O fecho de seis espaços em Lisboa poderiam simbolizar uma representação substancialmente menor do chef José Avillez em Lisboa, mas não será, de todo, o caso. A realidade é que a partir da noite desta segunda-feira, 29 de junho, a sua oferta gastronómica passa a estar à distância de uns quanto toques no telemóvel. É isso: depois de um corte e costura, que levou ao fecho de alguns espaços e à mudança de sítio de outros, o Bairro do Avillez do Largo da Trindade deixa de se cingir ao espaço físico que ocupa, para ganhar uma montra virtual na plataforma Uber Eats, que, assim, passa a levar pratos da Páteo, Taberna, Pizzaria Lisboa e até Mini Bar (os dois últimos recentemente inseridos nesta vila do chef) diretamente à mesa dos lisboetas.

A composição desta nova montra virtual com assinatura de Avillez é "democrática", agrada a todas as idades, paladares e, claro, carteiras. A parceria entre o Bairro e a Uber Eats deixa os dois lados felizes, dizem-nos, sentados à mesa. Para o chef, representa um modelo de negócio complementar, uma forma de reinvenção impulsionada pelo novo e inesperado contexto de pandemia que se vive — e que tão duro tem sido para a área da restauração. Para a plataforma de entrega de refeições em casa, representa uma mudança de posicionamento: agora, mais do que refeições, a estratégia passa também por apostar no transporte de experiências gastronómicas à residência de quem solicita o serviço.

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As azeitonas explosivas do chef, sentado na cabeceira, acabam de aterrar à nossa frente e são, de facto, um dos mais suaves estrondos que as nossas papilas gustativas já sentiram. Depois veio o famoso "cornetto" de atum picante e, novamente, "queremos mais disto", pensamos. Mas, ainda bem que não. É que a lista que se segue é extensa: Pizza Mouraria, Pizza Pessoa, passando-se depois para o camarão salteado com molho kimchi, a primeira oferta exclusiva do chef na sua novíssima montra virtual.

Terminadas as entradas (sim, ainda vamos aí), os principais: uma moqueca de peixe e camarão e pluma de porco alentejano com crocantes batatas fritas. Para terminar, as sobremesas, onde se incluem pavlova, bolo de chocolate ou caramelo salgado. Está com água na boca? Boa. É que são algumas (sim, só algumas) das opções presentes na carta do Bairro na Uber Eats, a que se juntam outras que sejam também capazes de sobreviver às viagens e tempos entre a cozinha e a casa de quem requisita o serviço, explica-nos o chef — que, já agora, nos revela também que uma vez por mês irá entregar pessoalmente um pedido vencedor de sorteio a casa.

conjunto
conjunto Zé Diogo Lucena

Fomos à rua durante uns minutos e não conseguimos deixar de ficar atordoados pelas obras que decorrem mesmo ali à frente. Mas já sabemos para o que é: o piso está a ser trabalhado para ali ser montar uma grande esplanada. Voltamos a entrar. Já estamos de café bebido e é na nova casa do Mini Bar (que deixou o São Luiz para se ir instalar na secreta sala onde antes ficava o Beco — Gabaret Gourmet) que temos à nossa frente José Avillez. É assim a nossa conversa.

A restauração estava numa altura de franca expansão. Até que deixou de estar. Pergunta da praxe: que lições deu a pandemia?
Ensinou que nada é certo. Nem o insucesso é para sempre, nem o sucesso é para sempre e que quando menos esperamos as coisas podem mudar radicalmente. Também nos testa: faz-nos olhar para um excel em que temos zero faturação e uma data de custos — e faz-nos chegar à conclusão que é impossível manter as coisas iguais e que temos de tomar decisões muito importantes, que queremos que não sejam precipitadas, mas que, ao mesmo tempo, têm uma urgência demasiado grande para não as tomarmos rapidamente.

Fechou seis restaurantes. Foi uma necessidade urgente ou uma decisão estratégica?
Foi uma decisão estratégica. Achei, desde sempre, que íamos demorar a recuperar — é preciso dar tempo para as pessoas perderem o medo, para existir uma vacina, para o mercado turístico estar aberto — e, por isso, achámos que não teríamos capacidade de pôr dinheiro em todos os restaurantes. Preferimos reduzir e tentar salvar o grupo, deixando cair partes.

Passámos todos por uma montanha russa de emoções nos últimos meses. Na área da restauração deve ter sido particularmente difícil. Como é que foi?
Acho que quase todos os empresário passaram por momentos mais otimistas e outros mais pessimistas. Eu às vezes pensava: "Que merda, não merecia isto." Outras vezes pensava: "Mas estamos todos a passar pelo mesmo, portanto porque é que eu não mereço e os outros não merecem?". Pensei muitas vezes naquilo que tinha e que os outros deixaram de ter. Pensei que estando saudável, com os meus filhos, com a minha mulher, naquela fase, não precisava de mais nada, porque "depois logo se vê".

Quais é que foram os momentos mais duros?
Aqueles em que a pessoa constata, de facto, que isto não é um pesadelo — é real, com consequências reais, na vida real — e que somos forçados a não renovar contratos, a pensar um futuro sem algumas pessoas que nos ajudaram desde o princípio. E isso é, sem duvida nenhuma, o que mais tem magoado nos últimos tempos. Magoou e continua a magoar. Eu gosto de desafios, mas aqui houve demasiadas baixas de guerra. De resto, digo: haja saúde, resiliência, perseverança e coragem. Acho que praticamente tudo vai voltar a ser igual, mas nem tudo vai ficar bem, como se dizia. A questão é saber-se se é daqui a um ano, um ano e meio, seis meses.

O que é que lhe diz a sua intuição?
Tenho esperança que a primavera de 2021 seja, em termos turísticos, de dinâmica de mercado, já bastante diferente. Mas só consigo pensar em 2022 como sendo um ano de um regresso a uma normalidade — que não seja esta "nova normalidade". Não podemos também ignorar o facto de que podemos ainda ter de enfrentar muitas consequências desta situação pelo caminho. Há uma crise de saúde, social e económica. Se a isso se junta uma crise da banca, com créditos malparados e bancos a irem à falência, isto pode prolongar-se muito mais tempo. Por isso, vamos um dia de cada vez, a pensar positivo, mas conscientes e com responsabilidade.

No ramo da restauração, qual é a previsão?
Economicamente, as consequências vão ser catastróficas. Eu diria que, no mínimo, 30% dos restaurantes independentes em Portugal vão desaparecer. Há muita gente que abriu no final do mês de maio e, de repente, percebeu que não há clientes, que os restaurantes são tão pequenos que só conseguem sentar quatro pessoas e que isso não paga aos cozinheiros.

Agora com presença na Uber Eats, como é que garante que a experiência é, em termos da comida, o mais próximo que se tem de um restaurante?
Queremos que o pedido chegue a casa o mais parecido possível com o prato que os clientes iriam comer sentados no Bairro do Avillez. Por isso, evitámos, por exemplo, os arrozes escaldosos, que cozem demais até chegar a casa. E evitámos alguns pratos que se deterioram com os tempos de espera. Mas há muitas outras opções, desde pizzas, saladas, carne, peixe, moqueca, bacalhau à brás — apesar deste estar ali no limbo, mas como é tão requisitado, decidimos incluir. Temos um gelado que passa por nitrogénio para chegar a casa mesmo cremoso (e não derretido), num copo de esferovite que o protege com o frio.

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Pois, porque agora é preciso ter em conta o tempo que o pedido demora a chegar a casa das pessoas. 
Sim. O peixe, por exemplo, vai num ponto de cozedura em que no caminho continua a cozer. O camarão a mesma coisa. Uma carne que vai fechada numa caixa a 70 graus tem de ir um bocadinho mais mal passada para chegar no ponto. É apostar nesta cozinha por antecipação, que já no restaurante a aplicamos, mas com uma diferença de dois para 25 minutos. Temos de ter atenção aos molhos, pôr coisas separadas para se juntar — temos, por exemplo, o corneto de tártaro de atum, que é um dos bestsellers do Mini Bar, que enviamos com todos os elementos à parte para as pessoas montarem na hora.

O que é que custa mais nisto do take away?
Depois do meu primeiro restaurante, tive um só de take away, em Cascais, em 2006. O que me custava na altura era as pessoas levarem para casa e eu não conseguir ter o feedback imediato. Tenho um amigo americano, que era cozinheiro e virou padeiro, que dizia isso mesmo: que a grande inquietude dele era o facto de as pessoas levarem o pão para casa e de ele não saber se elas tinham gostado. De resto, acho que nos temos de adaptar, de reinventar.

O novo paradigma da restauração é ir ao restaurante sem sair de casa?
Eu acho que são complementos — não há um que substitua a outro. As pessoas vão continuar a querer comer fora. Nós adaptamo-nos a quase tudo, mas precisamos mesmo de socializar.

chef
chef Zé Diogo Lucena

Era capaz de adotar o take away no Belcanto?
Não. Há coisas que têm de ser finalizadas no último minuto, há pratos que não aguentam o transporte. O Bairro é diferente e aguenta bem esse compromisso. Estou contente e espero ficar ainda mais, pensando que isto chega com a qualidade devida a cada uma das mesas.

Abriu quase todos os espaços na zona privilegiada da restauração, sempre apinhada de pessoas. De repente, desapareceu toda a gente. Hoje pensa que devia ter aberto em zonas residenciais?
Não só, mas também. Se calhar, teria escolhido também umas zonas residenciais e fazia um balanço entre os dois para não correr tantos riscos e não estar tão dependente de zonas para onde as pessoas se deslocam propositadamente por algum motivo. Se pensarmos bem, com outros restaurantes que não estão abertos, com as lojas fechadas, com os escritórios ainda a funcionar a meio gás, perde tudo dinâmica. Mas sou otimista por natureza e isso vem também muito pelo trabalho, por reinventar-me.

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Foi isso que aconteceu aqui no Bairro do Avillez.
Sim. Agora podemos ter pessoas a comer uma pizza a 10€ lá em cima e ter aqui outras a comer um menu a 60€. Haver esta democratização no Bairro do Avillez deixa-me muito contente. Em quatro anos de Bairro, nós estamos num ponto que corresponde àquele que eu acho que o Bairro devia ter sido sempre.

Se soubesse o que sabe hoje... 
Se soubesse o que sei hoje, acho que não fazia muitas coisas diferentes. Se calhar, em vez de abrir só no Chiado, teria aberto em bairros mais residenciais. E se calhar não tinha investido praticamente todo o dinheiro que ganhei a fazer mais coisas — e tinha posto algum de lado. Não considero que isto tenha sido um grande erro — considero, antes, que fomos apanhados pela vontade de construir, de investir tudo o que ganhávamos, numa perspectiva de ver novos projetos a nascer, novos projetos a crescer, a empregar mais — o que agora me custa, porque temos de tirar mais pessoas. Mas acho que fizemos muitas coisas bem feitas — e isso ninguém nos tira. Isto [a pandemia] era algo muito difícil de prever. A partir de agora é reinventarmo-nos. O que não nos mata, torna-nos mais fortes.