Depois de “Glória”, “Rabo de Peixe” é a segunda produção nacional (baseada em factos reais) em que a Netflix aposta. O guião está ao encargo de Augusto Fraga, que também vai tendo mão na realização de um episódio ou outro, em conjunto com Patrícia Sequeira, que esteve envolvida em produções como o filme “Bem Bom”.
O argumento foi um dos 10 premiados num concurso que servia esse propósito, lançado em 2020, numa parceria entre a Netflix e o Instituto de Cinema e Audiovisual (ICA), do qual “Rabo de Peixe” saiu vencedora (e com um apoio de 25.000€).
Produzida pela Ukbar Filmes, a série ainda não tem data de estreia marcada para chegar à plataforma de streaming, mas começou a ser filmada no passado mês de maio, nos Açores. “Nunca se fez nada assim em Portugal”, conta o criador, Augusto Fraga, à MAGG. Isto porque o “nível de ação e de ritmo é muito diferente” daquilo que o País alguma vez já produziu.
Agora que voaram diretamente das ilhas para o continente, a MAGG teve oportunidade de, na passada quinta-feira, 11 de agosto, rumar até à Tapada Nacional de Mafra para acompanhar as filmagens e descobrir um pouco mais sobre aquilo que podemos esperar.
Apesar dos factos, este é um produto de ficção
Vamos a uma breve revisão. Em 2001, uma embarcação que transportava meia tonelada de cocaína naufragou ao largo dos Açores. Além de uma caça à droga, este acontecimento originou um consumo desmedido por parte dos residentes da vila de Rabo de Peixe, resultando em dezenas de mortes e internamentos.
No entanto, embora a tragédia se assuma como mote do enredo, Augusto Fraga diz que “é uma história de ficção, entretenimento e aventura pura”. E a responsável de conteúdos da Netflix Portugal e Espanha, Isadora Laban, frisa: “Mais do que uma história baseada em factos reais, estamos a contar a história destas personagens".
Assim, por detrás deste projeto está "um ano de trabalho com a Netflix para, partindo desse elemento real, criar um produto de ficção independente, mas que fosse autêntica", relembra o criador.
Por isso, numa mistura de ficção e realidade, a série vai contar com "sequências inteiras reconstruídas digitalmente" e "vai impressionar muito pelo valor de produção", que advém do facto de terem "rodado tanto tempo nos Açores, mas também pelo nível de efeitos digitais, que é maravilhoso", salienta Isadora Laban.
E o que é que já se sabe?
Ainda que o projeto esteja circunscrito a uma esfera de secretismo da qual, por enquanto, não pode sair, sabemos que ação é a palavra de ordem – isto porque vimos de perto um dia de tiroteio no cenário. Entre gritos e armas, encontrámos José Condessa ensanguentado (da caracterização, claro), mas nem por isso menos sorridente.
O ator de 25 anos vai dar vida a Eduardo, uma das personagens principais sobre a qual o enredo mais se vai debruçar. “O Eduardo é um pescador que nasceu em Rabo de Peixe. A história anda muito à volta da vontade de ir embora e das dificuldades que ele tem, que às vezes não dependem dele”, conta. Entre elas estão as “dificuldades financeiras, religiosas ou da família também”, esclarece.
Já Helena Caldeira, outra protagonista, vai interpretar uma personagem "com a qual muitas raparigas se vão identificar", revela. "É uma personagem que tem uma história complexa e difícil, o que faz com que ela seja uma rapariga forte, dura, mas também sensível e com outras camadas emocionais", acrescenta a atriz de 26 anos, que agarra o seu primeiro papel enquanto personagem principal.
"Rabo de Peixe é uma zona que sofre de alguma estigmatização e carências sociais, económicas e também de género", continua Helena Caldeira, enfatizando que ter de sair da sua realidade para "uma completamente diferente foi muito desafiante".
E como desafios pressupõem preparação, os atores procuraram integrar-se na comunidade local com o objetivo de captar e absorver até os aspetos mais ínfimos da cultura açoriana.
"A forma de estar na vida, a forma de pensar, os medos que têm, os medos da chuva e da trovoada é diferente de nós no continente", frisa José Condessa, recordando que foram essas as razões que o levaram a viver algumas semanas em Rabo de Peixe. "Fiz amizades lá, porque estava sozinho, e, de repente, fui acolhido de braços abertos, jantei em casa das pessoas", acrescenta, revelando que até teve oportunidade de ir à pesca numa traineira verdadeira.
E não foi só o ator que saiu das ilhas com o seu repertório de amizades mais preenchido. "Fiz uma amiga que me ajudou muito na preparação da personagem, a Cláudia, que me recebeu super bem", conta Helena Caldeira.
O elenco conta ainda com nomes de peso como Rodrigo Tomás, André Leitão, Kelly Bailey, Maria João Bastos, Pepê Rapazote, Albano Jerónimo e Afonso Pimentel.
Dos Açores para o continente, com direito a visita do ministro da Cultura
Sendo este (mais) um marco para a cultura nacional, Pedro Adão, ministro da Cultura, passou pelas filmagens. A sua receção foi calorosa, estando rodeado de alguns atores e de elementos da produção, com quem partilhou espontaneamente algumas memórias que tem de viagens passadas aos Açores.
Também se questionou por que razão a série estava a ser filmada em Mafra e não nas ilhas, ao que Pandora da Cunha Telles, criadora da Ukbar Filmes, respondeu: "É um trabalho de ilusão, é uma magia". Por isso, embora as rodagens já tenham passado por vários locais do arquipélago açoriano, como a Ribeira Grande, o ilhéu de Vila Franca do Campo ou as Furnas, há certas cenas que pedem, em termos paisagísticos, elementos concretos.
Resumindo, há uma tentativa incessante de "encontrar soluções que sejam mais viáveis para transpor para imagem aquilo que ele [Augusto Fraga] imaginou", esclarece Pandora da Cunha Telles, frisando, no entanto, que, narrativamente, a sequência de episódios vai estar assente nos Açores.
E a criadora da Ukbar Filmes confessa até que é provável que a série vá chamar turismo para o País – algo com que o ministro concordou, sendo encaminhado, de seguida, para um passeio pelo local que se constituía como cenário daquele dia, acompanhando de perto a produção.