O filme "A Mulher à Janela" estreou-se a 14 de maio na Netflix e embora tenha um elenco de luxo (com Amy Adams, Gary Oldman, Julianne Moore ou Anthony Mackie), as críticas são desastrosas — muitas apontando defeitos ao argumento e à realização de Joe Wright. Mas é a história por detrás do autor do livro, lançado em 2018 com o mesmo nome e adaptado agora para filme, a mais insólita.
O nome que assina o livro, um dos mais vendidos e que, durante duas semanas, figurou no topo da lista dos mais recomendados do "The New York Times", é o de A.J. Finn. Este, no entanto, é apenas um pseudónimo que esconde o nome verdadeiro de Daniel Mallory, 42 anos, autor e editor americano.
Após o sucesso estonteante e inesperado do seu primeiro livro, que parecia agradar aos entusiastas de histórias como "Em Parte Incerta" ou "A Rapariga no Comboio", começavam a ser identificados esquemas, reviravoltas e detalhes na vida do autor que se assemelhavam aos enredos inacreditáveis que a ficção permite a qualquer escritor e que o próprio utilizou para criar a sua narrativa.
A 4 de fevereiro de 2019, um ano depois da publicação de "A Mulher à Janela", seria posto tudo a descoberto, através do perfil do escritor traçado pela revista "The New Yorker".
O cancro que nunca existiu e o irmão que não morreu
O autor que, até então era conhecido como carismático e inteligente, aparentava ter construído a sua vida, e a sua carreira, baseando-se em mentiras que, qual castelo de cartas, ameaçava ruir a qualquer instante. Uma das revelações dá conta de que o autor terá, durante vários anos, alegado ter cancro — primeiro numa candidatura à Universidade de Oxford, no Reino Unido e, mais tarde, a vários colegas nas diversas editoras em que trabalhou, em Londres e em Nova Iorque, nos EUA.
Uma das fontes ouvidas, e que pediu para não ser identificada, recorda-se de uma conversa que terá acontecido entre 2009 e 2012, altura em que o autor trabalhava na editora Little Brown, em Londres. Terá sido nessa primeira interação que Mallory lhe terá revelado ter sido diagnosticado com um tumor no cérebro. Outra autora, cujos livros foram publicados noutra editora em que Daniel Mallory trabalhou, recorda ouvi-lo falar por diversas vezes do seu diagnóstico.
A estranheza, explica, começou a surgir quando o próprio lhe disse ter gostado muito de ler o manuscrito que ela lhe tinha enviado. É que, nessa altura, Mallory usava uma proteção num dos olhos devido à alegada perda de visão após uma operação para retirar o tumor.
O diagnóstico de um tumor, que nunca foi feito, servia de desculpa para tudo — especialmente para justificar longas ausências no escritório. Mas o role de mentiras não se ficou por aqui, já que, descobriu a mesma publicação, o autor mentiu sobre a sua experiência profissional (dizendo ter trabalhado em editoras com as quais nunca teve nenhum vínculo contratual); sobre as suas qualificações académicas (dizendo ter um doutoramento na Universidade de Oxford, onde apenas terminou o seu mestrado); ou ter perdido a mãe, vítima de cancro, e o irmão, que pôs termo à vida.
Ambos, sabe-se agora, estão vivos.
A publicação da peça tornou-se viral, obrigando o autor a reagir oficialmente, e alegando que toda esta panóplia de mentiras decorreu de um diagnóstico de transtorno bipolar, diagnosticado há vários anos.
O pedido de desculpa e o diagnóstico de transtorno bipolar
"Em inúmeras ocasiões, fiz os outros acreditar de que vivia com uma doença física e não uma psicológica: o cancro, especificamente. A minha mãe travou uma batalha agressiva contra o cancro da mama quando eu era apenas um adolescente. Essa experiência na minha adolescência, tornou-se num sinónimo de dor e pânico", explica ao "The New Yorker" num comunicado oficial.
E continua: "Senti uma vergonha imensa das batalhas psicológicas que estava a travar. Eram o meu segredo mais assustador e sensível. Durante 15 anos, mesmo enquanto era seguido por terapeutas, permaneci absolutamente aterrorizado com aquilo que as pessoas poderiam pensar de mim se soubessem, se achassem e concluíssem que era defeituoso de uma forma que deveria corrigir."
"Como muitos dos que vivem diariamente com isto, passei por depressões esmagadoras, pensamentos delirantes, obsessões mórbidas e problemas de memória. Foi horrível, até porque, durante a minha aflição, fiz e disse coisas que, normalmente, nunca diria ou faria. Coisas das quais, regra geral, não tenho qualquer recordação", conclui.
Embora o psiquiatra de Mallory tenha confirmado o diagnóstico do escritor e o profundo impacto emocional que teve nele a batalha da mãe contra o cancro, outro psiquiatra ouvido pela mesma publicação diz que os pacientes que vivem diariamente com transtorno de personalidade podem passar por "períodos de estima inflada", mas que, esses episódios não explicam "comportamentos arrogantes e enganadores" nas relações interpessoais dos intervenientes.
O autor pede desculpa "por ter tirado proveito da boa vontade" de quem o ajudou. O seu próximo livro, ainda sem data de estreia, passar-se-á na era Vitoriana, e espera o autor que seja adaptado para uma série de televisão.