A altura no cartão de cidadão de Inês Mocho pode marcar 1,55cm, uma medida pouco associada às modelos de passerelle. No entanto, os centímetros da influenciadora digital, empresária e mãe de 35 anos foram o que menos importou quando Inês desfilou na Madrid Fashion Week na sexta-feira, 17 de fevereiro, a convite da L'oréal Paris para um momento muito especial.
Há anos que a marca de beleza é uma das maiores patrocinadoras da semana da moda espanhola (que este ano, pela primeira vez, permitiu o acesso do público através da compra de bilhetes), e marca estes dias com um desfile próprio, sempre com uma causa como mote. Em 2023, "Desfila o teu Valor" era o tema deste momento, sendo também uma declaração de intenções de inspiração para todas as mulheres do planeta — até porque nós merecemos —, seja de que cor, altura ou tamanho for.
Esta foi também a primeira vez que o desfile L'Oréal Paris na Madrid Fashion Week, criado por e para mulheres, incluiu uma representante portuguesa. Mais do que os 305 mil seguidores no Instagram ou os 144 mil subscritores no canal de Youtube, foi a veia empreendedora e inspiradora de Inês Mocho que a levou a ser a escolhida pela marca, um desafio que agarrou com toda a convicção — e com muito pouco medo (ou nenhum) de cair.
"O tema, o mote, é justamente o que me traz cá. O estar aqui a personificar o empoderamento, o não termos limites, e o merecer estarmos aqui, é muito importante, é o tema do desfile", disse à MAGG nas horas antes de subir à passarela da Madrid Fashion Week, vestida pela designer espanhola Fely Campo.
Mas houve muito mais do que moda e beleza nesta conversa com a influenciadora digital que, mais do que com esse título, se identifica como empreendedora. Numa rota ascendente do percurso profissional, a ser capa de revistas como a "Lux Woman", com um espaço próprio dedicado à beleza no centro da capital, uma escola de maquilhagem e um sucesso indiscutível no digital, Inês Mocho nunca escondeu os obstáculos na vida pessoal.
Diagnosticada com endometriose, em abril de 2021 revelou ter passado por dois abortos no ano anterior, no espaço de poucos meses, ambos devido a duas gravidezes ectópicas (que acontecem quando o embrião se começa a formar dentro das trompas de Falópio). Também em 2021, em agosto, Inês anunciou a sua separação de Miguel Domingues, com quem tem uma filha em comum, Leonor, 5 anos.
"Sempre olhei para as mulheres como super heroínas, mas acho que agora já transcende isso, há aqui uma força que não se equipara", explicou à MAGG sobre o seu percurso, que mesmo com as dificuldades inerentes, a levou a sentir-se, hoje em dia, mais poderosa do que nunca.
Leia a conversa.
Como é que recebeu o convite e o que é que significa para si, não só representar Portugal pela primeira vez no desfile da L'Oréal Paris, mas também o tema, "Desfila o teu Valor"?
É tudo. O tema, o mote, é justamente o que me traz cá. O estar aqui a personificar o empoderamento, o não termos limites, e o merecer estarmos aqui, é muito importante, é o tema do desfile. Venho aqui mostrar que nós mulheres, em especial as portuguesas, também temos o sentimento muito forte de merecimento.
Tem ainda mais significado desfilar com este mote depois de passar por várias dificuldades como os abortos e a luta contra a endometriose?
Completamente. Na verdade, sinto que nasci numa casa que defende muito a igualdade de direitos, a igualdade de género, acima de tudo, a igualdade de oportunidades. Cresci a ouvir isto e sempre foi a minha realidade. Mas depois de passar pelas dificuldades físicas que nós passamos enquanto mulheres, seja da gravidez, depois as duas gravidezes muito desejadas que não correram como nós queríamos e acabaram por levar a dois abortos — um químico e outro que precisou mesmo de cirurgia —, tudo isto acaba por te dar uma visão da tua resiliência enquanto mulher, que é incrível. Sempre olhei para as mulheres como super heroínas, mas acho que agora já transcende isso, há aqui uma força que não se equipara.
Nunca teve receio de tornar essas dificuldades públicas. O que a levou a essa decisão?
Temos de normalizar. Da mesma maneira que dizemos que temos dores do período, que já falamos abertamente sobre nem sempre ser fácil lidar com a amamentação, acho que nesse mesmo espectro, também é muito importante falar sobre esta doença, a endometriose. É uma doença que afeta uma grande percentagem de mulheres, e é importante falar sobre e explicar os sintomas, educarmo-nos.
Teve receio de mostrar este lado mais privado, mais difícil?
Nenhum. Para mim, e no que diz respeito a este tema, nem me faz sentido usar aqui a palavra privacidade. Porque o motivo que me leva a falar é muito mais alto e muito mais nobre do que a minha privacidade. Na verdade, há assuntos que considero do foro privado, mas aqui acho exatamente o contrário, acho que tem de haver partilha.
Em termos profissionais, os últimos anos foram especialmente bons. Já no lado pessoal, passou por dificuldades de saúde, por uma separação. Como foi lidar com esta dualidade?
É engraçado porque hoje, passando por tudo o que passei a nível pessoal e profissional, sinto-me mais poderosa do que nunca.
As dificuldades fizeram-na crescer?
Sim. Acho que a todos nós. Fazem-nos crescer, evoluir, mudar de prisma, de perspectiva. Na verdade, uma dificuldade pode tornar-se algo bom, dependendo da nossa atitude. Acho que tudo o que me rodeia anexa-se a este sentimento de me sentir poderosa, que é como me sinto agora. Acho que acaba por ser uma consequência, na verdade. Estou a viver uma fase muito boa da minha vida profissional, muito positiva em várias frentes, mas acho que se deve a eu sentir-me muito bem comigo mesma. Tenho um amor saudável por mim.
"Sou uma pessoa que vive a vida com muita intensidade, com muitas histórias para contar
Falámos aqui de empoderamento, de feminismo. Mas há sempre aquela ideia de existir inveja entre as mulheres. Acha que isso ainda acontece, que as mulheres ainda são muito inimigas umas das outras?
Vou dizer de outra forma. Acho que nós, mulheres, ainda somos as nossas piores amigas, por vezes. Não somos as nossas melhores amigas, como devíamos ser.
Acho que nisso os homens conseguem fazer um trabalho melhor. São mais companheiros, perdoam-se muito mais. Somos muito exigentes, não nos perdoamos assim tanto. Vejo muitas mulheres à minha volta que ao mínimo erro, culpam-se logo, mesmo a si próprias. Dizem logo algo como ‘ai que burra’. Não vale a pena dizer isso, foi só um erro.
Há medo de errar com este desfile?
Nunca foi nada que eu tivesse pensado, principalmente aqui com o meu metro e meio e a minha destreza. Mas vou muito contente por estar a representar esta causa, por caminhar por esta causa, e isso dá-me realmente muito gozo.
Comecei a fazer vídeos há 13 anos, mas lembro- me de ser miúda e querer vender os meus desenhos. A parte de empreendedora já me estava no sangue, comecei logo ali a ver uma oportunidade de ganhar umas moedinhas. Daí foi um passinho para fazer tererés no verão, depois para o meu primeiro emprego a andar de patins num hipermercado, sendo que eu não sabia andar de patins, e por aí em diante.
Mais do que influenciadora, maquilhadora, aquilo que fala mais alto é a veia de empreendedora?
Sim, sim, sem dúvida. Acho que eu sou uma pessoa que vive a vida com muita intensidade, com muitas histórias para contar, e gosto muito de as contar às pessoas à minha volta, gosto de as inspirar a construir novas histórias.
"Foi a parte mais difícil da separação, entender e aceitar que ia ter metade da minha filha"
É uma mãe presente, mas depois da separação, acaba por ter de dividir a sua filha. Como é que lida com isso?
A separação fez-me ser mais organizada, fez-me crescer também. Aliás, acho que qualquer trauma ou rutura faz-nos amadurecer. Mas eu entendi que ia ter metade da minha filha. É algo que todos os pais que se separam e que fazem guarda partilhada têm de encarar, porque é a verdade: passamos a ter metade dos nossos filhos. E claro que foi a parte mais difícil da separação, entender e aceitar que ia ter metade da minha filha.
Mas a partir do momento em que aceitas essa verdade e a tua nova realidade, dá para aproveitares muito melhor. Se eu tenho metade do meu tempo com a Leonor e outra metade sem, quando não a tenho, dedico-me 100% a mim. À minha carreira, à minha vida pessoal, à minha vida social. E quando a tenho, estou muito mais dedicada a ela. A parte engraçada é que sinto que, hoje em dia, consigo aproveitá-la melhor do quando a tinha o tempo todo. Sentia-me sempre em falha, que estava a falhar com a minha família, com a minha carreira, com os meus amigos.
Esse sentimento de falha é algo comum às mulheres?
Sim, porque queremos dar o melhor de nós, e às vezes é bom que entendamos que o tempo tem limites e temos de encarar isso não como algo negativo, mas como a nossa realidade. E foi quando eu encarei que a minha filha tinha-me sido reduzida para metade que eu arregacei as mangas e pensei: ‘ok, então vamos aproveitar’.
O que é que gostava que a sua filha dissesse sobre si daqui a 10 ou 20 anos?
Orgulho.
E sente-se uma inspiração para a sua comunidade?
Espero inspirar. Mas quero que a pessoa que eu mais inspire neste mundo seja a minha filha.
Algum receio sobre hoje, que não seja cair?
Não tenho. Mesmo cair. Fora de brincadeiras, tenho expectativas muito realistas do meu papel, não sou nenhuma modelo. Venho é representar uma causa em que acredito, a convite da L’Oréal Paris, e acima de tudo, a verdade é que eu não tenho medo do erro. Se acontecer um erro, aprendo com isso.
E se eu cair, levanto-me, como muitas vezes já caí na vida, e levantei-me sempre. Se eu cair na passarela, levanto-me com um sorriso. Estar aqui já é uma conquista enorme, ser convidada para representar uma causa e uma marca que me inspira tanto, quer dizer que eu também sou considerada uma mulher inspiradora. E isso é o maior elogio que me podem fazer.
Foi capa de revista, está a desfilar em semanas da moda, tem uma marca, um espaço dedicado à beleza. O que é que ainda lhe falta fazer?
Tanta coisa. Sinto mesmo genuinamente que ainda estou no início do que vem por aí, tenho mil ideias a borbulhar na minha cabeça. O que não tenho é tanto tempo e, hoje em dia, vejo o meu tempo como algo finito. Isto é, temos limites. E eu tenho prioridades muito importantes e muito definidas na minha vida, sendo que uma delas passa por ser mãe.
Gosto de ser uma mãe muito presente na vida da Leonor. E se em certa medida há alguns projetos que eu vejo que não consigo levar logo avante por o tempo ser limitado e por eu também fazer questão de estar com a minha filha, sim. Mas é por isso que eu digo que estou no início e ainda há muito para fazer. Agora, há algo que é óbvio: maquilhagem. E se calhar estou já a trabalhar nisso.
Profissionalmente, esperava estar onde está hoje?
Claro que não. Quando eu comecei o canal de Youtube nem tinha a mínima noção que podia ser algo tão comercializado e com tanto poder. Agora se trabalho para estar onde estou? Trabalho. E por isso, nesse aspeto, não é uma surpresa eu ter chegado onde cheguei e tenho a certeza que ainda vou chegar mais longe. Porque trabalho para isso, porque tenho uma equipa fantástica que trabalha para isso. Se quando estava a começar, a fazer vídeos de maquilhagem na casa de banho dos meus pais, pensava que ia alcançar tudo isto? Não. Mas é justo? É.