É uma das vozes mais emblemáticas da música portuguesa do século XX e intérprete de clássicos como "Tourada" e "Adeus Tristeza". Fernando Tordo foi convidado do podcast Posto Emissor, da "Blitz", e partilhou as suas opiniões sobre o estado atual da música portuguesa.
A propósito de ter gravado uma música com uma orquestra, o músico de 73 anos vaticina: "Portugal vai ser um País de grandes orquestras, ficam já avisados". E continua, tecendo uma longa crítica à música atual. "A música vai reganhar a sua dignidade porque, atualmente, 90% do que ouvimos não tem qualquer dignidade. É uma coisa para atrasados mentais. Eu tenho de dizer isto porque eu agora digo tudo como os malucos. Digo em consciência, digo por experiência", atira.
Fernando Tordo, que ganhou o Festival da Canção em 1973 com a canção "Tourada", afirma que o "pico" da música portuguesa foram "os anos 60, 70". "Em que, de facto, as portas estão abertas. Grava em Portugal, grava no estrangeiro [...] dinamiza a canção. A capacidade criativa é uma coisa inacreditável".
Questionado sobre se, atualmente, se desvaloriza o trabalho musical do passado, o músico afirma que "o problema é que não se aprende". "E não se quer aprender, que é a pior coisa que há. Eu, às vezes, tenho certos diálogos com músicos. 'Fazia-te falta, de vez em quando, ouvir o Oscar Peterson, ouvires saxofonistas, trompetistas'. E são bons músicos. Mas noto que já não ouvem tanta música quanto deviam", continua Tordo, passando depois ao ataque às editoras.
"Nalguns que eu oiço, está o talento mas não está a alma aprendiz. E a alma do aprendiz é uma coisa fantástica. A malta, é muito o jogo que as editoras usam, a fazer o iogurte, é descartável. 'Ah, tenho aqui uma miúda com umas pernas giras, deixa cá ver o que é que acontece'. E é isto que temos. Salvo raras e honrosíssimas exceções, o que temos não cresce porque não ouve, porque não aprende. Têm que aprender. A minha geração aprendeu. Aprendeu e hoje diz assim: 'não percebo nada disto. Não sei nada de música'. A música que está lá em casa, que eu oiço, da Deutsche Grammophon, é essa a música que eu quero, a música grandiosa, a alma do homem", relata Fernando Tordo, cuja entrevista pode ouvir aqui na íntegra.
Estas declarações estão a ser alvo de muitas críticas por parte de figuras públicas ligadas ao meio musical. Entre elas Pedro Ribeiro, diretor da rádio Comercial. O tom de quase todas as críticas é a desilusão com esta posição de Fernando Tordo.
"Tudo isto é triste, tudo isto é mau. Depois de dois anos em que os músicos deste país lutaram com tanta dificuldade, sem concertos e com gravações adiadas sabe Deus para quando. Quando, apesar das dificuldades, estamos a viver um momento extraordinário da música portuguesa, em vários estilos tão diferentes, de criatividade, novos valores, diversidade… ler isto, vindo de alguém que tanto se respeita, dói. E revolta. Porque é injusto, ofensivo é só destrói, não constrói nada.
Desde a expressão utilizada, já de si vergonhosa, à ideia que passa, esta declaração amarga do grande Fernando Tordo constitui uma enorme desilusão", lamentou Pedro Ribeiro no Instagram.
A fadista Fábia Rebordão comentou este post, afirmando que é "muito triste e lamentável". Num longo texto, Miguel Cristovinho, músico dos D.A.M.A., alinhou pelo mesmo diapasão e fez questão de recordar que "viver da música em Portugal é muito difícil e só quem aqui anda sabe o quão duras as coisas têm sido".
"Há artistas geniais a viver na pobreza, a passar fome, a terem de trabalhar noutras áreas pois a música não lhes põe comida na mesa, há músicos incríveis que nunca tiveram a sua oportunidade de fazer vida a tocar, há artistas que estavam a começar a ter tração e não conseguiram aproveitar estes dois anos… até para alguns de nós - artistas que já têm alguma estrada e algum nome no panorama nacional - se não fossem os direitos de autor e as campanhas digitais teria sido IMPOSSÍVEL sustentarmos as nossas famílias. Por isso é que fico mesmo muito triste e desiludido ao ver declarações destas terem antena", escreveu Cristovinho.
Também Agir, músico e filho de Paulo de Carvalho (outro histórico da canção portuguesa, com quem Fernando Tordo trabalhou durante várias décadas, em projetos como "Os Amigos" e "Só Nós Três"), lamentou as palavras do intérprete de "Tourada". E oferece-se para dar a conhecer a nova geração de artistas portugueses ao músico de 73 anos.
"Terá sido um momento infeliz mas acredite que o que não falta, hoje em dia, são autores e intérpretes que só prestigiam a nossa língua e a nossa música. Terei todo o gosto em dá-los a conhecer ao Fernando, de preferência à mesa. Tenho a certeza que irá gostar, tanto da nova música como da refeição", escreveu Agir.