Ainda nos lembramos quando, no início do percurso culinário de Teresa Cameira, vimos a publicação de uma receita de arroz de corvina, coentros e limão. Aquela imagem, de um arroz cremoso, com peixe e o verde dos coentros, ganhou como que um efeito 4D porque de imediato sentimos o cheiro daquele arroz, tão semelhante ao que a nossa avó fazia. Avó essa que também cozinhava pescada cozida, prato de que sempre gostámos. Mas Teresa Cameira não. "Eu, Teresa Cameira, não gosto de pescada cozida!", assume no novo livro.
"Gosto muito de peixe e até gosto de cozido, mas pescada cozida é aquele peixe que eu não... Pescada cozida é boa em filetes, não precisamos de pô-la cozida", brinca. "Mas acho que a maioria das pessoas tem aquele odiozinho de estimação ao peixe cozido, por isso é que o subtítulo do livro é esse ["Receitas para nunca mais dizer 'outra vez peixe cozido'"], para puxar àquela memória de infância que quase toda a gente tem de 'não te levantas da mesa enquanto não acabares de comer o peixe'", conta Teresa Cameira à MAGG.
A criadora de conteúdos originais de 31 anos, que chegou a iniciar o curso de Direito, descobriu que era a cozinha que a apaixonava e depois de um blogue e várias receitas publicadas no Instagram, acaba de lançar o seu primeiro livro, no qual partilha um receituário com o toque que a Teresa Cameira tem habituado os seguidores, de simplicidade, mas focado num só ingrediente: o peixe.
"O Livro do Peixe", lançado a 27 de junho, surge assim como uma bíblia da literatura culinária daquelas que já não existia há algum tempo.
"Acho que o peixe não é assim uma matéria à qual se tenha dedicado muito a atenção nos últimos tempos. Existe quase que uma lacuna no mercado de livros dedicados à temática, sendo que eu tentei focar o livro em receitas de peixe do mar nacional, também para fomentar o consumir local e a importância que isto tem não só para a sustentabilidade, como para a própria economia", explica sobre o facto de ter escolhido fazer um livro apenas com receitas de peixe.
Numa altura em que a inflação é um pesadelo na vida dos portugueses e assombra cada ida ao supermercado, falar em comprar peixe é quase sinónimo de uma pesada conta no final. Seria fácil contornar a situação apenas com latas de atum (e mesmo assim o preço aumentou nos últimos meses), mas a alimentação quer-se diversa e saudável, pelo que o preço do peixe é incontornável.
"O peixe está no oceano, requer que seja pescado. Dependendo do método, acaba por encarecer mais ou menos. Há variedades que são mais caras por serem pescadas, por exemplo, à linha. E há outros peixes que, pelas suas características, são mais fáceis de pescar ou em maior quantidade. Portanto, acho que aqui temos de, obviamente, reconhecer o valor do próprio ingrediente, sem esquecer que não é só estalar os dedos e ele vem à rede", refere Teresa.
Por outro lado, o que faz encarecer o peixe em relação à carne é o facto de no caso do primeiro não existir tanto a prática de uma produção massiva, a não ser quando o peixe é de aquacultura. Este é um fator que dita a qualidade do peixe e a que devemos estar atentos numa ida ao mercado — e, sim, mercado e não supermercado, como convida Teresa Cameira.
"Todas as receitas que tenho é com peixe fresco e é mesmo para fomentar a proximidade das pessoas com o comer peixe e também com o ir aos mercados e conhecer o peixe. Eu conto isto no livro: muita da paixão em relação ao peixe vem de ir aos mercados quando era miúda e ver as bancas, as peixeiras... acho que a relação começa muito nessa base", refere.
Numa alimentação equilibrada, há espaço para as refeições vegetarianas, a carne esporádica e o peixe de qualidade, por isso, quando é para comer um prato de origem animal, que seja com todo o sabor a que temos direito (mesmo que seja peixe cozido).
Como escolher e pedir para arranjar o peixe
Antes de dar a conhecer as receitas n'"O Livro do Peixe", Teresa Cameira deixou algumas dicas essenciais para que confeção resulte num prato saboroso. Uma delas é escolher o peixe.
Quando estava a preparar o livro, Teresa Cameira pediu aos seguidores que deixassem perguntas gerais e uma das mais frequentes foi precisamente "como é que se escolhe peixe?". A resposta é dada no livro, no qual além de ensinar a escolher peixe nos mercados, dá a conhecer variedades menos comuns.
"A ideia foi ir buscar peixe nacional, aqui da nossa costa, e para os quais as pessoas se calhar não estão tão despertas para o consumo. Por exemplo, a cavala ou a xaputa, muito mais baratas do que o resto dos peixes. Não coloquei nem chernes, nem peixes assim mais caros. Mas são peixes efetivamente do nosso mar e que às vezes as pessoas acabam por não comprar, porque não sabem como preparar" — pelo menos até terem o livro nas mãos.
Outra pergunta frequente foi "como pedir para arranjar?". Escalado? Amanhado? Já em filetes? Não há resposta certa.
"Depende muito da destreza. Porque eu posso pedir um peixe completamente amanhado, escamado e sem as entranhas, e depois em casa fazer filetes. Mas eu sei fazê-los. Quem não souber, se calhar, é um bocadinho difícil e não vai sair tão perfeitinho à primeira. Por isso, acho que se as pessoas ainda não estão familiarizadas com o próprio do peixe, é: pedir no mercado para arranjar da forma como quer", aconselha Teresa.
Como comer peixe com sabor
Chega a segunda e fundamental parte: o que fazer com o peixe? Primeiro, ter cuidado. É que este é um ingrediente sensível e basta um deslize para que perca todo o sabor desejado.
Vai assar? Então atenção ao tempo. "Não deixar cozer demasiado. As pessoas esquecem-se de que a carne do peixe é super sensível e cozinha mesmo muito rápido", lembra Teresa. Meio quilo de robalo fica pronto em aproximadamente 25/30 minutos, sendo que mais tempo do que isto vai ficar tão seco que perdemos a vontade de comer.
Dica? "Se quiser acompanhar o peixe com umas batatas, comece pelas batatas e o peixe vai só no fim", refere a autora d'"O Livro do Peixe".
Como se vê, cozinhar peixe é rápido e simples e só requer um segredo para fazer melhores pratos: provar mais peixes e, claro, fazer as receitas de Teresa (já lá vamos). "Bem sabemos que um peixe com um bocadinho de sal numa grelha é delicioso. É deixarmo-nos ir. Se o produto for bom, não é preciso inventar muito", aconselha. Caso queira inventar, pode colocar num peixe assado umas gotas de limão, pimenta e ervas frescas e já fará um brilharete.
Peixe cozido... o não mais eterno renegado
Quando falámos com Teresa Cameira a propósito do novo livro, uma das questões que mais queríamos ver respondida era "como aprender gostar peixe cozido". A resposta foi simples, mesmo para quem, como quase todos nós, tem um qualquer trauma com peixe cozido desde a infância.
"Tenho essa dica no livro: então como se faz peixe cozido com sabor? A primeira coisa é aromatizar o caldo ou cozer mesmo num caldo de peixe, também há essa receita no livro. Portanto, fazer um caldo de peixe e depois cozer nesse caldo. Obviamente vai ficar com muito mais sabor", começa por explicar, deixando como exemplo para confecionar o caldo a utilização das espinhas e da cabeça do peixe — uma forma de reaproveitar toda a matéria prima.
"O juntar aromáticos ao próprio peixe, isto é, colocar na água de cozer o peixe grãos de pimenta, folhas de louro, ramos de ervas frescas e alho, vai logo dar imenso sabor", continua.
De volta ao ponto anterior, o tempo de cozedura também é importante neste caso. "Um dos bons truques para começar a gostar de peixe cozido é deixá-lo cozinhar menos tempo. Ir vendo o ponto da cozedura e aprendendo o ponto vai tornar-se mais fácil de comer", refere Teresa Cameira.
O que é suposto dizer depois deste livro?
Sendo "Receitas para nunca mais dizer 'outra vez peixe cozido'" o subtítulo d'"O Livro do Peixe", fica por saber o que devemos então dizer depois de explorar o novo livro de receitas de Teresa Cameira.
"É suposto dizermos que ficámos com vontade de cozinhar mais peixe, de ir visitar um mercado tradicional e ver a arte que é e as bancas cheias, porque existem mesmo muitas variedades", que podem ser testadas nas receitas simples de Teresa. "Aqui a ideia é as pessoas no final dizerem 'ah, que fixe, afinal não é assim tão complicado, quero cozinhar mais e quero saber mais sobre'", remata.
Enquanto não tem o livro (P.V.P 17,45€), pode já pôr mãos à obra com estas duas receitas.
Receitas d'"O Livro do Peixe".
Massada de peixe
Ingredientes:
— 1 cebola pequena, picada
— 3 dentes de alho, picados
— 2 tomates, sem pele e sementes, picados
— 1/2 pimento vermelho, sem pele e sementes, picados
— 30g coentros
— 1 folha de louro
— 75ml vinho branco
— 350 gramas arroz carolino ou massa cotovelos
Ingredientes para o caldo de peixe:
— 300 gramas peixe
— q.b. sal
— q.b. pimenta
- Salsa ou coentros para terminar
Modo de preparação:
Coloque a aquecer um tacho largo em lume brando. Quando estiver quente, cubra o fundo com um fio de azeite, junte a cebola e mexa bem. Quando a cebola estiver translúcida, junte o alho, os talos dos coentros picados e deixe cozinhar até que a cebola comece a ganhar uma cor dourada. Nesse momento, é altura de acrescentar o pimento em cubos, temperar com um pouco de sal e deixar cozinhar por uns minutos até que amoleça ligeiramente. Então, levanta-se o lume, juntam-se os cubos de tomate e o vinho branco, mexendo sempre até que o álcool evapore e o tomate se desfaça ligeiramente.
Junte a massa e deixe fritar ligeiramente. Cubra com o caldo e vá sempre mexendo. À medida que o caldo for sendo absorvido, acrescente mais, na quantidade suficiente e necessária para quase cobrir a massa. Vá provando para verificar o ponto de cozedura. Quando estiver quase cozido, já al dente, isto é resistente no centro, mas suave nas pontas, acrescente o peixe, tempere com sal, junte um pouco de caldo e envolva com cuidado. Deixe cozinhar até que o peixe esteja cozinhado, os temperos e o caldo. Sirva de imediato para um conforto instantâneo.
Caril Verde
Ingredientes (para quatro pessoas):
— 1 cebola pequena
— 3 dentes de alho
— 1 pedaço de galanga, com 3 cm
— 1 folhas de lima kaffir
— Raíz de 1 molho de coentros
— Folhas e talos de 1 molhos de coentros
— 4 ramas de cebolinha
— 1 colher de café de flocos de malagueta
— 150 ml caldo de peixe
— 100 ml leite de coco
— 400 gramas filetes de robalo
— 100 gramas ervilhas de quebrar
— 100 gramas courgette
— 1 colher de sopa molho de peixe
— q.b. óleo de sésamo ou um óleo neutro
— q.b. molho de soja
Modo de preparação:
Comece por cortar a courgette em meias rodelas finas e arranje as ervilhas, retirando-lhes o fio e cortando em pedaços da mesma dimensão que as rodelas de courgette. Prepare os ingredientes que compõem a base do nosso caril: pique a cebola, fatie finamente o alho e o cebolinho, rale a galanga e as raízes dos coentros.
Num tacho largo em lume médio, aqueça um fio de óleo e nele refogue a cebola, o alho, o cebolinho, as raízes de coentros, a galanga, a lima kaffir e os flocos de malagueta. Deixe que a cebola caramelize ligeiramente, adicione uma colher de sopa de molho de soja e o caldo de peixe. Deixe cozinhar em lume brando por cerca de vinte minutos.
Retire as folhas de lima e transfira esta mistura para o copo da varinha mágica ou processador e triture com o leite de coco até obter um preparado homogéneo. Verta metade para o tacho e triture bem o que ficou no copo com as folhas e talos dos coentros, até ficar com um líquido bem verde e homogéneo.
Ligue novamente em lume médio e junte ao tacho as ervilhas, a courgette e os lombos de peixe. Quando o peixe estiver a meio da cozedura, junte o restante líquido com os coentros. Mexa com cuidado, retifique o tempero e deixe terminar de cozinhar tapado. Sirva de imediato com um arroz basmati bem soltinho, capaz de absorver este molho delicioso.