Numa altura em que se assinalam os 10 anos do primeiro restaurante de Kiko Martins, O Talho, especializado em carnes, a MAGG quis perceber se o chef nota uma diminuição no consumo e o que pensa acerca de todas as mudanças que têm acontecido e levado a uma demonização do consumo de proteína animal.

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"Não acho que as pessoas comam menos carne", considera, adiantando que O Talho foi, dos seus cinco restaurantes, aquele que "menos sofreu com a pandemia". "Não sinto um decréscimo no consumo em Portugal, pela quantidade de restaurantes que continuam a abrir ligados às carnes", continua.

"Mesmo as cadeias de fast food, não as vejo mais vazias — pelo contrário. E também não sinto um decréscimo de clientes aqui n’O Talho. Sinto que o cliente é mais exigente e mais seleto", argumenta, acrescentando que "12% do que nós consumimos a nível de proteínas no Mundo é frango. E esta é só uma das proteínas animais".

A carne é daqueles vilões por quem se torce?

Enquanto chef e detentor de um negócio que vive de carne, será que se sente pressionado a diminuir este consumo? "Não, minimamente", respondeu, de imediato, à MAGG. "Eu só tenho este restaurante dedicado às carnes. O Poke? Peixe. O Las Dos Manos? 80% peixe. A Cevicheria? 100% peixe. Não sinto que tenho vindo a fazer uma carreira só ligada às carnes", prosseguiu.

O chef de 44 anos diz não ter reparado numa diminuição na qualidade da carne. "Tenho notado que, para se ter qualidade, é preciso pagar. Se queres comer uma carne boa, tens de pagar. Peixe igual. Senão, vais comer dourada de viveiro ou um bife que encolhe", disse, à MAGG.

"Como alguém que gosta de comer, prefiro não comer carne todos os dias e sim uma ou duas vezes por semana, mas, quando como, que seja boa carne", esclarece. "A minha grande preocupação, em termos de alimentação, não é tanto a carne nem o peixe, é mais a nível de variedade, e tentar incluir legumes", garante.

Chef Kiko Martins
Foi há dez anos que o chef Kiko Martins abriu o primeiro restaurante, O Talho. créditos: Instagram

O chef gere um negócio ligado às carnes há uma década. Agora, numa altura em que estas são vilanizadas, o que vai mudar n'O Talho? Aparentemente, nada. "O problema da carne não está no consumo animal, está na quantidade de recursos necessários para a produzir, como água e o dióxido de carbono que isso produz para a atmosfera", crê.

"Por isso, temos de, inevitavelmente, consumir menos. Não temos hipótese. Vamos ter de saber comer de forma diferente", remata o chef Kiko. A hipótese de, no futuro, abrir um restaurante menos dedicado aos animais e mais aos legumes, parece fraca: "Há tantas coisas que eu gostava de abrir... Não está nos meus planos para agora. Mas terei novidades para breve".

As infindáveis restrições alimentares do ponto de vista de um chef

E como lida este cozinheiro com todas as especificidades trazidas pelos clientes de hoje em dia? "Tenho tentado ser cada vez menos fundamentalista. Sou mais ponderado, mais tolerante. Aceito a diferença. Aceito alguém que me diga que faz jejum intermitente, que só come peixe, que não come hidratos de carbono. Já apanhei malucos de tudo", assegura.

Com "a maturidade e os anos de vida", começou a habituar-se a estas peculiaridades. "Temos de estar preparados para fazer o que for preciso", diz, referindo-se aos chefs e a esta fase em que "há a moda de se ter que ser diferente". "É raro" ninguém apresentar quaisquer restrições.

"Há sempre alguém que diz 'o meu café é sem princípio, pingado, numa chávena…'. Começamos a entrar numa onda já muito esquizofrénica e louca", acha. "Todos temos amigos que dizem que são intolerantes a tudo e alérgicos. Eu não acredito que tudo seja totalmente verdade. Às vezes, são preferências", refere.

O cozinheiro reforça, ainda, em modo de exemplo, que "não há ninguém a quem o glúten caia bem". "Tudo tem que ver com os excessos e a capacidade do organismo de assimilar. Acho que isto são mais modas e tendências", considera Kiko Martins.

"Há 12 anos que esta aventura começou a ganhar sentido", diz, sobre a abertura d'O Talho, o restaurante onde serve as melhores carnes, vindas de todo o planeta, e onde também as vende para fora. Decidiu arrancar com o projeto depois de vaguear pelas ruas de Lisboa. Apercebeu-se de que a carne não estava a ser muito bem tratada. "Comecei a reparar que o setor do talho estava estagnado. Sem estética, com cortes complicados", referiu. Veio, então, a vontade de "criar um restaurante onde a carne fosse elevada a outro nível". Depois de um estágio de um mês num talho em Alvalade, montou o seu próprio espaço. E já lá vai uma década em que o projeto "deu um grande gozo e ainda dá um grande gozo".