Crescer nos Açores é, para Luís Filipe Borges, "sentir a morte sempre mais perto". É que uma das memórias mais vivas que guarda, recorda, diz respeito à infância passada em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, quando viu a sua cidade "ser completamente arrasada por um terramoto". O clima muito específico dos Açores, e que se lembra de sentir na pele durante a infância, é agora recuperado em "Mal-Amanhados: Os Novos Corsários das Ilhas", a sua nova série documental que convida os portugueses, confinados, a viajar para as nove ilhas do arquipélago onde já foi muito feliz.

Feliz foi também o percurso da série, já que é a primeira vez em 35 anos que uma produção originalmente pensada para a RTP Açores acaba, mais tarde, por fazer parte da grelha da generalista RTP1. O sonho, porque é assim que o humorista e argumentista descreve a origem do documentário, nasce de uma fantasia, partilhada com um grande amigo de faculdade, de um dia falar da sua terra dando a conhecê-la ao resto do País.

"Isto é um enorme clichê, mas quando completei 40 anos fiz um balanço da minha vida. E com esse balanço, surge a pergunta: 'O que é que quero absolutamente fazer?'".

A única resposta possível era, claro, ver concretizada uma ideia que nasceu nos corredores da faculdade.

Da fantasia à concretização de uma ideia "mais complicada do que estar semanalmente em estúdio"

"Estreei-me como produtor, ou seja, a fazer uma coisa para a qual não sabia se teria a mínima capacidade ou não. Mas era assim de simples: se não me chegasse à frente, ninguém iria realizar o sonho por mim", diz à MAGG. Por isso, e porque não tinha um cheque que lhe desse carta branca para fazer o que quisesse e da forma como queria, começou a fazer contactos, a enviar emails e a apanhar muitos aviões.

Era preciso, explica, encontrar apoios que sustentassem uma equipa de oito pessoas que precisaria de viajar e de ter alimentação e alojamento assegurados.

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"Desde o mais pequeno apoio, de uma marca da ilha Terceira, no valor de mil euros, até a um fundo do Turismo dos Açores, que me deu 25 mil euros, foi mesmo grão a grão até ter os meios suficientes para conseguir fazer uma coisa que é bastante mais complicada do que estar semanalmente em estúdio". A tarefa a que se propôs, diz, foi mostrar o que faz dos Açores o lugar especial por que sempre sentirá carinho, bem como as pessoas que o compõem.

"Quando se estreou na RTP Açores, tornou-se num monstro porque a adesão do público foi enorme." O principal motivo, diz, terá que ver com o facto de a estreia ter acontecido durante o primeiro confinamento, apanhando um momento crucial da vida das pessoas em que, impossibilitadas de viajar, "a viagem possível era aquela e a partir do sofá".

O sucesso, sabemos agora, estava só a começar: primeiro, materializou-se com o lançamento, em dezembro, de um livro inspirado na série e, mais tarde, com a notícia de que "Mal-Amanhados: Os Novos Corsários das Ilhas" iria fazer parte da grelha da RTP1. "Foi uma notícia que me deixou em lágrimas, porque embora tivesse essa esperança e tivesse, claro, trabalhado para isso, foi completamente inesperada", explica Luís Filipe Borges.

"Gostava de ir atrás dos açorianos que estão espalhados um pouco por todo o mundo"

Ao longo de dez episódios, nove dedicados às ilhas e um com material especial, e todos eles disponíveis na RTP Play, Luís Filipe Borges fez-se acompanhar do escritor Nuno Costa Santos, bem como de Alexandre Borges, Diogo Rola e o cantautor terceirense Cristóvam.

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Concretizado o sonho de uma vida, perguntamos-lhe o que ficaria por mostrar dos Açores se tivesse oportunidade de voltar a ele para uma segunda temporada deste projeto. A resposta é imediata: "Gostava de ir atrás dos açorianos que estão, atualmente, espalhados um pouco por todo o mundo em locais tão diferentes como o Canadá, os EUA, o Brasil ou o Uruguai e perceber quais foram as afinidades que estabeleceram com os sítios que escolheram para viver."

Uma aventura destas, no entanto, obrigaria a um orçamento muito maior daquele a que teve direito para esta primeira temporada. "Por enquanto, ficará apenas como a minha utopia", desabafa. Mas a julgar por este "Mal-Amanhados: Os Novos Corsários das Ilhas", que começou como uma fantasia, uma ideia e uma vontade extrema de homenagear a sua terra, talvez não tenhamos de esperar assim tanto para que se materialize em produto documental.

Confinados ou à solta, já sem vírus, a sede de viagem é para sempre.

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