Há sexo, sexo e mais sexo. E, ainda assim, as cenas íntimas são o que de mais irrelevante há na nova minissérie "Pam & Tommy", que chegou esta quarta-feira, 2 de fevereiro, à Disney+. Quase trinta anos depois de uma cassete com um vídeo pornográfico de Pamela Anderson e Tommy Lee ter sido divulgada sem o consentimento do casal, chega-nos uma produção que procura escrutinar o escândalo sexual que arrancou em 1995.
A história não é nova: a estrela sexy de "Marés Vivas" (Lily James) e o baterista alegadamente arrogante dos Mötley Crüe (Sebastian Stan) tinham-se casado, 96 horas depois de se conhecerem. O vídeo íntimo da sua lua-de-mel veio a público e assim nascia o escândalo sexual, que oscilou entre o mundo VHS e os primórdios da Internet.
Para quem viveu em pleno os últimos anos da década de 90, o caso é familiar e até chega a ser nostálgico; já para a Geração Z é (mais) uma série sobre uma mulher em apuros, que se vê refém do próprio corpo e cujo intelectual não é levado a sério pelo sexo masculino.
Aconteceu há quase 30 anos, mas podia ter acontecido há dez minutos. Entre atestados de estupidez à mulher bonita e dedos apontados à imprensa, "Pam & Tommy" é o resultado de uma ficção televisiva que pretende reconfigurar a forma como uma mulher, vítima de uma violação de privacidade, é encarada por uma sociedade machista. Neste caso, com referência aos anos 90, mas com demasiadas semelhanças assustadoras à realidade atual.
Grávida e prestes a atingir o auge da carreira? Talvez, mas o que importa é a sex tape
Nos primeiros minutos, deparamo-nos com Pamela Anderson grávida, sentada na ponta da cadeira do talk show de Jay Leno, meses depois de o seu vídeo pornográfico (roubado e divulgado sem consentimento) andar a circular pelo planeta. A artista está ali para falar do seu novo filme, um verdadeiro marco na sua carreira, mas são outras cenas que cativam Leno — e o público em geral, especialmente o masculino. "Como é ter toda essa exposição?", pergunta-lhe o anfitrião depois de muitas piadas sobre o assunto.
A continuação da cena só chega ao sétimo dos oito episódios da série criada para a Hulu por Robert Siegler, mas não é preciso ser médium para adivinhar a resposta. "Como é que é? É horrível", diz a atriz Lily James na pele de Pamela Anderson. "Ter algo tão íntimo, privado, roubado. É devastador".
Faz-se silêncio no estúdio e o apresentador reage como se estivesse a ouvir um disparate inusitado e o momento constrangedor só termina quando Pam solta uma risada forçada e acena de forma oca. Um ataque à sociedade da época? Talvez. Uma forma subtil de frisar o mote da série? Completamente.
A cena começa no primeiro episódio e deixa o espectador pendurado até ao sétimo, numa tentativa de contextualizar a situação desconfortável a que acabámos de assistir. Como é que a conversa foi ali parar? Porque é que Pamela Anderson não reage de forma mais severa? Porquê sorrir e acenar? É precisamente o que a série se prontifica a explicar.
Recorde-se que a cassete nunca deveria ter sido divulgada publicamente, mas o facto de o eletricista que trabalhava para o músico se queixar de vários pagamentos em atraso levou-o a invadir a sua casa e roubar o vídeo. E, sem aviso prévio, somos convidados a acompanhar três realidades distintas: a do empregado mal-tratado que se vinga do patrão (Rand Gauthier) e espoleta o escândalo, a da imprensa que olha para o caso e vê cifrões e, ainda, e talvez a mais importante, a de um casal apaixonado que vê a vida virada de pernas para o ar e a relação reduzida a sexo.
Ainda assim, o facto de a minissérie da Hulu, agora disponível da Disney+, ter sido inspirada num artigo da revista "Rolling Stone", suscita dúvidas: como é que Tommy Lee é retratado como uma cretino na publicação e como um homem sensato e apaixonado em "Pam&Tommy"? Afinal, qual é a versão fidedigna?
A resposta aparentemente nunca vai chegar, já que o ex-casal, que se divorciou em 1998, não fez parte do projeto e a minissérie não é uma representação legítima dos factos, mas um cruzamento entre artigos da imprensa e o livro de memórias do baterista ("Tommyland"), que começa precisamente com um diálogo entre o músico e o seu pénis. Tal e qual como acontece na produção da Hulu.
Sim, leu bem. Em "Pam & Tommy" não há apenas drama e temáticas pesadas, até porque a comédia está presente em todas as cenas. Vai mesmo poder contar com um pénis falante presente em reflexões sinceras. Mas adiante.
Não deixa de ser irónico que esta produção, que é uma autêntica ode ao consentimento e às repercussões da violação da vida íntima, tenha sido gravada sem o consentimento do casal que a protagoniza. É certo que os autores terão tentado chegar ao casal, mas a atriz nunca respondeu e o músico, agradecendo o interesse, declinou participar.
"Estamos a recordar estas histórias (...) percebendo a nossa própria culpa pelo modo como, enquanto sociedade, tratamos as mulheres", disse Lily James, atriz que dá vida a Anderson, à agência Associated Press, cita o jornal "Público". No entanto, com ou sem a verdadeira Pamela Anderson envolvida nas gravações, a série toma o seu partido. Mostra um outro lado da artista para além do que as revistas e as sessões fotográficas nos dão a conhecer, sem precisar de disfarçar ou descartar as cenas de sexo, álcool e festas que integram a produção.
Há sexo, sexo e mais sexo, mas a mensagem está lá
Na cama, na cozinha, na varanda ou no sofá. As cenas íntimas entre Pamela Anderson e Tommy Lee marcam presença em vários momentos da nova minissérie. E, ainda que toda a trama se desenrole em torno de um vídeo pornográfico, tornam-se secundárias. Às tantas, damos por nós a querer substitui-las por momentos românticos entre o casal, que se revela apaixonado desde o primeiro instante.
Enquanto espectadores, apaixonamo-nos por uma relação fofinha e alegadamente sincera, que as revistas não retratam e não temos forma de perceber se alguma vez existiu. Posto isto, o grosso do caso está lá: há uma cassete que se torna viral, vidas destruídas e, pior, uma mão cheia de homens sem noção das repercussões da sua divulgação. Mas a comédia distrai-nos do que realmente interessa e o papel da imprensa não tem destaque suficiente: sabe a pouco.
É caso para dizer que "Pam & Tommy" é perfeito para quem já conhece o caso e insuficiente para quem o tenta perceber. Os primeiros três episódios chegaram esta quarta-feira, 2 de fevereiro, à Disney+ e os restantes serão revelados semana após semana.