Manuel Dias não tem aquela história típica do miúdo que sempre gostou de cozinhar e que se formou em cozinha até arranjar trabalho numa. Numa entrevista dada à MAGG, pouco tempo depois de se ter mudado para os Açores, admitia que nunca frequentou nenhuma escola de culinária e que, durante muitos anos, cozinhava o suficiente para não ter que comer massa com atum e salsichas todos os dias.
Parece irreal, agora que o vemos como diretor de F&B do Santa Bárbara Eco Resort e do White, dois hotéis que vieram transformar a hotelaria dos Açores. E para conceitos inovadores, gente inovadora. E nisso, Manuel está na linha da frente.
Se durante algum tempo assumiu, em dupla com André Fragoeiro, a cozinha do Cardume, restaurante do White — na altura exclusiva a hóspedes —, agora tem a responsabilidade de escolher equipas, menu e pratos para as duas cozinhas, abertas a todos os que queiram experimentar um conceito diferenciador numa ilha habituada a pão doce e bons bifes.
No White, o menu é sempre de degustação, feito com carne de pequenos produtores e peixe do dia. Já os legumes, esses, têm segredo. É que Manuel decidiu que, com a mudança de cargo, iria finalmente investir naquilo que considera fundamental para fazer uma cozinha sustentável: uma horta. A pequena quinta está montada no Santa Bárbara, mas serve os dois restaurantes, tanto nos pequenos-almoços como nas refeições principais.
Asiático, mas com lapas, lírio, e carne de vaca dos Açores
Não querendo quebrar com a linha asiática do restaurante do Santa Bárbara, Manuel decidiu sim elevá-la a um outro nível. Agora, em vez de apenas sushi, encontra uma viagem pelo Japão, mas também pela Tailândia e a China. Isto sem nunca sair dos Açores.
É que ainda que encontre pratos como bao, caril, niguiris ou gunkans, os ingredientes não vêm de longe. O peixe é o do dia — "é por isso que não temos o típico salmão", explica Manuel — a carne é de pequenos produtores e os legumes vieram da horta. Por isso, na carta, nunca estão especificados. "O caril, por exemplo, é de 'vegetais da horta'. E o prato nunca vai ser o mesmo no inverno e no verão".
A MAGG teve a sorte de visitar o espaço ainda janeiro estava a estrear. À primeira vista, o caril parece complexo e ficamos ali a pensar como raio vamos fazer para comer aquilo. No prato vêm os legumes, todos eles cozinhados de forma diferente: tempura de acelgas, abóbora assada, puré de batata doce, pimento grelhado e brócolos escaldados. Ao lado, uma taça de arroz e numa molheira, o molho verde, feito com leite caseiro, temperado q.b..
No final, é fácil. Basta juntar a molhanga ao arroz e tudo parece perfeito, desde os tempos em que bastava desfazer a gema do ovo estrelado no arroz aquecido para sermos felizes.
Para fazer acontecer esta carta, Manuel Dias chamou reforços do continente: André Santos é o chef de cozinha e Maria Milagres a chef de pastelaria. Juntos fazem com que a experiência não tenha pontos altos, andamos sempre lá em cima. É que, além do caril, servem-nos de entrada um bao de cogumelos que de tão saboroso — e nada efeito borracha, como acontece a tantos por aí — mais parece um bolo lêvedo. Já durante a sobremesa, o coração vacilou entre o ananás caramelizado envolto em rum e o bolo de banana com mousse de amendoim, chocolate e toffee.
A quinta onde tudo nasce
Na paisagem incrível que se tem de cada quarto, surge agora um verde extra. É que o hotel ganhou um espaço de wellness e uma quinta, que, parecendo que não, até se complementam. Dentro do espaço de spa e ginásio, crescem várias plantas de maracujá. "Para o ano vai ser aqui um cheirinho", comenta Manuel. Além disso, é lá dentro que crescem também algumas ervas aromáticas.
Cá fora, o espaço divide-se entre zona de plantação exterior, interior e hidroponia. Ao ar livre estão plantadas batatas, cebolas, couves de bruxelas, acelgas e vários canteiros com ervas aromáticas. E até meloas de Santa Maria ali cresceram no verão. Já no interior, o espaço é reservado aos pimentos, curgetes, beringelas e alho selvagem — uma espécie que, segundo Manuel, ninguém usa e que descobriu de forma selvagem. "É incrível, é uma mistura entre a cebola e o alho. Ora cheira". Confere.
Na zona de hidroponia, as plantas crescem em água. Aí estão as alfaces, as beringelas e alguns verdes usados na cozinha asiática como é o caso do tatsoi.
Ainda antes de voltarmos à cozinha, de onde nunca quisemos sair, passamos por Ícaro, o mini cavalo que já se transformou em mascote do hotel, mas que na verdade é muito mais do que isso. É que o animal come os excedentes da horta e as suas fezes servem de composto para a quinta. "Dá uma grande ajuda a fechar o ciclo da sustentabilidade", esclarece o chef.
Veja aqui alguns pormenores da nova quinta do Santa Bárbara.
* A MAGG ficou alojada a convite do Santa Bárbara Eco Resort