Porque é que eu tinha expectativas em relação ao novo restaurante de Miguel Rocha Vieira quando, na realidade, nunca tinha experimentado um prato do chef? Não sei. Feeling. Fui acompanhando o percurso do chef, que tem três estrelas Michelin no currículo (conquistadas na Fortaleza do Guincho, em Cascais, e nos restaurantes Costes e Costes Downtown, em Budapeste) e havia qualquer coisa que me dizia que o cozinheiro cascalense não iria defraudar. Que, mais do que fama, havia aqui proveito.

Já abriu o Anfíbio, o restaurante com a esplanada onde vamos querer passar as noites de Verão
Já abriu o Anfíbio, o restaurante com a esplanada onde vamos querer passar as noites de Verão
Ver artigo

Pouco tempo depois de o Anfíbio ter aberto portas, fiz-me à estrada (ao rio, quase, porque o espaço, um paralelepípedo  transparente com vista para o Tejo, quase convida a mergulhos) e só parei numa das confortáveis e cadeiras do restaurante, do qual já tinha tido uma breve lamiré na apresentação da Doca da Marinha, em janeiro passado.

É difícil descrever a decoração do Anfíbio porque, tal como o nome indica, é uma duplicidade. Tanto sentimos que estamos numa sumptuosa sala de jantar como numa esplanada. Tanto nos parece um restaurante citadino como um bar de praia. Para isso em muito contribui a transparência 360º, a vista para o Tejo, a esplanada (na qual não jantámos porque o tempo não estava convidativo), mas também os tecidos ricos, os candeeiros trabalhados, o serviço descontraído mas formal.

Ao fundo, na cozinha aberta, vemos Miguel Rocha Vieira de mangas arregaçadas e mãos no trabalho, a fazer e a coordenar, como deve fazer um cozinheiro. Ao lado, o bar, do qual saiu o Glass Frog (14€), um dirty martini com azeitona verde e roquefort. A duplicidade começa logo nos cocktails, com uma explosão salgada, conferida pela azeitona e pelo queijo, apaziguada pela frescura (enganadora) do álcool. Quase como ir ao mar depois de apanhar um escaldão. Apercebemo-nos agora de que vamos fazer algumas comparações marítimas, mas acompanhem-nos que vai valer a pena.

anfibio
créditos: MAGG

Quando visitámos o Anfíbio, no final de maio, não deixámos de notar que o serviço ainda estava um pouco desorganizado e com um ritmo irregular, algo mais do que natural numa fase em que o espaço ainda estava em soft opening (abriu no dia 24 de abril). Este desequilíbrio foi largamente compensado pela simpática da equipa liderada por Rocha Vieira e, claro, pela comida. Do couvert, composto por pão, consistente e ácido, e manteiga servida no momento, alguma desilusão pelo facto de esta última não ter sal.

anfibio manteiga
créditos: MAGG

Já tínhamos em mente, só de ler o menu, quais seriam os pratos que queríamos provar. Começámos com o Do Tutano na brasa, salsa, alcaparras e limão com mandioca em carvão (15€). A untuosidade do miolo ósseo, suave, o contraste com a crocância da alcaparra, e o sabor inesperado da mandioca queimada, surpreenderam pela diversidade de texturas.

tutano anfibio
créditos: MAGG

Seguimos para o mar, com Brás do Mar com camarão da costa e molho de crustáceos (17€). Mais uma vez, o contraste entre a suavidade do Brás, húmido de sucos com as cabeças de camarão impossivelmente estaladiças. Acompanhámos as entradas com um Quinta de Santiago Rosé, um vinho floral, encorpado e complexo, que dá boa reputação a este tipo de vinho (por vezes tão injustiçado).

Veja o vídeo

Chegados ao palco principal da refeição, começámos no mar, com o cherne assado com manteiga queimada, limão e alcaparras, puré de couve-flor (32€), um prato que combina técnicas clássicas da cozinha francesa com o que de melhor há na nossa costa. Um peixe firme, de sabor suave, vestido de gala com os sabores amadeirados da manteiga, completado com a suavidade de um puré discreto e aveludado. O peixe foi servido com um Drink Me Niepoort, uma escolha aparentemente pouco óbvia mas que funcionou na perfeição, com pujança suficiente para equilibrar a riqueza láctea da manteiga.

cherne
créditos: MAGG

O pato "bipolar", com nabos e nabiças, rábanos e rabanetes (28€), um nome tão pomposo que quase podia ser o de um fado, cumpriu o que se espera de um prato desta ave: riqueza, intensidade, terra, conforto. Um surpreendente Lagoalva Reserva Tinto foi-nos servido, mostrando que, no que toca a criar pairings, o sommelier do Anfíbio é imbatível.

pato bipolar
créditos: MAGG

Há espaço para sobremesa? Há sempre, então se for para a Afamada Tarte de Queijo (8€) ainda mais. Este doce, ao estilo da tarte de queijo basca, é intenso, doce e salgado nos sabores, e combinou na perfeição com um dos vinhos fortificados mais elegantes de Portugal, o Villa Oeiras, da região demarcada de Carcavelos (que só precisava de ter estado um bocadinho mais fresco).

tarte de queijo
créditos: MAGG

Terminámos com a única desilusão da noite. Um Café e um Pastel de Nata, meio Anfíbio (8€). A intenção desta sobremesa é desmontar a tradição combinação em várias partes (o creme de café, o gelado, a bolacha, o lemon curd) mas, para nós, não resultou. As quantidades são em demasiada e a massa faz lembrar não o afamado pastel de nata mas sim a nortenha bolacha americana. Há prazer na sobremesa porque há vários sabores que nos remetem para uma pausa na esplanada, mas não para o pastel de nata degustado com a bica.

PASTEL DE NATA COM CAFÉ
créditos: MAGG

Os opostos atraem-se e Miguel Rocha Vieira sabe disso. Há uma dança, por vezes perigosa, tantas vezes prazerosa, nas criações do chef. A expectativa cumpriu-se, e ficou a vontade de mais.

Anfíbio Restaurante e Bar
Doca da Marinha, Av. Infante Dom Henrique, 1100-279 Lisboa
Horário: terça-feira a quinta-feira: 12h30 – 22h3o; Sexta e sábado: 12h30 – 23h; domingo: 12h30-18h

Contactos: 210 529 565; reservas@anfibio.pt; geral@anfibio.com
Site, Facebook e Instagram

*a MAGG visitou o Anfíbio a convite do espaço