A exibição do filme "Killers of the Flower Moon", de Martin Scorsese, era um dos momentos mais aguardados da 76.ª edição do Festival de Cinema de Cannes, que está a decorrer em França até a este sábado, 27 de maio. E se ainda havia dúvidas em relação ao potencial deste projeto, estas dissiparam-se aquando da homenagem prestada ao realizador norte-americano, este sábado, 20.
Aos 80 anos, Martin Scorsese conquistou (até ao momento) a ovação mais longa desta edição do festival, que se traduziu numa salva de palmas apoteótica de quase dez minutos. Além de o enredo do filme ter sido responsável pela conquista de aplausos, também a capacidade de arriscar com que o realizador conta contribuiu para o efeito.
"Nesta idade quis arriscar. Queriam que eu fizesse um filme confortável? Que ficasse sentado no set ao calor? Mais vale arriscar. O que posso eu fazer agora se não for arriscar? Mais vale ousar e não estou a falar de forma ligeira: este filme foi uma grande aposta de risco", disse o realizador na conferência de imprensa dedicada ao seu novo projeto, este domingo, 21, acompanhado de Leonardo DiCaprio, Lily Gladstone e Robert De Niro, que têm papéis de destaque no filme.
Mas, afinal, de que é "Killers of the Flower Moon" se trata? Para começar, é baseado no livro homónimo de David Grann e retrata, à semelhança da obra, que é baseada em factos reais, o assassinato dos índios Osage nos anos 20 do século passado às mãos de um fazendeiro, William Hale, cuja pele é vestida por De Niro.
É que este povo, que enriqueceu graças às reservas de petróleo descobertas nas terras em que habitavam, torna-se alvo da cobiça e da inveja dos norte-americanos dessa região. Por confiarem neles, os Osage acabam por ser traídos e, aos poucos, começam a ser assassinados – e é com esta realidade que Ernest Burkhart, o sobrinho do fazendeiro, interpretado por DiCaprio, se depara ao chegar a Oklahoma, onde a história se passa.
Ernest Burkhart, que trabalha como motorista, acaba por conhecer Mollie Kyle, uma jovem indígena interpretada por Lily Gladstone, que é detentora de uma fortuna que divide com a mãe e as três irmãs. O par acaba por casar-se e o matrimónio parece surtir efeitos na coexistência entre os brancos e os indígenas, até que Ernest se vê envolvido nos esquemas do seu tio, que quer eliminar os Osage sorrateiramente para ficar com a sua riqueza.
Apesar da história de amor (e de traição) que permeia o enredo, esta produção foca-se no racismo e no genocídio indígena, não caindo na esparrela do "white savior" (herói branco, em português), que salva um povo que é incapaz de lutar por si próprio. "A certo ponto, o Leo (DiCaprio) veio ter comigo e perguntou-me qual era o coração desta história. Eu jantei algumas vezes com os líderes dos Osage. Aprendi com o povo, as histórias, ouvi como se sentiram. Era isso que tinha de ser o coração", confirmou Scorsese, na conferência de imprensa.
Leonardo DiCaprio e Robert De Niro estiveram presentes no Festival de Cinema de Cannes, lado a lado com Scorsese, o que adensou o frenesim à volta deste projeto, que foi apresentado extra-competição. Isto porque a relação deste trio é bastante antiga, tendo os atores colaborado com o realizador várias vezes ao longo das últimas décadas.
A relação entre Scorsese e De Niro remonta aos anos 1970, quando trabalharam juntos pela primeira vez em "Mean Streets" (1973), projeto ao qual se seguiu o icónico "Taxi Driver", de 1976, o último ano em que apareceram juntos neste mesmo festival. "Touro Enraivecido" (1980) e "Tudo Bons Rapazes" (1990) foram outros dos projetos em que a química entre Scorsese e De Niro ficou patente.
Já a relação entre o realizador e Leonardo DiCaprio começou a ganhar expressão em meados dos anos 2000. A primeira colaboração entre ambos foi em "Gangs de Nova York" (2002), seguida por filmes como "O Aviador" (2004), "Os Infiltrados" (2006), "Ilha do Medo" (2010) e "O Lobo de Wall Street" (2013). O ator encontrou em Scorsese um mentor e colaborador criativo, expandindo a sua versatilidade como intérprete e registando algumas das melhores performances da sua carreira.
Agora, resta só esperar para ver se a tendência se mantém em "Killers of the Flower Moon" . Com cerca de três horas e meia, o filme foi produzido pela Apple e, ainda sem data para chegar às salas portuguesas, a estreia está marcada para outubro, seguindo-se a estreia no streaming.