O chef Rui Paula já não tinha como dizer que não a todos os clientes, na sua maioria estrangeiros, que ainda que não quisessem voltar para casa sem experimentar comer num dos restaurantes com melhor vista do País, não tinham opções que respondessem a um estio de vida no qual a carne e o peixe não entram.
Não que o chef não tivesse criatividade para adaptar os pratos às necessidades de cada um mas, a funcionar maioritariamente com menus de degustação, sentia a urgência de que o vegetariano não fosse apenas uma alternativa, mas sim uma das opções principais. E tranquilizem-se os que não abdicam do peixe, continua a haver um menu com ostras, atum, lavagante e até feijoada de tripas de bacalhau.
Com esta adaptação, a Casa de Chá de Boa Nova, em Leça da Palmeira, é desde o final do ano passado um dos poucos restaurantes com estrela Michelin em Portugal a ter um menu totalmente vegetariano. E Rui Paula não quis fazer a coisa por menos e lançou-se logo numa ementa de 21 pratos (ou 12 ou oito, em versões mais abreviadas — e mais baratas— da experiência).
"Preferimos chamar-lhes momentos, para não assustar aqueles que acham que o que vem para a mesa são 21 pratos completos", explica Igor Lima, que, enquanto chef de sala, serve também de mestre de cerimónias a esta viagem pelo mundo do fine dining de base vegetal.
As memórias do chef continuam a servir de base ao que é apresentado no restaurante, assim como habituou o público em todos os outros espaços com a sua assinatura. Começou num restaurante de comida tradicional, o Cepa Torta, em Alijó, para rapidamente saltar para um conceito mais arrojado no DOP, em Armamar, e no DOC, que reeinventou a forma de servir comida tradicional, desta vez no centro do Porto.
Ainda que não queira transformar a Casa de Chá num restaurante vegetariano, explica à MAGG o chef Rui Paula, quis abrir o restaurante a todos. "Não somos nada rígidos e, por isso, queremos que toda a gente tenha oportunidade de nos conhecer". Essa flexibilidade nota-se numa ementa dividida em dois, com opções de peixe e outras vegetarianas, mas também nas adaptações feitas ao longo do tempo e que transformaram um menu pensado inicialmente para 21 momentos (160€), em experiências de oito (90€) ou 12 (120€). "Nesses casos, sugerimos a seleção dos pratos, até porque terão um encadeamento mas, mais uma vez, o cliente é livre para montar o seu próprio menu", refere.
Nós deixámo-nos nas mãos do chef, com 12 pratos servidos num encadeamento sem tempos de espera. E mesmo que os houvesse, sem problema, estamos ao lado de uma lareira acesa e à nossa frente está o mar de Leça.
O primeiro prato a chegar à mesa é um dos mais especiais. Não pela complexidade da confeção, mas porque é aquele que faz com que Rui Paula regresse à infância. "Lembro-me de comer pão com manteiga à lareira, com a minha avó. É uma coisa que sabe a casa". Desta vez vem barrado com manteiga de sésamo e não é por isso que nos sentimos menos reconfortados.
Segue-se uma salada de pepino, uma folha shiso com caril, um prato feito de milho e abacate, abóbora assada com amêndoa, uma batata doce com caldo de legumes, um seitan caseiro com puré de tupinambur e ainda aquele que nos calou para sempre a frase "Não gosto de éclairs". Este é feito de couve-flor, meus caros. Couve flor. E é incrível.
Gostámos tanto que de sobremesa vem o quê? Outro éclair, desta vez com recheio de mousse de framboesas, lichias e pepino.
Deixámos o resto da carta para uma segunda visita, mas aqui ninguém nos deixa sair com a sensação de que ficou algo por provar. Convidam-nos a ir à cozinha onde levam todos os clientes sempre que a casa não está cheia. Há tempo para uma visita guiada e é lá que nos espera o 13.º momento da noite — um extra que a cozinha oferece em formato digestivo — servido num prato de queijo de Azeitão e num copo de Vinho do Porto que sai diretamente da pipa.
Depois disto, alguém se lembra sequer que no Porto se comem tripas ou francesinhas? Nós não.