dos maus e às tantas ficam só aqueles que têm sede do poder pelo poder.