Estamos bem perto do Natal, aquela altura do ano pela qual todos esperamos, principalmente as crianças. A verdade é que o motivo muitas vezes não está associado ao facto de ser nestes dias que se revê toda a família, mas sim à escandalosa quantidade de presentes que à época está associada.

Numa altura em que o principal tema de conversa entre os adultos é "que brinquedos vamos oferecer", a MAGG quis saber a opinião de quem considera que as crianças conseguem ser felizes sem precisar de mil e uma coisas com as quais vão brincar, provavelmente, duas ou três vezes na vida.

Tânia Martins tem 32 anos e é mãe de duas filhas — Madalena, de 2 anos, e Mariana, de 7 meses. Tornou-se bastante popular no Instagram quando se começou a dedicar à partilha dos projetos de arquitetura da empresa que criou. A Homestories nasceu em 2013. Depois de vários anos a trabalhar por conta de outrem e a ganhar pouco, Tânia sentiu a necessidade de se lançar sozinha no mercado e de dar uma resposta diferente a projetos de remodelação e decoração sempre com o lema de que "cada projeto é uma história". A partilha de conteúdos no Instagram veio mais tarde, mas foi pouco o tempo que levou a perceber que conseguia inspirar muita gente.

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"Há dois anos eu nem era muito de redes socias. Abri a Homestories sozinha e então tinha de fazer todo o trabalho", começa por contar à MAGG referindo que os orçamentos, a contabilidade, o marketing e a publicidade, passava tudo pelas suas mãos, o que fazia com que fosse pouco o tempo de restava para dedicar às redes sociais. "Quando comecei a partilhar mais comecei a notar um impacto maior a nível de inspiração de projetos", confessa Tânia.

"Mas quando notei que tive mesmo impacto nas redes sociais foi quando comecei a partilhar um bocadinho da minha vida pessoal. Ia partilhando a maternidade e, na verdade, acho que isto também está tudo interligado. A forma como vivemos a casa, como vivemos a maternidade, a nossa maneira de estar na vida, o nosso estilo de vida, aquilo em que acreditamos e o que defendemos, a nossa preocupação com o planeta, que é também a nossa grande casa. Eu acho que isto está tudo interligado e é por isso também que eu partilho estes tópicos todos", acrescenta revelando que se sente feliz por fazer com que as pessoas também se preocupem com estes temas.

A preocupação com o planeta não é algo recente, mas, para Tânia, a maternidade teve um grande impacto. "Quando fui mãe é que parei para pensar e me comecei a preocupar mais, visto que este é o mundo que vou deixar às minhas filhas. Comecei a pensar que o futuro será das crianças e por mais que nós agora mudemos, o futuro estará nas mãos delas. Para educá-las neste sentido, e com esta preocupação, tenho de ser a primeira pessoa mudar porque eu vou ser o exemplo delas. Não adianta estar a dizer que ela tem de comprar menos roupa quando eu compro muita, por exemplo. Ou não faz sentido eu dizer 'não faz sentido teres estes brinquedos todos porque não precisas' quando eu tenho mil e uma coisas de que não preciso."

Acho que a melhor prenda que podemos dar aos nossos filhos é tempo de qualidade.

Estes são apenas alguns ideais que Tânia tem vindo a adotar de modo a ser o mais sustentável possível. No que diz respeito ao consumo, afirma ainda que pequenas coisas fazem a diferença. "Se eu tiver de escolher entre uma marca portuguesa e uma estrangeira, eu vou optar pela portuguesa por todo o impacto que isso tem. Em vez de ter 10 pares de calças, se calhar só vou ter três porque é aquilo que eu efetivamente  preciso. Basicamente eu queria-lhes dar um exemplo e para isso eu tinha de ser a primeira pessoa a mudar."

Quanto à forma como educa as filhas, revela que tem vindo a aprender muito com elas e que cada dia há novidades para descobrir, mas o grande pilar que quer continuar a manter, sempre que conseguir, é o tempo. Tânia considera que uma das coisas mais importantes para uma criança é o tempo dos pais. "Eu acho que a melhor prenda que podemos dar aos nossos filhos é tempo de qualidade. Eu posso dizer que uma criança até aos dois anos, pela experiência que tive com a Madalena, quase que não precisa de brinquedos porque o que eles gostam mesmo é das coisas do quotidiano, da vida real. A parte criativa deles e de imaginação ainda não está muito desenvolvida então tudo o que seja o mais real possível são as melhores ferramentas que nós lhes podemos dar nesta fase em que eles se estão a desenvolver, porque é aquilo que eles veem e aquilo em que acreditam."

Tânia confessa que sempre fez tudo com a filha mais velha e que sempre a incentivou a participar nas tarefas do dia a dia desde estender a roupa, a cozinhar ou pôr a mesa. Estas tarefas fizeram com que Madalena aprendesse, desde muito pequena, a entreter-se com pouco. "É tão simples como colocar um saco cheios de elementos do dia a dia — como uma escova ou uma colher, tudo objetivos que não lhe façam mal,— e o objetivo é que ela tire do cesto e volte a colocar. Isto é tão simples de fazer e nem se precisa de comprar mil e uma coisas específicas, há uma infinidade de brincadeiras para fazer com os objetos que temos em casa", realça.

Madalena, 2 anos.
créditos: homestoriespt/Instagram

Como explicar à família que não queremos ter uma árvore de Natal repleta de brinquedos?

Tânia confessa que transmitir à família e aos amigos aquilo que defende, e em que acredita, por vezes pode ser difícil, mas o principal é que a iniciativa parta sempre dela, e, neste caso, também do marido. "Eu acho que a primeira coisa é, nós pais, termos de ser assim. Eu não posso ter toda a roupa que me apetece e depois exigir à família que não lhes dê brinquedos, não é coerente. A família tem de perceber que nós somos pessoas que temos cuidados com o ambiente e, por isso, não compramos muita coisa. Que temos preferência por materiais naturais, que temos cuidado ao reciclar ou que temos cuidado em ir às compras sem sacos de plástico. É escusado nós estarmos a exigir que eles não ofereçam mil e um brinquedos e mil e uma roupas quando nós vivemos o contrário. As pessoas aprendem com o exemplo e se nós formos um exemplo para a nossa família, a família vai entender", revela a arquiteta.

"Eu não queria que ela fosse aquela criança que chega ao Natal e que tem mil e um brinquedos, abre a prenda e joga para o lado"

O natal de 2019, no qual Madalena já tinha um ano, foi considerado uma vitória. Tânia conseguiu que todos os brinquedos que a filha recebeu fossem o mais ecológicos possível, mas, a seu ver, foram ainda em grande quantidade. "As coisas têm de ser aos poucos, já conseguimos que dessem brinquedos de madeira, tudo bem, mas depois temos a preocupação do excesso de brinquedos, há brinquedos do ano passado que ainda não abri e isto é uma luta constante porque não é do dia para a noite que as pessoas vão interiorizar isto", revela confessando que este ano o cuidado vai ser de dizer para darem brinquedos educativos como livros, pituras ou plasticina.

Todas estas circunstancias fizeram de Madalena uma criança pouco materialista, uma das coisas que mais preocupava Tânia. "Eu não queria que ela fosse aquela criança que chega ao Natal e que tem mil e um brinquedos e abre a prenda e joga para o lado. Eu não queria que ela não desse valor às coisas que tem, daí eu também defender que ela tenha poucos para os valorizar mais. A Madalena não estraga os brinquedos, por exemplo, ela arruma as coisas no sítio delas. Eu acredito que faça alguma diferença e eu fico feliz por a minha filha ser uma criança feliz sem ter muitos brinquedos", afirma referindo que esta é a prova de que os brinquedos não são essenciais para a felicidade.

Homestories
Também a decoração de Natal foi pensada ao pormenor para ser o mais ecológica possível. créditos: Homestories

Além deste aspeto, Tânia preocupa-se também bastante em aproveitar a roupa ao máximo evitando comprar marcas "fast fashion" e optando ainda por peças em segunda mão ou marcas portuguesas. Ao partilhar tudo isto nas redes sociais, o feedback tem crescido dia após dia. "Sinto que as pessoas param e pensam no que estão a fazer. Eu também, se calhar, há dois anos não pensava em muita coisa que penso hoje porque não me cruzei com alguém que fosse assim ou com alguém que me dissesse isto", afirma, realçando que também se inspira em muitas outras pessoas.

Coisas simples como, por exemplo, deixar de comprar água engarrafada e beber água da torneira foram rituais que foi alterando. "Há dois anos, quando eu ia comprar água eu também nem sequer me preocupava com isso, foi preciso vir alguém para me alertar. São coisas simples que eu faço no dia a dia que leva as pessoa a pensar ' realmente isto é tão fácil de mudar e se faz melhor ao planeta e eu não preciso disto porque não fazer?' e passam a fazer", confessa.

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Tânia considera que o diálogo com os filhos é também essencial. Questionada sobre o que faria caso um dia a filha lhe peça algum brinquedo que considere indispensável responde: "Eu tenho esperança que com a educação que eu lhe estou a dar e com os valores que eu lhe estou a transmitir ela não vá sentir essa falta de ter coisas. Por exemplo, eu acho que não é por ela ver que a amiga tem 10 Barbies que ela vai querer também 10 Barbies. Mesmo que ela peça eu vou-lhe perguntar 'filha, queres mesmo muito essa boneca ou precisas mesmo muito disso?'. Às vezes basta falarmos com eles porque eles percebem tudo."

Como mãe, o maior desejo é que as filhas inspirem outras crianças e até a própria família. "Há coisas que a minha família não faz, por exemplo, reciclagem. A minha esperança é que a minha filha chega à casa de um familiar e pergunte 'oh tia, já reciclas?'. Quando são as crianças a ter estas atitudes os adultos ficam assim meio abananados e pensam ' para uma criança me estar a dizer isto é porque tenho mesmo de fazer'."

Aos 32 anos, preocupa-a a forma como as crianças se apresentam desligadas do mundo que as rodeia. "Acho que hoje em dia as crianças e adolescentes são pouco preocupados porque têm tudo e eu quero muito que as minhas filhas deem valor a cada esforço ou a cada coisa que têm."

Grande parte do dia da arquiteta é dedicado às filhas, mas Tânia admite que só o consegue fazer por ter uma equipa incrível a trabalhar com ela e sabe perfeitamente que nem todos os pais têm essa possibilidade. Apesar de não frequentar a escola neste momento, é em casa que Madalena desenvolve muitas as suas capacidades. "Eu acho que ela aprende muito em casa porque eu dedico-me muito a ela. Eu sei que isto não possível para todos os pais e não é uma questão de ser melhor pai ou não, não tem nada ver com isso, tem tudo a ver com uma questão de tempo", afirma.

"Eu, felizmente, consegui arranjar tempo na minha vida para dedicar à educação das minhas filhas e é por isso que eu consigo que ela desenvolva atividades que iria desenvolver no infantário. Eu acho que ela está bastante desenvolvida e que consigo desenvolvê-la porque consigo ter tempo para educá-la nesse sentido", remata.

Tânia Martins conta já com quase 75 mil seguidores no Instagram e, para além do trabalho na Homestories, fez ainda parte da equipa do programa "Querido Mudei a Casa" do qual teve de se afastar, por enquanto, devido ao nascimento da filha mais nova.