Sabem aqueles sítios que vos vão passando no feed do Instagram, nos stories, que estão sempre a adiar visitar mas que continuam na lista de desejos? Era o caso do Goela Abaixo. Até ao dia em que decidimos passar da teoria à prática e lá nos pusemos a caminho do Porto.
O restaurante de João Ribeiro fica escondido entre prédios, junto à Avenida da Boavista. Não queremos que o negócio esmoreça, muito pelo contrário, mas ainda bem que não está à vista de todos porque, assim, temos a certeza que as pecaminosas cookies de chocolate não vão desaparecer antes de lhes conseguirmos meter o dente.
Estar no Goela é como estar em casa. À entrada, há um aparador, qual hall, onde se dizem os 'olá' e os 'adeus' ou se levanta o take away. A sala, com a cozinha separada apenas por um vidro, e onde podemos ver João e a equipa a preparar pratos e sobremesas, é acolhedora, luminosa, decorada de forma descontraída e colorida. A um canto, repousa um frasco enorme e transparente, onde, explica-nos depois o chef, está "uma experiência" de nabos em conserva com vinagre de sidra.
Abrimos as hostilidades com dois tipos de spring rolls (4€, dose): camarão e porco e de cabrito. Ficámos completamente rendidos aos segundos porque, não sendo fãs da carne desse animal, a combinação de sabores refrescante atenuou a untuosidade do sabor.
Seguimos para os pratos principais. Primeiro, o katsu curry. Um delicioso panado de frango frito com caril japonês, "um bocadinho mais adocicado", e arroz "com um toquezinho de vinagre de arroz" (8€).
O prato do dia que, naquela quinta-feira, era chilli com carne, guacamole, pico de gallo e arroz (7€). João não faz a coisa por menos, nem um chilli como os demais. Um tipo de feijão? Não, isso é para amadores. Três tipo de feijão. Como se diz por estas bandas, "'bai buscar".
As famosas bolachas do Goela Abaixo vêm em tamanho XL e há quem não deixe que elas desapareçam da ementa. Cada unidade custa 2,50€ e há de noz e de chocolate. João inspirou-se nas cookies da Levain Bakery, em Nova Iorque, adaptou a receita e criou um dos itens mais procurados da carta.
"Tenho um cliente que, todas as semanas, leva quatro bolacha para o fim de semana. Uma cena gira: ofereci-lhe um cartão com direito a 365 bolachas. É um staple, nunca posso tirar da carta. Quem chega ao Goela quase de certeza que vai encontrar bolachas. Só se esgotarem", assegura o chef.
Random comfort food. "Aqui, a ideia é não haver conceito"
O Goela Abaixo abriu em janeiro de 2020. Depois fechou. A pandemia da COVID-19 apanhou o Mundo de surpresa, mas não João. "A parte engraçada é que eu, felizmente, já tinha orientado o negócio praticamente todo para take away. Ou seja, não precisei de adaptar. O problema é que, como tinha aberto há pouco tempo, não tinha ainda clientela fixa. Foi muito desafiante aguentar-me aquele primeiro ano", começa por explicar.
Quando as medidas de restrição abrandaram, chegou uma readaptação, desta vez no espaço do restaurante. "Assim que o pessoal começou a voltar aos escritórios, houve muita procura. Ao longo de 2021, o espaço foi mudando, até ficar como está agora". Neste momento, João consegue ter um equilíbrio entre a clientela de take away e que visita o restaurante, o que lhe permite já ter uma pequena equipa a ajudar. "Chegou um momento em que estive aqui literalmente sozinho a trabalhar. Foi desafiante e está a ser um crescimento muito engraçado."
"Há duas coisas que eu nunca pensei que iria ter. Um take away e pratos do dia. E foi isso que eu criei", conta João. Mas foram exatamente esses dois elementos, em momento distintos da história do Goela Abaixo, que criaram uma base sólida de clientes assíduos.
Natural de Santa Maria da Feira (Argoncilhe, para sermos mais específicos), João estudou engenharia informática. Nada que ver, não é? "Ao fim de dois, três anos, percebi que não era isso que eu queria e fui tirar um curso de pastelaria na Escola de Hotelaria do Porto". Trabalhou nessa área e, quando sentiu que estava "a estagnar", mudou. Foi para um restaurante na Ribeira, "sem saber grande cena de cozinha".
O trabalho deu frutos e recebeu um convite para chefiar a cozinha do Terminal 4450, steak house em Leça da Palmeira. "Fui para lá sem nunca ter grelhado uma carne na vida", recorda. De uma casa especializada em carnes grelhadas para outra e, depois, para o Tascö, até que, em outubro de 2019, chegou a altura de "agarrar" o espaço onde, mais tarde, viria a nascer o Goela Abaixo.
"Random comfort food" (em português, "comida de conforto aleatória) é o lema do restaurante. "Aqui a ideia é não haver conceito. Acordo de manhã e digo 'quero experimentar aquele prato japonês, um katso sando, vou fazer!'. Tem sido muito divertido e agora que já começo a ter uma base de clientes fiel, a receção é muito boa."
João fala de pratos como o katsu curry que provámos, ou uma sopa de tomate com tosta de queijo e, apesar de já termos almoçado, voltamos a ficar com água na boca. Mais uma vez, aqueles pratos de conforto que nos passam à frente no Instagram, pão douradinho, a escorrer cheddar derretido, mergulhado numa tigela XXL de sopa vermelha fumegante! Ai, ok, vamos parar.
"Eu tenho noção que, em qualquer outro projeto onde trabalhei, nunca na vida ia fazer isto. Claro que há pratos que não funcionam tão bem". Pedimos exemplos de experiências que falharam redondamente. "Acho que foi quando fiz uma moussaka de borrego. Só que acho que o problema foi o meu forno e não ter contabilizado bem os timings da coisa. Ou seja, as vezes são mais pormenores técnicos do que propriamente a receita em si. Eu sei que parece ridículo, mas acho que é mesmo fácil seres bom cozinheiro se provares o que estás a fazer. Quando alguma coisa me corre mal, é porque não provei e confiei", admite.
O restaurante, que fica numa zona residencial mas também com muitos escritórios perto tem, como conta João, clientes assíduos "de segunda-feira a sexta-feira". E que procuram exatamente esse fator "random" que a ementa, com pratos que rodam todos os dias, proporciona. "Sinto que se eu cair na preguiça de tirar os pratos do dia, vou perder muita gente", diz o chef.