Além de serem associados a muito mimo, paciência e cozinhados fantásticos, há há algum tempo que os avós se tornaram num apoio imprescindível para os pais portugueses — de acordo com um estudo publicado em 2014 pela Fundação Calouste Gulbenkian, Portugal, a par com outros países do sul da Europa, apresenta uma maior percentagem de avós a cuidar dos netos a tempo inteiro.
No nosso País, em que as licenças de maternidade duram, geralmente, quatro a seis meses (quatro meses mantendo o pagamento de ordenado na totalidade, seis a receber 80% do salário), muitos pais têm de arranjar uma alternativa e decidir onde deixar os filhos durante o horário de trabalho quando estes são ainda muito pequenos. Há quem tenha a possibilidade de os deixar com os pais ou sogros, estando o problema facilmente resolvido; outros não têm tanta sorte, e não há outra solução que não recorrer a amas ou creches.
No entanto, mesmo quando a ajuda dos avós está disponível, existem pais que optam pela creche. Foi o que aconteceu a Patrícia Oliveira, 30 anos, diretora criativa na Strazzera (uma empresa na área de produção de moda) e mãe de Lucas, de 2 anos e meio. “Inicialmente, o nosso plano era colocar o Lucas na creche por volta desta altura, mas tivemos de o fazer antes. Foi a minha mãe que ficou com ele quando regressei ao trabalho mas, pouco depois de ele fazer um ano, percebi que tínhamos de mudar”.
Depois de o filho celebrar o primeiro aniversário, a diretora criativa percebeu que este adorava brincar com outras crianças no parque, que estava a desenvolver-se rapidamente e que já era muito puxado para a avó aguentar o ritmo do pequeno Lucas. “Ele tem uma energia louca e começou a ser difícil para a minha mãe cuidar dele todos os dias”, conta à MAGG Patrícia Oliveira, que recorda que não foi fácil arranjar vaga numa creche pública, dado que que a decisão “foi tomada muito em cima da hora”.
A mãe de Lucas confessa que os primeiros 15 dias não foram fáceis — “ele chorava um bocadinho quando o deixávamos” —, mas o menino, na altura com cerca de ano e meio, adaptou-se rapidamente. Patrícia Oliveira lembra que “em uma semana e meia já fazia uma rotina normal”, e hoje em dia a diretora criativa não tem dúvidas de que esta foi a melhor decisão.
Os pais que preferem colocar os filhos na creche mais cedo estão bastante preocupados com a promoção do desenvolvimento das crianças."
“Acho que é ótimo para a criança poder ficar em casa no primeiro ano, caso exista essa hipótese, mas, a partir daí, acho mais benéfica a creche. No caso do Lucas, acalmou-lhe o lado ‘furacão’, aprendeu muitas regras e desenvolveu-se bastante — noto, por exemplo, nos desenhos que faz e no cumprimento de ordens”.
A creche é sinónimo de desenvolvimento?
Andreia Pinto, 35 anos, é mãe de Madalena, hoje com 2 anos, e não tem qualquer dúvida sobre os benefícios da creche. Mesmo com a opção de colocar a filha ao cuidado do avô, a supervisora inscreveu a pequena Madalena no berçário com seis meses. “A escola foi a primeira opção, nem equacionei os avós ou amas. Acho que os miúdos se desenvolvem muito mais, têm atividades adequadas à idade, outras crianças, aprendem outras coisas e supostamente ganham mais anticorpos, mesmo que fiquem mais vezes doentes”, afirma Andreia Pinto.
Tal como explica à MAGG a psicóloga clínica Inês Chiote Rodrigues, “os pais que preferem colocar os filhos na creche mais cedo estão bastante preocupados com a promoção do desenvolvimento das crianças” e acreditam que essa será a melhor alternativa para que estes evoluam mais depressa. Mas será a creche sinónimo de um maior desenvolvimento?
A especialista salienta que “pode potenciar a socialização e o estímulo, sendo um local seguro onde a criança aprende a brincar e a conviver com outras crianças”, para além ser uma mais-valia na adaptação a rotinas saudáveis. Porém, em relação ao desenvolvimento dos mais pequenos, assume que tudo depende do ambiente de interação e estímulo oferecido à criança.
“A grande diferença entre a creche e o ficar com os avós é a interação e a aprendizagem sobre partilha, capacidades que são adquiridas nas várias atividades que as educadoras podem fazer nos espaços escolares. Há a noção de que uma criança que entra mais cedo para a creche está mais preparada para a escola, no que diz respeito à capacidade de socialização, de partilha e de cumprimento de regras, mas tudo depende da forma como a criança é estimulada em casa dos avós”, afirma Inês Chiote Rodrigues.
A criança não se desenvolve mais obrigatoriamente por estar na creche. Basta ainda não estar no seu timming certo para isso acontecer."
A educadora de infância Gabriela Silva também salienta a importância de analisar cada criança, bem como a sua situação, individualmente. “Como em tudo, cada caso é um caso, seja no que se refere à criança e às suas necessidades, ao tipo de avós e aos profissionais do espaço escola, seja em que idade for. Cada criança tem um tempo próprio para as suas aprendizagens e desenvolvimento individual. Em contexto de grupo recebe mais estímulo, obviamente, mas tal não quer dizer que a criança se desenvolva mais obrigatoriamente por estar na creche. Basta ainda não estar no seu timming certo para isso acontecer”, explica a também formadora na área de Educação de Infância.
Para além dos cuidados básicos, a psicóloga clínica Inês Chiote Rodrigues acredita que, caso exista uma “interação frequente, saídas até parques infantis, interação com outras crianças (netos de amigos, irmãos, primos ou no parque), assim como o estabelecimento e firmeza nas regras e rotinas, a criança poderá ter igualmente um ótimo desenvolvimento em casa dos avós”.
Esta é uma ideia partilhada por José Aparício, médico pediatra e coordenador do atendimento pediátrico do Hospital Lusíadas Porto, que acredita que os avós são uma ótima solução, principalmente para crianças nos primeiros dois anos de vida. “Fala-se do desenvolvimento e da interação com outras miúdos, mas uma criança de um ano não interage com o grupo, mas sim com a educadora. Caso os avós sejam pessoas ativas, que passeiem com a criança, que a estimulem, sou da opinião que é mais benéfico para os miúdos ficarem com eles nos primeiros tempos de vida. Admito que em termos de estimulação pode não ser exatamente a mesma coisa que a creche, mas tem outros benefícios.”
Quando os avós são a escolha óbvia
Raquel Luís, 30 anos, é mãe de Tomás, prestes a fazer dois anos, e, para a professora de Inglês no âmbito das Atividades Extra-Curriculares do Ensino Básico e educadora de tempos livres, a escolha foi óbvia: “Para mim, faz todo o sentido que o meu filho fique em casa dos meus sogros”.
É inegável que, em casa dos avós, tem a atenção e o carinho que não teria na escola. Em casa dos meus sogros é só ele, na creche, se for preciso, está com mais 20 crianças, que não são nada às pessoas que lá estão."
À MAGG, a professora conta que já colocou o filho em várias listas de espera de creches, mas Tomás só deverá frequentar as mesmas no início do próximo ano letivo, a cerca de dois meses de completar três anos de idade — esta é uma altura em que Raquel Luís acredita que o filho já se consegue explicar melhor, algo que é de vital importância para si.
“Com tanta coisa que se ouve de maus tratos, de negligenciarem as crianças, prefiro colocá-lo na escola numa altura em que ele se consiga exprimir melhor. Claro que com três anos não o consegue fazer de uma forma totalmente clara, mas sabe dizer-me como foi o dia, como é que correu, o que gostou, o que não gostou e se lhe bateram”, afirma Raquel Luís, que também assume que o fator financeiro entra nas contas e, ao colocar o filho na creche mais tarde, poupa dinheiro.
O alegado desenvolvimento mais rápido das crianças nestes espaços não é fator para a monitora de tempos livres, que admite que a evolução célere do filho é algo que não a preocupa. “É comum dizer-se que, na creche, os miúdos desenvolvem-se mais depressa, andam, falam, mas isso ele vai, eventualmente, fazer. Não sinto que ficar com os avós atrase o desenvolvimento dele”, salienta Raquel Luís que, apesar de ter noção de que a creche pode dar outro tipo de entretenimento ao filho que os sogros não dão, acredita que não é o facto de Tomás estar com avós que vai fazer com que o menino se desenvolva mais devagar. “Conheço muitas crianças que estiveram nos avós e começaram a falar mais rápido que outras, que estão nas creches”, afirma a professora.
Para Raquel Luís, mais importante do que Tomás ser rápido a aprender a falar, é o amor que recebe em casa dos avós, algo que não acredita ser possível numa creche: “É inegável que, em casa dos avós, tem a atenção e o carinho que não teria na escola. Em casa dos meus sogros é só ele, na creche, se for preciso, está com mais 20 crianças, que não são nada às pessoas que lá estão. E acho que, para uma criança, sentir-se acolhida no mundo, ter amor e carinho, é essencial — o amor que lhe é transmitido nos primeiros meses e anos fica para a vida.”
A psicóloga Inês Chiote Rodrigues concorda que a permanência das crianças em casa dos avós nos primeiros anos de vida tem os seus benefícios. De acordo com a especialista, neste cenário, “há, naturalmente, um cuidado diferente. Não só existe um laço emocional forte, mas também uma disponibilidade maior por parte dos avós, dado que a atenção recai apenas sobre aquela criança”. Assim, e tal como explica a especialista, “pode existir uma maior oportunidade de escutar e observar, ganhando um maior conhecimento sobre as caraterísticas e necessidades da criança”, mas tudo depende da qualidade dos cuidados, que vão muito além de trocar fraldas.
“A interação e os estímulos dados ao bebé são muito importantes, pois o seu desenvolvimento cognitivo e emocional está dependente daquilo que recebe nos primeiros dois anos de vida por parte dos cuidadores”, afirma Inês Chiote Rodrigues. No entanto, e apesar dos benefícios já referidos em ficar na companhia dos avós, esta situação também pode trazer contrariedades.
“Quando as crianças ficam em casa até aos três anos, criam rotinas e regras que podem variar um pouco das da escola, e é possível que tenha de existir um período de adaptação”, conta a psicóloga clínica. Porém, este não é o único contra.
A educadora de infância Gabriela Silva relata que, “com certos avós, a criança corre o risco de se tornar mais ‘abebezada’ e permanecer assim durante mais tempo. Refiro-me ao nível e qualidade da linguagem e da expressão verbal, à dieta alimentar, dado que os avós, por vezes, só oferecem o que a criança gosta e não possibilitam a experimentação de novos alimentos, sabores e texturas, como o caso da sopa ser sempre passada, por exemplo. E não nos podemos esquecer da autonomia na higiene pessoal — há miúdos que chegam à pré primária sem se saberem limpar sozinhos”.
Quanto à sociabilidade das crianças, ou ao perigo de falta dela, Inês Chiote Rodrigues volta a afirmar que não é possível ter certezas absolutas. “Tudo depende da própria disposição genética da criança no que diz respeito à introversão/extroversão, assim como do ambiente à sua volta, para que desenvolva ou não essa capacidade de interação”, explica a psicóloga, que acrescenta que, “caso a criança esteja com os avós, mas saia para brincar e esteja com outras crianças, sendo estimulada nesse sentido, existe uma menor probabilidade de ser pouco sociável com outros miúdos”.
Creche ou antro de doenças?
Se já colocou os seus filhos na creche em tenra idade, com certeza passou pelo drama das doenças. Afinal, assim que as crianças entram nestes espaços, é habitual ficarem doentes semana sim, semana não. Este é um cenário bastante familiar para Elizabete Monteiro, 34 anos, mãe de dois rapazes, com 3 e 6 anos, e grávida atualmente de uma menina. “Na época, não tinha qualquer apoio familiar perto de mim e fui obrigada a colocar o meu filho mais velho no berçário apenas com dois meses e meio. O T. estava muitas vezes doente, não dormia de noite e era um bebé muito agitado”, recorda a gestora de marca.
Os pais precisam de pensar no preço a pagar, no que envolve manter os filhos numa creche, suscetíveis a estes contágios."
“Quando as crianças estão no berçário ou na creche, estão muito sujeitas a infeções pulmonares e bronquiolites, dado que os pulmões só maturam aos três anos de idade. Este tipo de doenças obrigam à toma de antibióticos, por vezes até a internamentos hospitalares e grandes períodos de recolha em casa”, afirma Gabriela Silva.
No entanto, a educadora de infância explica que é muito complicado controlar as doenças em contexto do espaço escolar, chegando a afirmar que é quase impossível. “Nos primeiros anos, tudo passa pela boca das crianças, aumentando exponencialmente o contágio”, afirma Gabriela Silva, que acredita que tanto os berçários como as creches deveriam impedir o acesso a crianças doentes, com febre, otites ou amigdalites, para citar alguns exemplos.
Este é outro dos motivos pelos quais o pediatra José Aparício acredita que, nos primeiros anos de vida, as crianças ficam melhor ao cuidado dos avós, caso essa alternativa esteja em cima da mesa. “Principalmente nos primeiros dois anos, os mais pequenos não têm muitas defesas e ficam doentes com muita facilidade. Os pais precisam de pensar no preço a pagar, no que envolve manter os filhos numa creche, suscetíveis a estes contágios. É preciso equacionar o dinheiro gasto em medicamentos e as faltas ao trabalho dos adultos”, alerta o coordenador do atendimento pediátrico do Hospital Lusíadas Porto.
3 anos: a idade mágica
Apesar de não existirem regras universais, a entrada das crianças na creche ou pré-primária (vulgo, jardim-escola) com 3 anos é algo consensual entres os especialistas, tanto no campo da educação como no meio médico.
Para a educadora de infância Gabriela Silva, “a entrada após os 3 anos é sempre ideal e tenho esta opinião como mãe e educadora. No entanto, imaginando que a criança tem um atraso no desenvolvimento, irá ganhar e muito com a entrada no espaço escolar o mais cedo possível, dado que irá receber um estímulo constante, melhor do que qualquer terapia”.
Em termos de saúde e sociabilidade, o pediatra José Aparício também refere a marca dos 3 anos como uma ótima idade para ingressar em espaços escolares. “Aos três anos, as crianças já têm mais defesas e outra imunidade, não estando tão suscetíveis a doenças. E com essa idade também já conseguem interagir mais com o grupo e absorver regras de conduta com outras competências”, salienta o especialista.
A psicóloga Inês Chiote Rodrigues reforça esta ideia e explica que é a partir do terceiro ano de idade que, geralmente, as crianças desenvolvem mais autonomia. “Aprendem a expressar-se, a partilhar e a necessidade de interação e socialização é ainda maior. Antes desta idade, apesar do brincar ser fundamental, o maior foco ainda é proporcionar os cuidados básicos ao bebé como a troca de fraldas, alimentação, higiene e afeto”, conclui a especialista.