O início do ano letivo não é um período fácil, seja para crianças, adolescentes ou adultos. Mas se os jovens encaram este dia com algum aborrecimento, devido ao facto de significar o fim das férias e o regresso à rotina, os pais têm de se preocupar com custos, com a adaptação dos filhos e com toda a ansiedade que daí advém. E o caso é ainda pior quando nos referimos ao primeiro dia de creche de bebés e crianças, que podem ter apenas poucos meses de idade.

Quem é pai sabe do que falamos: por mais que o início desta nova etapa signifique o chegar a um grande patamar no desenvolvimento dos filhos, deixar uma criança tão pequena num ambiente totalmente desconhecido pode causar stresse, mesmo nos educadores mais calmos. Sabemos que vão chorar e que não vão querer sair do nosso colo, no entanto continuamos a ansiar que o momento seja o mais fácil possível.

Mas a verdade é que vamos mesmo ter de deixar os nossos filhos na creche, e estes vão ter de lidar com este novo ambiente sem nós. E a questão milionária é: será que os miúdos sentem que foram abandonados pelos pais?

A ansiedade e os traumas de pais e filhos no dia em que as crianças entram na creche
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"As crianças podem sentir-se mesmo abandonadas. Por outro lado, também existem aquelas que têm esse medo, mas que não têm de se sentir realmente abandonadas pelos pais, depende de cada uma", explica Inês Chiote Rodrigues, psicóloga clínica, à MAGG.

De acordo com a especialista, o momento em que se leva as crianças à creche é de extrema importância, principalmente quando se despedem: "É extremamente positivo criar rituais divertidos e confortáveis para as crianças, como um abraço associado a uma brincadeira que a deixe segura. Mesmo que os próprios pais se sintam inseguros com a insegurança da criança ou com o choro desta, é importante que transmitam uma mensagem de segurança, de que estão a levá-la para um lugar seguro e que no final do dia estarão lá para ir buscá-la".

Por outro lado, Inês Chiote Rodrigues salienta que desaparecer rapidamente, na esperança que a criança não note ou não chore tanto, é uma péssima ideia e pode trazer mais contrariedades do que benefícios.

Inês Chiote Rodrigues, psicóloga clínica, acredita que os pais têm de explicar aos filhos que 'mesmo que vão embora trabalhar, não vão desaparecer'

"Sem querer, os pais poderão estar a passar a mensagem à criança de que desaparecem de repente e nunca mais vão aparecer. Também é natural que a mudança de um contexto, como os miúdos terem estado com uma ama até ao momento de entrada para a creche, traga algumas dúvidas e inseguranças por parte das crianças". Elas precisam de tempo para se habituarem a um contexto completamente novo, portanto, o que significa que podem chorar um pouco nos primeiros dias, mas isso não significa que se sentem efetivamente abandonadas.

Como lidar com a ansiedade de separação

Apesar de a palavra abandono ocorrer na mente de muitos pais — é quase inevitável surgir um sentimento de culpa — Inês Chiote Rodrigues prefere caracterizar estes momentos comuns nos primeiros dias de creche como uma ansiedade de separação, dado que este contexto traz justamente sentimentos de ansiedade e abandono.

No entanto, a psicóloga clínica é a primeira a explicar que esta ansiedade é "normal a partir dos 8 meses de idade, altura em que a criança já tem capacidade de identificar os seus cuidadores, até mais ou menos aos 2 anos". Assim, continua, quando os pais saem do campo visual da criança, ela sente a falta dos mesmos e pode acreditar que nunca mais vai vê-los.

"A criança precisa de aprender que, embora os pais possam não estar dentro do seu campo visual, eles continuam presentes e não irão desaparecer. E é aqui que os pais têm um papel fundamental ao reforçarem com amor e segurança a ideia de que, mesmo que vão embora trabalhar, não vão desaparecer. Para isso, faça questão de se despedir sempre, dizendo que vai voltar, e aposte nas rotinas para que a criança não fique extremamente confusa. E, claro, mime muito e brinque."

Caso não exista esta aprendizagem das crianças no sentido de perceberem que os pais regressam sempre, podem existir consequências negativas para as mesmas.

"Pode ser construída e alimentada uma crença de abandono, pelo que as crianças irão apresentar sintomas significativos cada vez que sofrem essa ausência. Em casos mais graves, isso pode traduzir-se em retrocessos no desenvolvimento ou até mesmo atrasos em determinadas conquistas próprias de cada idade", alerta Inês Chiote Rodrigues.

Se a mensagem de abandono continuar a ser reforçada, as crianças podem vir a desenvolver mais tarde dificuldades nas relações com os pares, e até com os parceiros amorosos, "acreditando constantemente que a qualquer momento irão ser deixadas".

Cada criança tem o seu tempo para se adaptar à nova realidade

O choro dos mais pequenos não pode assustar os pais, dado que é mais do que normal existir uma tristeza e estranheza nos primeiros dias de creche. E o que não faltam são pais que deixam os filhos em lágrimas de manhã, para os ir buscar ao final do dia e encontrarem os miúdos felizes e contentes, como se sempre tivessem conhecido aquele ambiente.

Então como é possível distinguir a tal tristeza normal de uma dificuldade séria de adaptação ou até dos sentimentos de abandono? "Nestes casos, pode não só existir choro quando são deixadas na creche, ou até quando vão ao colo de outras pessoas, como também apresentarem um sono mais irregular, acordando várias vezes aflitas, com medo que os pais se tenham ido embora."

Também pode acontecer que os miúdos revelem mais sinais de irritação, falta de apetite, nervosismo quando ficam sozinhas ou com outras pessoas, e ainda "alguns retrocessos no desenvolvimento e mudanças mais evidentes no seu comportamento em geral, como alguma apatia, agressividade, entre outras", refere Inês Chiote Rodrigues.

Avós ou creche. O que é mais benéfico para as crianças?
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E para os pais mais ansiosos, que desejam rapidamente que os filhos se adaptem às novas rotinas, a psicóloga clínica reforça que cada criança é diferente, e é preciso "respeitar a personalidade e ritmos de cada uma". Inês Chiote Rodrigues salienta que o mais importante é "observar se o choro e as birras vão diminuindo com o tempo até estabilizar, ou se, pelo contrário, conforme o tempo avança, maior é a quantidade de birras, alteração de comportamentos ou de sono, etc.".

De igual importância é a necessidade de os pais não se mostrarem "constantemente alertas e preocupados, pois isso é sentido pelas crianças e pode aumentar a ansiedade, sendo fundamental normalizar o período de adaptação e tranquilizar as crianças".

A relação das crianças com os pais também é um fator que conta para a adaptação ao novo contexto da creche: "Se existe uma relação mais insegura entre pais e filhos, em que a criança constantemente teme que os pais vão embora devido a mudanças constantes de ambiente, por exemplo, então é normal que na entrada para uma creche esse sofrimento se acentue", conclui Inês Chiote Rodrigues.

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