Sem quaisquer preâmbulos ou meias-palavras, o veredito: não temos estudos para entender "Tenet", o novo filme de Christopher Nolan e um dos mais esperados do ano. Tem muito espetáculo, fogo de artifício e momentos que ameaçam fazer o coração saltar pela boca. É muito show off, portanto, mas é só isso. É Nolan e toda a sua complexidade elevada ao cubo, que procura alguma credibilidade com o uso da física quântica para que o espectador não desconfie de que, no ecrã, a história não está a fazer sentido. E nunca faz.
Quer tenha visto ou não os trailers que antecederam a estreia de "Tenet" esta quarta-feira, 26 de agosto, a verdade é que vai entrar na sala de cinema a saber o mesmo, ou seja, zero. Os clipes de vídeo que foram sendo lançados são propositadamente vagos e crípticos, mas a história base é esta: o filme passa-se entre o presente, o passado e o futuro.
No presente, é anunciada a possibilidade de um conflito semelhante ao de uma Guerra Mundial que ameaça destruir o mundo. É nessa conjuntura que um traficante de armas russo descobre um mecanismo que lhe permite inverter objetos, fazendo com que voltem ao passado antes de eles estarem no presente. É essa a explicação para que, aqui, as armas suguem balas e não as disparem; os carros; as lutas entre personagens acontecem de trás para a frente; e as falas sejam ao contrário.
"Já lhe dói a cabeça?", pergunta, a certa altura, Neil (Robert Pattinson) a O Protagonista, assim se chama a personagem interpretada por John David Washington, durante uma longa exposição sobre física quântica. Reforço a pergunta, caro leitor. Já lhe dói a cabeça? É que a coisa fica ainda mais confusa.
Em "Tenet", há máquinas do tempo que permitem uma movimentação elástica e infinita entre o presente e o futuro, o que explica que, num determinado momento, passe a haver as duas mesmas pessoas num mesmo momento específico. A diferença é que ambas estão situadas em espaços temporais diferentes — aquele acontece no presente e o que já teve lugar no passado. Se o passado for mudado, o que é que muda no futuro? O realizador tenta explicar, mas ficámos confusos.
Não há regras a não ser aquelas que Christopher Nolan, que também assina o argumento, estipula para aquele universo e que lhe dão rédea livre para, mais do que desafiar, manipular as noções de tempo e espaço — mesmo que nada daquilo faça sentido, quer para o espectador ou para as próprias personagens que, a determinado momento do filme, são assaltadas pela dúvida. "Mas afinal, o que é que eu estou aqui fazer? Estou a salvar o mundo de quem?", ouve-se.
E se é verdade que dessa estratégia resultam momentos cinematográficos que "sim, senhor", também se sabe que isso, por si só, não conta uma boa história. E toda a história é atabalhoada, confusa e pretensiosa ao ponto de Christopher Nolan precisar que a exposição seja excessiva, especialmente através do diálogo entre personagens. Não são raras as vezes em que os diálogos parecem pouco naturais, quase forçados, até, porque, de facto, ninguém fala como se estivesse a citar, de memória, a teoria sobre a criação de o universo tal como é descrita nos grandes manuais sobre o tema.
Isso revela que Nolan tem noção da complexidade do universo que criou e que, por não ter confiança na capacidade de o espectador o entender, precisa de fazer das personagens autênticos manuais teóricos: densas e estruturalmente complexas na maneira como falam umas com as outras, dando a ideia de que apenas têm como objetivo primário explicar-nos a resolução de uma equação demasiado complexa que nunca, em momento algum, o comum mortal seria capaz de resolver. Essa equação é "Tenet".
O imbróglio narrativo que vai sendo criado desde o primeiro momento, no entanto, é disfarçado com muito show-off: com cenas de ação vertiginosas, missões de espionagem a que os protagonistas se prestam, um excelente trabalho de fotografia e uma banda-sonora assombrosa que nos faz subir os batimentos cardíacos em pleno cinema. Porque Christopher Nolan quer, acima de tudo, que o filme seja visto em sala (e se for em IMAX, melhor), mas isso não chega.
Estes elementos são o espantalho que nos quer fazer crer que — no meio de toda uma teoria quântica distorcida; personagens com zero motivações primárias para salvar o mundo sem nunca perceberem por que estão nesse dilema; e uma elasticidade profana entre espaços temporais — há, de facto, uma mensagem mais profunda que deva ser interiorizada.
Não há, porque a escrita não deixa que haja. Na verdade, está mais preocupada com todo o fogo de artifício em que Nolan gosta de embrulhar as suas histórias mais... desafiantes.
Só que para este tipo de imbróglios, não há estudos suficientes que nos valham.